Acórdão nº 646/14.0TBFUN-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: C... Ldª, matriculada sob o nº ..., com sede ..., intentou acção declarativa contra ...

BANK, Sociedade de Direito Holandês, com sede ..., matriculada na ..., peticionando que sejam declarados nulos: “a)– A prestação de garantia hipotecária; b)– A prestação do aval; c)– E todas as eventuais garantias prestadas que extravasem o objecto social da Autora, ou que violem as Leis aplicáveis, incluindo Directivas Comunitárias, e que por esse meio, lhe causem prejuízos graves e sérios; d)– Requerendo-se por último que, em consequência da declaração de nulidade acima peticionada, seja ordenado o cancelamento dos ónus que incidem sobre o bem imóvel constituído terreno sito no Sector URP-NG – 3, Las Brisas, Urbanizacion Altos Reales, Parcela P-8, Município de Marbella, Provincia de Málaga, Espanha, descrita na Conservatória do Registo de La Propriedade “Marbella 3”, Sección “Marbella 3” nº finca 363172; e)– Sendo a Ré, condenada nas custas que se vierem a apurar a final.” Alega, para tanto, que foi constituída hipoteca sobre um bem imóvel sito em Espanha de que a A. é proprietária, hipoteca que se encontra em execução em Espanha, sendo esta garantia hipotecária nula por ter sido constituída em benefício de terceiro e sem vantagens ou qualquer benefício para a sociedade, não tendo o objecto da sociedade Autora qualquer relação com o objecto da sociedade beneficiária do mútuo garantido.

Alega ainda que o procurador da A. não detinha poderes para a constituição da garantia hipotecária e que o aval e fiança prestados são nulos pelas mesmas razões.

Relativamente à competência do tribunal, alega estar em processo de Insolvência, pelo que, atento o disposto no Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29/05/2000, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos, é a lei do Estado – Membro em cujo território foi aberto o processo, o que decorre também do artº 271 do CIRE.

Citada veio a R. apresentar contestação suscitando, no que ao caso importa, a incompetência internacional do presente Tribunal para decisão da presente acção, alegando ter domicílio nos Países Baixos, sendo aplicável a jurisdição Neerlandesa, escolhida pelas partes como exclusiva para a resolução de conflitos, alegando ainda que o imóvel hipotecado situa-se em Espanha, pelo que, considerando o disposto nos art.ºs 4/1, 7/1/a) e 25/1 do Regulamento 1215/2012 de 12 de Dezembro os tribunais portugueses não dispõem de competência para decidir sobre o pretendido quanto à Garantia.

Mais alega que, atento o disposto no artigo 24.º, n,º1 do Reg 1215/2012, os tribunais Portugueses não dispõem de competência para decidir sobre o pretendido quanto à hipoteca, não sendo obstativo deste entendimento o processo de insolvência da A., tendo em conta o disposto nos artigos 5.º, n.º1 e 5.º, n.º2, al.a) do regulamento referido, sendo competente o Tribunal de localização do imóvel.

Notificada para o efeito, veio a Autora pronunciar-se pela competência do Tribunal nacional para decidir a presente acção, alegando ter o Tribunal Português competência exclusiva na acção de nulidade da garantia e do aval prestado pela Autora por força do Regulamento 44/2001 de 22.12.2000 e Reg. 1346/2000 e do disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE, que permite a anulação de negócios jurídicos prejudiciais aos credores da insolvente, a correr por apenso ao processo de insolvência, defendendo ainda que, a competência exclusiva dos Tribunais da situação do bem relativamente a um direito real, não impede, de acordo com o capítulo 4 do artigo 5º do Regulamento 1346/2000, o julgamento das acções de nulidade contempladas na alínea m) do capítulo 2 do artigo 4º do citado Regulamento.

Após, pelo tribunal recorrido, foi proferida a seguinte decisão: “A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal.

Para a fixação da competência internacional dos tribunais portugueses deve ter-se em conta que os instrumentos internacionais prevalecem sobre as normas de direito interno, nos termos do artigo 8º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Regula o art.º 59.º do Cód. Proc. Civil que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.” Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 62.º do aludido diploma, “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.” Por outro lado, a lei atribui competência exclusiva aos Tribunais Portugueses nas seguintes situações: “a)- Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro; b)- Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado; c)- Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal; d)- Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português; e)- Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.” Através da presente acção pretende a Autora obter a declaração de nulidade (i) da garantia hipotecária prestada pela Autora; (ii) da prestação do aval e de todas as garantias prestadas que extravasem o objecto social da Autora ou violem as Leis aplicáveis; (iii) e, bem assim que, em consequência, seja ordenado o cancelamento dos ónus que incidem sobre o bem imóvel constituído pelo terreno sito no Sector URP-NG – 3, Las Brisas, Urbanizacion Altos Reales, Parcela P-8, Município de Marbella, Província de Málaga, Espanha, descrita na Conservatória do Registo de La Propriedade “Marbella 3”, Sección “Marbella 3” nº finca 363172.

Da alegação contida na petição inicial apresentada pela Autora resulta que a garantia prestada por esta através de hipoteca incidiu sobre o imóvel vindo de identificar, outrora pertencente à Autora e sito em Marbella. Ora, considerando de forma isolada os pedidos em causa na presente acção, logo se concluiria que o presente Tribunal não detém competência para a apreciação e julgamento da mesma atentos os elementos de conexão com outros estados membros.

Realça-se contudo, a relevante particularidade de a Autora se encontrar Insolvente, e ser este Tribunal o competente para a tramitação da Insolvência, considerando a circunstância de ser uma empresa sediada na Zona Franca da Madeira.

A questão que se suscita insere-se na problemática geral do regime processual a que devem ser sujeitas acções declarativas em que uma das partes foi declarada insolvente.

No plano interno, regula o n.º1 do art.º 85.º do CIRE que, “1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. 2 …” Considerando que o litígio a que se reportam os presentes autos tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa, espanhola e holandesa, impõe-se o recurso à aplicação dos Regulamentos da União Europeia.

Os Regulamentos Europeus aplicam-se, consoante a matéria, aos litígios Internacionais ou transfronteiriços, ou seja, sempre que a questão a apreciar possua algum elemento externo, seja qual for esse elemento. Considerando tal circunstância e o facto de a Autora se encontrar insolvente, impõe-se chamar à colação o Regulamento 1346/2000 de 29 de Maio de 2000.

O regulamento vindo de convocar apenas intervém no que diz respeito às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões directamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionados, reconhecimento dessas decisões e direito aplicável (considerando 6) Com relevo para a decisão a proferir, regula o art.º 4.º do aludido diploma, que a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos, é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a qual determina, nomeadamente, as regras referentes à nulidade ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores.

Por outro lado, nos termos do art.º 5.º do regulamento em causa...

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