Acórdão nº 3128/16.1T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelDINA MONTEIRO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–RELATÓRIO: J. propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra E., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 71.349,04 respeitante a capital e juros até à 08 de Fevereiro de 2016 e ainda nos juros de mora vincendos, à taxa legal, desde essa data e até integral pagamento, sobre a quantia de € 60.000,00.

Para o efeito alegou, em síntese, que foi casado com a Ré e que na pendência do casamento, e no exercício da sua atividade de criador de cavalos, comprou um cavalo que veio mais tarde a vender. Após, depositou parte do produto dessa venda na conta da sua mulher e aqui Ré, para que esta lho restituísse. No entanto, esta apesar de instada para o efeito, não o fez, razão pela qual vem agora pedir a sua condenação no cumprimento dessa obrigação invocando, para o efeito, a existência de um contrato de depósito.

Referiu ainda que, para o caso de assim de não ser entendido, sempre teria de ser declarada a nulidade da doação, por vigorar no casamento entre o mesmo e a aqui Ré o regime de separação de bens e não ter sido cumprido o formalismo do artigo 1763.º do Código Civil.

Por fim, invocou ainda o instituto do enriquecimento sem causa cujos pressupostos cumulativos defende estarem presentes e que determinariam a procedência da ação.

Em contestação a Ré invocou a exceção de caso julgado, mais referindo que o cavalo mencionado nos autos lhe foi oferecido pelo seu então marido, aqui A., que teve a seu cargo o treino e manutenção do mesmo e ainda que a quantia que foi depositada na sua conta bancária correspondeu a compensação pela venda do cavalo que lhe pertencia, concluindo, assim, que nada há a devolver. Pediu ainda a condenação do A. enquanto litigante de má-fé.

O A. respondeu relativamente à litigância de má-fé e à exceção de caso julgado, defendendo a não verificação de qualquer delas.

Teve lugar audiência prévia, em que foi conhecida a invocada exceção, tendo-se concluído pela sua não verificação, e em que foram fixados os factos assentes e os temas da prova.

Procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente, dela absolvendo a Ré.

Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões: 1.–(A)-Apesar de constar dos temas da prova e dos factos dados como provados, estranhamente a douta sentença preferida pelo Tribunal ‘a quo’ não se pronunciou, nem muito menos solucionou, questão que para além de ser do seu conhecimento oficioso (‘ex vi’ artigo 286.º, do Código Civil), foi efetivamente suscitada pelo Recorrente e objeto de resposta da contraparte.

  1. –(B)-Assim, ao deixar de tomar partido face à validade da suposta doação entre casados, ocorrida em 2002 e respeitante ao equídeo «Sol», ao abrigo do disposto nos artigos 1762.º e 1763.º, do Código Civil, o Tribunal ‘a quo’ “contaminou” a sentença com o vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.

  2. –(C)-Ademais, é patente que a sentença recorrida ostensivamente incumpriu com as exigências de fundamentação constantes do artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, designadamente no que concerne à identificação e análise crítica das provas.

  3. –(D)-Por um lado e no que concerne à prova documental, ter-se-á forçosamente de inferir que a letra do acto decisório não permite determinar a relevância (ou falta dela...) dada a cada um dos documentos juntos aos autos.

  4. –(E)-Por outro, torna-se evidente que relativamente aos depoimentos das testemunhas, o julgador “abrigou-se” em silogismos genéricos e vazios, absolutamente inaptos a explicar porque determinaram ilidida a presunção do registo de propriedade do equídeo, impedindo o Apelante de recorrer da matéria de facto precisamente por ignorar as razões influentes na convicção plasmada na sentença.

  5. –(F)-Não tendo o Tribunal ‘a quo’ logrado fazer completa indicação das provas e indispensável exame crítico das mesmas, das duas uma: i) ou a sentença é nula nos termos conjugados dos artigos 154.

    0, 607.

    0, n.

    os 3, 4 e 5, e 615.

    0, n.

    0 1, al. b), do Código de Processo Civil; ii) ou esta padece de uma nulidade processual, nos termos do postulado no artigo 195.

    0, n.

    0 1, do Código de Processo Civil, por desrespeito dos pressupostos de fundamentação ínsitos no artigo 607.

    0, n.

    0 4, desse diploma legal [neste sentido ‘vide’ Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-10-2015, proc. n.

    0 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível ‘in’ www.dgsi.pt].

  6. –(G)-Face à apontada omissão de pronúncia respeitante à alegada doação entre casados concernente ao cavalo «Sol», ao abrigo do disposto nos artigos 1762.

    0 e 1763.

    0, do Código Civil, o Apelante, com o fito de evitar transformar a presente peça processual em improfícuo “exercício” de «copy & paste», reitera e dá por integralmente reproduzido o argumentário expendido nos artigos 32.

    0 a 36.

    0 e 41.

    0 a 44.

    0, da petição inicial.

  7. –(H)-Acrescenta, contudo, o facto de nos termos conjugados dos artigos 1763.

    0, n.

    0 1 e 220.

    0, do Código Civil, a doação do equídeo «Sol», a ter ocorrido, o que apenas se invocou por cautela e dever de patrocínio, padecer do vício de nulidade por inobservância de forma escrita, o qual deveria ter sido declarado na sentença, com os efeitos previstos no artigo 289.º e 291.º, ambos do mesmo diploma legal.

  8. –(I)-Tratando-se de questão jurídica alegada pelo Recorrente, respondida pela Apelada e, inclusivamente, do conhecimento oficioso do Tribunal (cfr. artigo 286.º, do Código Civil), deverá o Tribunal ‘ad quem’ – ao ter afastado, repita-se, infundadamente, a presunção do registo a favor do Apelante e, dessa forma, considerar a existência de doação – determinar a nulidade da aludida doação entre casados, por força do preceituado nos n.

    os 1 e 2, do artigo 665.º, do Código de Processo Civil.

    Conclui, assim, pelo provimento do recurso com a consequente revogação da decisão recorrida por douto acórdão que: a)- determine a nulidade da sentença, por enfermar do vício de omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil; b)- declare nula a sentença por violação do preceituado nos artigos 154.º, 607.º, n.

    os 3, 4 e 5, e 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil ou, subsidiariamente, qualifique tal invalidade como “mera” nulidade processual, de acordo com o postulado no artigo 195.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, por desrespeito dos pressupostos de fundamentação ínsitos no mencionado artigo 607.º, n.º 4; c)- considere verificada a nulidade da suposta doação entre casados, respeitante ao equídeo «Sol» e alegadamente ocorrida em 2002, por inobservância da exigência de forma escrita, por aplicação conjunta dos artigos 1763.°, n.° 1, e 220.°, ambos do Código Civil.

    A Ré contra-alegou sustentando a manutenção da sentença proferida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II.–FACTOS PROVADOS 1.–A. e Ré casaram entre si, sob o regime de separação de bens, em 28 de Julho de 1990 (doc. 1 da P.I.).

  9. –De acordo com o boletim de inscrição da Associação Portuguesa de Criadores do Cavalo Puro Sangue Lusitano o cavalo Sol, nascido em 22 de Abril de 1999, à data de 18 de Março de 2008, era propriedade do A..

  10. –No decurso do ano de 2010, o A., no exercício da atividade de criador de cavalos, vendeu o cavalo Sol a Z., por valor não inferior a € 200 000, 00.

  11. –Parte do preço, no valor de € 60 000, 00, foi transferido em 26 de Novembro de 2010 e depositado na conta n.º... do “Barclays Bank Portugal”, de que a Ré é titular.

  12. –No ano de 2012, o A. apresentou queixa-crime e deduziu pedido de indemnização cível contra a ora Ré E..

  13. –O pedido formulado pugnava pela condenação da arguida, ora Ré, como autora material e na forma consumada, na prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205.º, n.º 1 e n.º 4 al. b) ex vi, art.º 202.º, al. b), todos do Código Penal, bem como no pagamento do montante global de € 70.016, 99, relativos a danos patrimoniais e juros.

  14. –Este processo correu os seus termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Local, Secção Criminal - J3, sob o n.º 941/12.2TDLSB.

  15. –Este processo foi alvo de sentença absolutória na primeira instância relativamente à matéria penal e à matéria cível.

  16. –Foi objeto de recurso por parte do A. e a Relação de Lisboa confirmou a decisão proferida em 1.ª instância.

  17. –A decisão transitou em julgado em 14 de Outubro de 2015.

  18. –Dos factos dados como assentes no processo-crime consta: - no âmbito da sua atividade profissional de criador de cavalos e em circunstâncias ao certo não apuradas, o ofendido no final do ano de 2010 havia procedido à venda de um equídeo denominado “Sol” a Z. através da sociedade “RP... AG”, venda efetuada por quantia não concretamente apurada, mas superior a 200 000, euros; - por motivos e em circunstâncias não concretamente apuradas, foi depositada a quantia de 60 000 euros relativa ao preço de venda do cavalo “Sol” na conta n.º... do Barclays Bank Portugal, titulada pela arguida, através de transferência bancária ocorrida na data de 26 de Novembro; - a arguida apropriou-se de tal quantia a que deu destino não apurado, integrando-a a sua esfera patrimonial em data não concretamente apurada, mas compreendida entre 26-11-2010 e 26-7-2011, não obstante interpelada pelo ofendido para proceder à sua entrega em datas e vezes não concretamente apuradas; - o cavalo Seal foi comprado pela arguida e pelo ofendido em partes iguais em 2011, para ser oferecido à filha de ambos; - não obstante este cavalo ter sido pago por ambos, também ele ficou registado em nome do ofendido e não obstante a arguida ter contribuído com metade para sua aquisição em 14-12-2010 no...

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