Acórdão nº 7230/13.3TBALM-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | CARLOS OLIVEIRA |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO: Cândida M., executada nos autos principais, veio deduzir oposição mediante embargos à execução para pagamento de quantia certa, contra a Caixa..., invocando a sua ilegitimidade passiva, por não ter assinado as livranças dadas à execução, a ineptidão do requerimento executivo por falta de indicação de causa de pedir do requerimento executivo e a prescrição das obrigações cambiárias. Tendo ainda alegado, em suma, a inexistência de pacto de preenchimento válido das livranças assinadas em branco, a inexistência da relação subjacente à sua emissão e a inexigibilidade da obrigação relativamente à executada. No final, pediu que fosse julgada procedente a oposição assim deduzida à execução e, em consequência, que a mesma fosse declarada extinta contra a executada, determinando-se a suspensão da execução sem prestação de caução.
Recebidos os embargos, a exequente contestou pugnando pela improcedência das exceções invocadas, concluindo no sentido de serem os embargos de executado julgados improcedentes por não provados.
Por despacho de fls 140 a verso foi deferida à requerida suspensão da execução, ao abrigo do Art. 733.º n.º 1 al. b) do C.P.C. e designada data para a realização de audiência prévia.
Foi aí então proferido despacho saneador, que julgou não enfermar a petição de ineptidão e que as partes eram as legítimas, fixando os temas de prova e o objeto do litígio, e admitindo-se os meios de prova requeridos pelas partes.
Cumpridas as diligências instrutórias prévias, foi designada data para audiência final, finda a qual veio a ser proferida sentença, que julgou os embargos por procedentes, declarando extinta a execução contra a embargante.
É dessa sentença que a exequente-embargada ora recorre, tendo apresentado as seguintes conclusões: A.
–Decidiu o Tribunal a quo pela procedência dos Embargos de Executado, considerando que os dois contratos adicionais celebrados em complemento ao contrato originário, se tratavam de contratos novos, definindo este facto como Novação Objetiva; B.
–Em consequência, como a Recorrida/Embargante/Avalista não subscreveu os contratos adicionais, se encontrava exonerada das responsabilidades assumidas; C.
–O artigo 859.º do Código Civil diz que existe Novação Objetiva quando “o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.”, acrescentando o artigo 859.º do mesmo diploma legal que “A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada; D.
–No caso em apreço, a Recorrida não assinou qualquer declaração ou de outra forma expressa manifestou o seu acordo na novação do contrato. Não existe aqui, por parte da Recorrida, qualquer manifestação expressa da vontade, elemento essencial para que se considere efetiva a Novação Objetiva; E.
–Neste sentido veja-se o acórdão da Relação de Lisboa n.º 2656/07.4TBAMD-A.L1-1 e 23-1-1976: CJ,1976, 1.º -206; F.
–No nosso caso concreto, da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida não resulta que, em momento algum, a CEMG tenha autorizado a desvinculação da avalista embargante/Recorrente ou até que a mesma tenha celebrado novo contrato em substituição do originário.
G.
–E não se diga que os adicionais correspondem a contratos novos já que, tais documentos em seu texto admitem claramente a sua dependência com o contrato originário, uma vez que se trata exatamente da mesma obrigação; H.
–Não se pode deixar de concluir que NUNCA foi intenção das partes celebrar contrato novo, que a obrigação, sua origem e garantias se mantêm AS MESMAS, tendo apenas sido alterados os prazos de pagamentos e os spreads contratados inicialmente; I.
–Não se diga ainda que a falta de assinatura da Recorrida nos contratos adicionais a exonera de qualquer responsabilidade pois na prática, era desnecessária já que, o contrato originário (subscrito pela Recorrida) prevê na Cláusula 8.º. ponto 5.º a possibilidade de aditamentos; J.
–Mesmo que assim não se considerasse teria que se olhar para a falta de assinatura como uma lacuna que seria preenchida pelas disposições do contrato primitivo, por remissão das cláusulas 7.º e 9.º dos contratos adicionais; K.
–Não existe no caso concreto, na mesma medida Novação Subjetiva, pois da análise disposições legais, resulta como evidente, que haverá lugar a novação, quando se verifique, por um lado, a substituição do devedor/obrigado por um novo devedor, o que importará a extinção da obrigação primitiva e a constituição de uma nova obrigação, com a consequente exoneração do devedor por parte do credor. Por outro lado, que a vontade em contrair a nova obrigação em substituição da antiga, seja expressamente manifestada.
L.
–No caso concreto nada disto se verificou, não tendo NUNCA, o Recorrente exonerado a Recorrida das obrigações subscritas.
M.
–Entendeu ainda a Sentença recorrida que ainda que não existisse Novação da dívida, que existiria Má-Fé por parte da ora Recorrente, traduzida num abuso de direito pois não se poderia “pedir à avalista, que não teve qualquer conhecimento e intervenção nos adicionais aos contratos que subscreveu, o valor que esta avalizou em contratos que deveriam estar extintos, pelo menos, desde 2008”.
N.
–Ora, um caso típico de abuso do direito é a proibição do venire contra factum proprium, variante esta que radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois que pressupõe duas atitudes dela, espaçadas no tempo, sendo a primeira contrariada pela segunda, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da Boa-Fé; O.
–Não será difícil de concluir que a conduta da Recorrida/Embargante se enquadra inteiramente neste instituto jurídico já que, assinou livremente um contrato, assumiu uma obrigação, aceitou que esse mesmo negócio jurídico poderia ser prorrogado, e no fim vem dizer que pelo contrário, esperava que tal contrato terminasse em 2008 e que por isso, as suas legítimas expectativas se mostraram frustradas.
P.
–Como se mostrará claro após toda a exposição feita, existe no caso concreto uma conduta pautada pela Má-Fé, reconduzida a um abuso de direito, mas por parte da Recorrida que, assumiu perante a Recorrente um compromisso, criando nesta uma expectativa que se viu frustrada pela sua recusa em cumprir com o estipulado no contrato.
Em função do assim exposto, pede que os embargos de executado sejam considerados improcedentes, revogando-se assim a decisão de primeira instância.
A Recorrida respondeu em contra-alegações e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos, considerando que se verificou efetiva novação, quer relativamente à livrança de 20 de abril de 1999, no valor de €347.396,63, referente a empréstimo concedido apenas pelo prazo de 6 meses, quer relativamente à livrança de 9 de setembro de 2003, no valor de €466.581,07, que se referia a empréstimo pelo prazo máximo de 5 anos, não tendo intervindo nos adicionais posteriormente acordados com a exequente em setembro de 2008 e outubro de 2013, que assim não foram por si garantidos.
II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são: a)– Saber se houve novação objetiva e/ou subjetiva das obrigações subjacentes às livranças dadas à execução; e b)– Saber se houve abuso de direito do exequente ao exigir o cumprimento de obrigações avalizadas que se encontravam extintas.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso julgou por provada a seguinte factualidade: 1.
– A exequente é portadora das duas livranças que constituem os títulos dados à execução e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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– A embargante apôs a sua assinatura no verso das livranças dadas à execução, após a menção “dou o meu aval aos subscritores”.
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– A livrança dada à execução foi preenchida pela exequente, designadamente quanto ao seu valor e data de vencimento.
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– As livranças dadas à execução foram assinadas na sequência da celebração dos contratos de fls. 224 a 226 e 100 a 107 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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– A embargante assinou os contratos referidos no ponto antecedente.
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– Foi celebrado entre a exequente e entre a sociedade executada, a executada Maria... e Rui... o acordo designado “Adicional a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente” de fls. 108 a 114 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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– Foi celebrado entre a exequente e a sociedade executada o acordo designado “Adicional a Contrato de Mútuo” de fls. 115 a 117 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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– As livranças dadas à execução foram preenchidas pela exequente na sequência do incumprimento dos dois acordos mencionados nos dois pontos antecedentes.
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– Antes do preenchimento das livranças, a embargada, através de um seu funcionário, contactou telefonicamente a embargante, dando-lhe conta do incumprimento.
* O tribunal julgou ainda não provado que a exequente enviou à embargante as cartas de interpelação cujas...
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