Acórdão nº 565/15.2IDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I–Relatório 1.

– No âmbito do processo comum n.º 565/15.2IDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Local Criminal de Lisboa – J6, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, os arguidos A…, pessoa colectiva com o NIPC…, com sede na Rua …, e B…, aos quais foi imputada a prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, nos termos dos artigos 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (doravante RGIT) e 30.º, n.º 2, do Código Penal (doravante CP), sendo a sociedade arguida responsável nos termos do art. 7.º, n.º 1 do primeiro dos mencionados diplomas legais.

Realizado o julgamento, por sentença proferida e depositada em 17 de maio de 2017, foi decidido: - Condenar a arguida A…,pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, nos termos dos arts. 7.º, n.º 1, e 105.º, nºs 1, 4 e 7, do RGIT, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros); e - Absolver o arguido B…,da prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada nos termos dos arts. 105.º, nºs 1, 4 e 7, do RGIT e 30.º, n.º 2, do CP.

Mais sendo aí decidido, a final, que, após trânsito em julgado daquela sentença, seja extraída certidão da mesma e certidão fonográfica das declarações de B…, bem como de D…, porquanto “Das declarações de ambos indicia-se a prática por C…, (pai do arguido B…,) de um crime de abuso de confiança fiscal atendendo à gestão de facto feita da sociedade aqui arguida. Do confronto das declarações de D…, em audiência de julgamento com as produzidas em inquérito indicia-se a prática de um crime de falsidade de depoimento.” 2.– A sociedade arguida, inconformada com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: “1.- No âmbito do inquérito instaurado na sequência da participação de factos susceptíveis de consubstanciar a prática do crime de abuso de confiança fiscal, deverá ser apurada a identificação da pessoa ou pessoas que, representando a sociedade recorrente, são responsáveis pelo recebimento e não entrega da prestação tributária à Administração Fiscal; 2.- Findo o inquérito, com dedução de acusação pública, nos termos da qual se fez constar que a sociedade recorrente era representada por determinada pessoa, que actuando em seu nome e interesse, recebeu e não entregou a prestação tributária à Administração Fiscal, não é possível, com fundamento no disposto no art. 358º do CPP, o Tribunal de julgamento, na sentença, alterar a acusação mediante a inclusão de novos factos por via dos quais se consignou que a sociedade recorrente afinal era representada por pessoa diversa da que inicialmente figurava na acusação pública, a quem imputou o recebimento e não entrega da prestação tributária e os objectivos de tal conduta, sendo que esta segunda pessoa nem sequer teve qualquer intervenção no processo; 3.

- O Acordão Uniformizador de Jurisprudência, proferido em 20.11.2014, no processo nº 17/07.4GBORQ.E2-A.S1, de que foi relator o Exmº. Conselheiro Sr. Dr. Rodrigues da Costa, fixou a seguinte jurisprudência: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente ou na vontade de praticar o acto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal».

  1. - A falta de descrição referida no Acórdão mencionado no na conclusão anterior, compreende, por maioria de razão, a errada identificação na acusação pública ou pronúncia da pessoa que efectivamente actuou em representação da pessoa colectiva arguida na prática do crime e sua substituição por outra pessoa a quem foram imputados os elementos subjectivos do tipo do crime; 5.- A sentença recorrida, ao incluir os factos nºs. 7, 8 e 9 no elenco dos factos considerados provados na sequência da prova produzida em audiência de julgamento, que não constavam da acusação pública, com o objectivo de suprir a falta dos elementos subjectivos do crime de abuso de confiança fiscal imputado à sociedade recorrente e, assim, poder condenar esta, padece de nulidade por violação do disposto no art. 358º do CPP; 6.- A interpretação do art. 358º do CPP, nos termos promovidos pelo Tribunal recorrido e concretizados na douta sentença objecto de recurso, na parte respeitante ao acrescento dos factos provados nºs. 7, 8 e 9, padece de notória inconstitucionalidade por ofensa ao disposto nos arts. 2º e 32º da CRP, violando o princípio do acusatório segundo o qual só se pode ser julgado por um crime a partir de uma acusação formulada pelo orgão competente, diferente do orgão julgador, funcionando a acusação como condição e limite do julgamento, determinando-se assim os poderes de cognição do Tribunal e os limites da decisão final. A aceitar-se a solução concretizada na douta sentença, os Tribunais poderiam sempre «substituir» os agentes do crime, nestes incluídos os representantes de pessoas coletivas, por outras pessoas, consoante a prova produzida em julgamento, mesmo que os substitutos não tivessem tido qualquer intervenção no processo; 7.

    - Compulsados os factos provados constantes da douta sentença recorrida, constata-se que dos mesmos não resultou provada a data em que ocorreu o termo do prazo legal de pagamento das quantias identificadas no facto provado nº 5. Não consta igualmente qualquer facto que indique a data em que se concluiu o prazo de 90 dias previsto no nº 4º, a), do artigo 105º do RGIT; 8.- A alínea a), do nº 4, do artigo 105º constitui uma verdadeira condição de punibilidade da conduta. Nesta medida era obrigatório o apuramento na matéria de facto provada da data em que ocorreu o termo do prazo para pagamento voluntário de cada uma das quantias liquidadas a título de IVA e da data em que ocorreu o termo do prazo de 90 dias, findo o qual a falta de entrega do imposto passou a poder consubstanciar a prática do crime de abuso de confiança fiscal, sendo ainda de referir que, relativamente a várias quantias identificadas no facto provado nº 5, na data em que foi instaurado procedimento criminal não haviam ainda decorridos aqueles prazos; 9.- A notificação a que se refere o art. 105º, nº 4, b), do RGIT, que é efectuada já no âmbito do inquérito, tem de ser efectuada na pessoa que tem o domínio funcional efectivo dos factos referentes ao exercício das obrigações fiscais da empresa. É esta pessoa - e não qualquer outra, mesmo que detenha formalmente a qualidade de membro do orgão de administração ou de funcionário - que tem o poder material e efectivo de decidir se a empresa paga ou não a quantia reclamada pela Administração Tributária; 10.

    - Tendo a notificação referida na conclusão anterior, relativamente à sociedade recorrente, sido efectuada na pessoa da Sra. E…,, pessoa que não se apurou que tivesse “alguma intervenção na administração da sociedade” recorrente - despacho de arquivamento - tal notificação não obedece à finalidade prevista naquele preceito, sendo por essa razão absolutamente ineficaz; 11.- Não tendo sido satisfeitas as condições de punibilidade referidas nas alíneas a) e b) do nº 4, do art. 105º do RGIT, não poderia a sociedade recorrente ser condenada pela prática do crime de abuso de confiança fiscal; 12.- A pena aplicada á sociedade recorrente é manifestamente excessiva; tendo em consideração as circunstâncias em que ocorreu o atraso de alguns meses na entrega do imposto, a entrega deste mais de um ano antes do julgamento e a inexistência de prejuízo para o Estado (não se apurou na matéria de facto qualquer prejuízo), a pena aplicada deveria ser a de multa pelo valor mínimo, ou seja, 20 dias à taxa de 5,00 euros, pelo que a sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º do CP.

    Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser proferido Acordão que: a) Revogue a douta sentença recorrida; b) Absolva a recorrente do crime de abuso de confiança fiscal.

    E assim se fará Justiça.” (fim de transcrição).

  2. – Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 633 verso.

  3. – Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1º- Bem andou o Tribunal “a quo” ao condenar a sociedade arguida pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, na forma continuada, nos termos dos arts.7.°/1 e 105.°/1, 4 e 7 do RGIT, na pena de 320 dias de multa à taxa diária de €8,00.

    1. - A douta sentença recorrida não padece de qualquer vício previsto no art.410.º/2 do C.P.P., nem incorre em erro de julgamento, tendo efetuado uma correta apreciação da prova produzida, na sua globalidade, tendo indagado todos os factos que revestiam interesse para decidir, num dos sentidos admitidos juridicamente como possíveis.

    2. - A sentença recorrida não viola o previsto no art.358.º do CPP porquanto os factos dados como provados nos pontos 7, 8 e 9 da matéria de facto resultaram da factualidade constante na acusação concatenada com defesa apresentada pelo arguido B…,(vide art.358.º/2 do CPP), pelo que não consubstanciam o aditamento do elemento subjetivo do tipo legal de crime nem viola o Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº1/2015 : in DR, I Série de 27-01-2015.

    3. - A sentença recorrida também não viola o previsto no art.105.º/4 al.b) do RGIT e não estando ferida da arguida irregularidade, porquanto a sociedade arguida foi regularmente notificada nas pessoas de F…,(vide fls.125 a 129, 262, 268, 269, 270), E…, (Vogal- fls.279 e 280, 283 a 286) e B…,(presidente do conselho de Administração- conforme resulta de fls.299 a 303), nos...

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