Acórdão nº 127/10.0TBPDL.L2-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução30 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: 1.

–Pretensão sob recurso: revogação da sentença recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que: a) defira o pedido de dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP; ou, b) subsidiariamente, defira o pedido de redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça para valor nunca superior a 5%, em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

1.1.

–Pedido: dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, para os efeitos previstos no art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Para tanto, alegaram a A. e o R., em síntese, que: (i)- o objeto da causa é simples, porquanto se cingiu a um único pedido de indemnização formulado pela Autora fundado na responsabilidade civil extracontratual da Ré, pelo que não demanda o conhecimento de questões jurídicas de elevada especificidade/exigência técnica; (ii)- as partes sempre adotaram um correto comportamento processual no sentido da colaboração com o Tribunal na descoberta da verdade material, o que se demonstrou, nomeadamente, com o acordo em dar 65 factos por provados, os quais foram transpostos para a matéria assente do despacho saneador; (iii) - a audiência de discussão e julgamento apenas teve quatro sessões, duas das quais ocuparam apenas o período da manhã, e a última das quais consistiu unicamente em alegações orais das partes, tendo apenas sido ouvidas nove testemunhas, sem embargo da prova documental produzida; (iv)- as decisões dos Tribunais superiores, em sede recursiva, circunscreveram-se apenas à questão da caducidade que havia sido invocada pela Ré na contestação com base em matéria assente por acordo na audiência preliminar, não tendo por isso havido necessidade de levar a cabo o julgamento da matéria de facto e apreciar o fundamento jurídico subjacente ao pedido da Autora.

O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido defendendo que não se pode concluir pela falta de complexidade do processado e dos factos controvertidos, divididos por 161 itens, para além do que a conduta das partes foi marcada por uma litigância que se estendeu ao Tribunal da Relação (de Lisboa) e ao Supremo Tribunal de Justiça.

Foi proferida decisão do seguinte teor: “Em face do exposto, consideramos justo, adequado e proporcional a redução do valor do remanescente da taxa de justiça para 15% (quinze por cento) do valor da responsabilidade de cada uma das partes.

Custas do incidente a cargo de cada uma das partes, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta).

Oportunamente remeta guias para pagamento e proceda à elaboração da conta de custas.

Notifique.

”.

1.2.

–Inconformado com aquela decisão, o R. apelou, tendo formulado as seguintes conclusões: (i)- No dia 8 de Março de 2016 o Supremo Tribunal de Justiça absolveu o Réu de uma causa com o valor de € 35.162.646,26, ficando as partes responsáveis pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça cujo valor global ascendia aos € 1.707.990,00.

(ii)- O Tribunal da Comarca dos Açores proferiu, no dia 13 de Julho de 2016, decisão sobre o pedido de dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça requerido pelas partes, decidindo reduzir o exorbitante montante pelo qual as partes eram responsáveis para 15% desse valor.

(iii)- O Réu não pode aceitar que a Decisão que considerou excessivo e exorbitante os montantes reclamados não tenha dispensado totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

(iv)- Desta forma impõe-se uma questão: existe justificação para um Tribunal reclamar um montante de € 256.198,50 (duzentos e cinquenta e seis mil, cento e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos) a título de taxas de justiça? (v)- O Réu crê convictamente que não e essa convicção aumenta quando verificamos o desrespeito pelo critério da capacidade financeira de um cidadão médio e os reduzidos custos originados pelo processo ao sistema de Justiça em relação aos valores exigidos.

(vi)- À semelhança de todas as outras taxas, a taxa de justiça caracteriza-se pelo seu carácter bilateral ou correspectivo, razão pela qual os montantes cobrados a título de taxa de justiça têm de ser directamente proporcionais ao serviço prestado pelos Tribunais, sendo necessário que a justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente.

(vii)- A violação do princípio da proporcionalidade e do direito de livre acesso à justiça causado pela inexistência de um limite máximo nos montantes exigidos a título de taxas de justiça fez com que o Tribunal Constitucional tenha já declarado inconstitucionais muitas das normas regulatórias das taxas de justiça.

(viii)-De forma a evitar a aplicação de montantes desproporcionais e excessivos a título de taxas de justiça, o novo Regulamento das Custas Processuais previu no n.º 7 do seu artigo 6.º, a possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça quando se verifiquem, designadamente, (i) a reduzida complexidade da causa e (ii) a boa conduta processual das partes.

(ix)- Na apreciação da complexidade da causa concluímos que não pode ser tida em conta o valor da causa ou a contabilização e mensuração de actos processuais, por não traduzirem fielmente a sua complexidade. Concluímos igualmente que não se verificou a produção de prova morosa assim como não se verificou, igualmente, a audição de elevado número de testemunhas.

(x)- No tocante à complexidade da causa — que foi elevada — importa dizer que essa complexidade se deve única e exclusivamente a um erro do Tribunal de primeira instância, que poderia ter evitado a pegada processual em causa, caso tivesse decidido a causa no despacho saneador, como era seu dever.

(xi)- Ainda relativamente à complexidade da causa importa ressalvar que essa complexidade — para além de ser responsabilidade da incorrecta decisão da primeira instância — foi manifestamente assimétrica. A causa foi efectivamente complexa para as partes que trataram todas as questões em causa, mas para os Tribunais revelou-se muitíssimo menos complexa, uma vez que resolveram a causa — e bem — apreciando apenas a excepção peremptória de caducidade e a inoponibilidade aos presentes autos da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 41/2008 CMVM (xii)- Posto isto, importa reformular a questão colocada: a apreciação de uma excepção peremptória de caducidade acarreta custos para o sistema de justiça que justifique serem exigidos € 256.198,50 pelo serviço recebido pelas partes? (xiii)- A resposta repete-se: Não! (xiv)- Em matéria de conduta processual das partes, a questão é unânime. As partes sempre se pautaram por um comportamento digno, honesto e respeitoso, sendo isso condição suficiente para a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

(xv)- O Estado encontra-se vinculado à disponibilização de um sistema de justiça. Essa obrigação deriva, não só do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa mas também do n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

(xvi)- Porém, o Estado...

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