Acórdão nº 324/14.0 TELSB-AY.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANA SEBASTI
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

1.1. No processo n.º 324/14.0 TELSB do Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferida, em 20.06.2017, decisão que decretou o arresto preventivo de bens pertencentes a AS e MF, para garantia do valor de 3.346.769,90 euros, nos termos da decisão de fls. 80 e ss.

2. MF veio interpor recurso dessa decisão, alegando em síntese conclusiva: 1. A Recorrente não foi notificada do arresto dos imóveis que lhe foram apreendidos e que, nos termos legais, foi realizado através de comunicação eletrônica aos serviços de registo competentes.

2. Não lhe foi entregue cópia do respetivo auto.

3. Está, por isso, em tempo, para exercer o direito de impugnar a medida - incluindo através do presente recurso (v. art 401°, d), parte final).

4. A Recorrente não foi constituída como arguida no processo, pelo que o arresto é nulo, face ao disposto no art° 192° CPP.

5. Se se considerar que a Recorrente tem a qualidade de terceiro, enquanto suposta adquirente de bens da pessoa (o seu ex-marido) a quem foram imputados os crimes que justificaram o arresto, e que, por esse motivo, não tem de ser constituída como arguida, também nessa hipótese esta medida é nula, uma vez que essa pessoa (o ex-marido) não foi constituída como arguida no prazo legal estabelecido naquele preceito.

SEM PRESCINDIR: 6. Não estão reunidos os pressupostos substanciais e formais do arresto decretado e executado sobre os bens da Recorrente.

7. O douto despacho impugnado fundamenta essa medida na previsão das als. b) e c) do n° 2 do art° 111°, CP.

8. Ou seja: pretende acautelar a futura declaração de perda de "instrumentos, produtos ou vantagens" do crime, pertencentes a terceiro, "adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência", ou para ele transferidos "para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109° e 110", sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida".

9. Embora em moldes que não permitem uma conclusão segura, parece que o douto despacho aduz também como fundamento para o arresto dos bens da recorrente a necessidade de acautelar “o pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado".

10. Sobre este último eventual fundamento, o douto despacho não aduz nenhum elemento que permita a liquidação – sequer provisória – dos valores cujo pagamento o arresto pretende acautelar.

11. Por isso, se também esse fundamento foi invocado, não pode ser considerado válido para justificar a medida, até porque impediria a Recorrente de exercer direitos que lhe assistem, entre os quais o de requerer a redução da medida e o de prestar caução.

12. Isto, mesmo desprezando a cogente impugnação judicial da transmissão dos bens - arts 619°, 2, CC, e 392°, 2, CPC.

11. O outro (porventura, o único) fundamento aduzido para justificar o arresto não tem a mínima consistência.

13. Desde logo, pela razão simples de que todos os bens arrestados à Recorrente integravam o património comum do casal da Recorrente e do arguido AS e foram adquiridos muitos anos antes dos factos (supostamente criminosos) que a este são imputados.

14. É, por isso, totalmente descabido e injustificado qualificar tais bens como instrumento, produto ou vantagem de crimes que, nem sequer indiciariamente, tinham sido cometidos à data da sua aquisição.

15. Acresce que os bens arrestados à Recorrente lhe foram adjudicados na partilha parcial dos bens do casal. Não lhe foram transmitidos pelo seu ex-marido; já lhe pertenciam, em comunhão pro indiviso.

16. A data do divórcio da Recorrente e da subsequente partilha (o primeiro, no dia 16 e a segunda no dia 17 de Dezembro de 2014), ela não tinha conhecimento da existência do presente processo, nem os autos podem revelar o mais insignificante indício desse conhecimento.

17. Também não tinha conhecimento de terem sido efetuadas as buscas referidas no douto despacho.

18. Buscas essas que o douto despacho não especifica e de cuja existência a Recorrente não faz a mínima ideia.

19. Certo é que não foram buscas a ela efetuadas nem, tanto quanto sabe, ao então seu marido.

20. A associação entre o seu divórcio e partilha e o conhecimento do processo ou de quaisquer diligências ou pessoas com ele relacionadas é abusiva e não passa dum fait divers para justificar o injustificável arresto.

21. De igual modo, não têm consistência as considerações que o douto despacho tece acerca do suposto desequilíbrio das adjudicações efetuadas na partilha dos bens do casal da Recorrente.

22. Porque não foi sequer esboçado o cálculo do valor real dos bens adjudicados na partilha a um e a outro dos cônjuges, e é despropositado — e, de qualquer modo, não está justificado - qualificar os prédios rústicos como "de valor imaterial"; 23. Porque à Recorrente foi adjudicado na partilha passivo do casal — as "dívidas oriundas de créditos à habitação e créditos ao consumo junto do Novo Banco (anterior Banco Espírito Santo), no valor global de quatrocentos e setenta e um mil quatrocentos e oitenta euros e seis cêntimos) -, o que o douto despacho silencia; 24. Porque a Recorrente e o seu ex-marido procederam à partilha parcial do património comum do casal, pelo que nada permite assegurar ou sequer congeminar o hipotético desequilíbrio das respetivas adjudicações.

25. O douto despacho recorrido e o arresto realizados ofenderam, assim, entre outros, os normativos contidos nos arts 111°, 2, b) e c), CP, 192° e 228°, 1, CPP, e 392°, 1, CPC, pelo que devem ser revogados.

TERMOS EM QUE, concedendo provimento ao recurso, revogando o douto despacho impugnado e ordenando o levantamento do arresto, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA! 3. Respondeu o MºPº concluindo a sua resposta da seguinte forma: 1. O arresto dos presentes autos foi decretado e executado sem que tenham sido violados quaisquer pressupostos substanciais ou formais; 2. Invocando a Recorrente a nulidade prevista no artigo 192.°, n.° 4 do CPP, tal arguição é manifestamente extemporânea, uma vez que a mesma deveria ter ocorrido no prazo supletivo de 10 dias, nos termos da conjugação dos artigos 120.°, n.° 1 e n.° 3 a contrario e 105.°, n.° 1 do CPP e não, como sucedeu, volvido mais de um mês da sua notificação do arresto; 3. O mesmo se diga para a também invocada nulidade decorrente da não constituição como arguido do seu ex-cônjuge e também arrestado AS; 4. Sem prejuízo, caso a arguição fosse tempestiva, nunca a decisão recorrida padeceria dessa nulidade; 5. Na verdade, mesmo após a entrada em vigor da Lei n." 30/2017, de 30 de Maio, deverá continuar a entender-se que, naqueles casos em que o arresto preventivo é executado sobre bens de pessoa a quem não é imputada a prática dos crimes que o fundamentam, não será exigível a constituição como arguido dessa pessoa; 6. É precisamente nesse sentido que aponta o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.10.2016, proferido no processo, 11335/15.8T9PRT-A.P1, e relatado pelo Sr. Desembargador RAUL ESTEVES, onde se refere que "Se o requerido em arresto preventivo não for suspeito de crime em investigação ou objecto dos autos, mas unicamente um responsável civil, e como tal tratado no requerimento de arresto preventivo, e como tal reconhecido no âmbito dos autos, não haverá o mesmo de ser constituído arguido para que seja provido o requerimento de arresto"; 7. Acresce ainda que, relativamente ao regime do arresto preventivo, será necessário distinguir os casos em que o mesmo seja aplicado com vista a garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, daqueles casos em que é aplicado com vista a garantir o confisco das vantagens do crime; 8. Não poderá deixar de se considerar que, uma interpretação conforme ao Direito comunitário, designadamente considerando o teor da Directiva que as recentes alterações legislativas pretendem implementar, que a constituição como arguido não se exige sequer como pressuposto de aplicação do arresto nos casos em que sejam afectados apenas bens do visado criminalmente responsável; 9. Por outro lado, a Recorrente não poderá ser considerada terceiro, nem poderá ser classificada como "de boa-fé", considerando as regras vigentes para a definição destes conceitos no domínio do confisco das vantagens; 10. Acresce ainda que convém ter sempre presente que o arresto preventivo aplicado nos...

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