Acórdão nº 17803/15.4T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

A instaurou ação declarativa, com processo comum, contra B, representada pela Senhora Administradora de Insolvência, e C pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de 24.490.458,00 euros, correspondente ao capital em dívida, juros vencidos e demais encargos, acrescida dos juros entretanto vincendos, à taxa contratualmente prevista, bem como nas respetivas custas ou a indemnização de igual valor: a- a 1ª Ré pelo incumprimento do contrato de abertura de crédito celebrado com a Autora (art. 798º do Cód. Civil); b- o 2º Réu pelo incumprimento das obrigações contratuais que diretamente assumiu perante a Autora (art. 798º do Cód. Civil) ou pela violação dos seus direitos de crédito (art. 483º do Cód. Civil); c- o 2º Réu, subsidiariamente, para o caso de se considerar que não é responsável a outro título, condenado pelo enriquecimento sem causa, sendo o valor do enriquecimento e do empobrecimento correspetivo o valor do crédito da Autora (art. 473º do Cód. Civil).

Alegou, em síntese, que entre a Autora e a 1ª Ré foi celebrado, em 11/03/2008, o contrato de abertura de crédito junto aos autos a fls. 18 a 20, até ao montante de vinte milhões de euros, para financiamento de projetos constates de um contrato-programa celebrado com o 2º Réu, com juros à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 0.84%; Para garantia do reembolso do capital utilizado pela 1ª Ré, juros e demais encargos, esta consignou ao pagamento da dívida as receitas decorrentes de comparticipações, dotações e subsídios que lhe sejam destinados e verbas decorrentes de contratos-programa já celebrados ou a celebrar com o 2º Réu; De acordo com o previsto na cláusula 16ª daquele contrato, a D, enquanto órgão de gestão do 2º Réu, emitiu a carta conforto de fls. 21, em que declara que a “D tem conhecimento das condições contratuais do empréstimo acima referido, obrigando-se, nos termos do art. 31º da Lei n.º 53-F/2006, de 29/12, a transferir para E os montantes necessários ao equilíbrio dos resultados de exploração operacional que se revelem negativos, com vista a assegurar a capacidade de E para cumprir o serviço da dívida do empréstimo supra referido” e que “durante a vigência do empréstimo acima identificado continuará a deter 100% do capital de E”; O montante de capital inicialmente mutuado foi elevado para 20.828.422,90 euros, incluindo juros capitalizados relativos aos primeiros quatro trimestres do prazo e uma elevação de 250.000,00 euros, conforme adendas ao contrato de 24/05/2010 e de 11/03/2011, juntas aos autos a fls. 22 a 24; A segunda daquelas alterações ao contrato foi condicionada à apresentação pela 1ª Ré de uma procuração irrevogável de constituição de hipoteca dos imóveis adquiridos, na proporção da participação da Autora como entidade financiadora da aquisição; Essa procuração veio a ser formalizada em 24/10/2013 conforme documento de fls. 26 verso a 38; A hipoteca foi constituída por escritura de 17/03/014, incidindo sobre 68 imóveis, para garantia de responsabilidade da 1ª Ré até ao montante máximo de 25.465.0378,12 euros, sendo 20.828.422,90 euros de capital e o remanescente de juros e comissões, conforme documento de fls. 39 a 56, e encontra-se registada sobre os 68 prédios identificados no art. 8º da p.i.; A 1ª Ré utilizou a totalidade do capital limite da abertura de crédito e entrou em incumprimento em 10/06/2011, data do vencimento da prestação, não tendo sido paga até ao momento qualquer prestação de capital ou de juros; A conta de depósitos à ordem da 1ª Ré, com o n.º 0576.045775.530, aberta na agência de Paços de Ferreira, na qual foram autorizados movimentos a descoberto, apresenta um saldo negativo de 10.778,37 euros; Em 19/06/2015, a dívida total da 1ª Ré para com a Autora ascendia ao valor global de 24.490.458,00 euros; O 2º Réu não procedeu a qualquer transferência para a conta do empréstimo e não cumpriu com aquilo a que se obrigara nos contratos-programa e na carta conforto, não tendo transferido para a 1ª Ré os montantes necessários ao equilíbrio dos resultados de exploração operacional que se revelem negativos, com vista a assegurar a capacidade da 1ª Ré para cumprir o serviço da dívida do empréstimo; De acordo com o previsto na cláusula 20ª do contrato de abertura de crédito, a Autora pode resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pela 2ª Ré; Contrariando todas as expectativas da Autora, em face do diálogo mantido, a 1ª Ré apresentou um PER e não tendo o mesmo obtido o acordo dos credores, foi declarada insolvente; A 1ª Ré foi constituída sob proposta da Câmara Municipal e a Assembleia Municipal, por deliberação de 14/09/2007, tendo sido celebrados dois contratos-programa entre as Rés; A 1ª Ré foi constituída com o objetivo de desenvolver e administrar as Zonas de Acolhimento Empresarial do concelho de …, bem com desenvolver políticas de promoção e captação de investimento privado; O 1º contrato-programa definiu as transferências a efetuar pelo 2º Réu para desenvolvimento das obrigações assumidas pela 1ª Ré; O 2º contrato-programa teve por objetivo definir o processo de cooperação entre as duas entidades para a realização da “Implementação da Cidade Tecnológica de …”, tendo-se a 1ª Ré comprometido a desenvolver nos imóveis que constituíam a antiga esquadra 12, da cidade de …, um programa sustentado de investimento em reabilitação, construção de edifícios e infra-estruturas, instalando na Cidade Tecnológica determinadas entidades; Na sequência desses dois contratos programas, a 1ª Ré passou a ter sob a sua responsabilidade dois grandes projetos: a Cidade Empresarial e a Cidade Tecnológica; Por documento junto aos autos a fls. 175 verso a 176, o 2º Réu comunicou à Autora que recebera “solicitação irrevogável e incondicional” da 1ª Ré “para transferir para a conta de depósitos à ordem n.º 0576/045775/730, constituída em nome da empresa, na agência em …, adiante designada por conta, os montantes que venham a ser devidos por este Município à aludida Empresa, designadamente no âmbito do Contrato-programa celebrado entre ambos e relativo à aquisição de terrenos para a futura zona Empresarial do Concelho. Procedemos de acordo com a solicitação da Empresa, exceto se esta vier a ser alterada ou revogada por acordo expresso e por escrito entre a referida Empresa e a Caixa”, o que consubstancia uma consignação de receitas; Ao não ter procedido a qualquer transferência para a referida conta, ao contrário daquilo a que se obrigou, não obstante se ter constituído, em diversos contratos, como devedor da 1ª Ré, como, a título exemplificativo, resulta dos documentos de fls. 88 a 179 verso, a 2ª Ré incumpriu as instruções que recebera e a obrigação que assumira perante a Autora, bem sabendo que com tal conduta lesava os interesses desta, causando a esta os prejuízos que se traduzem na falta de reembolso do crédito mutuado, juros, imposto e comissões inerentes; O 2º Réu incumpriu as obrigações constantes da carta-conforto de transferir para a 1ª Ré os montantes necessários ao equilíbrio dos resultados de exploração dos exercícios; O 2º Réu incumpriu, ainda, a obrigação que resultava do art. 31º, n.º 2, da Lei n.º 53-F/2006; A Autora só concedeu os financiamentos em causa tendo em conta a assunção de tais obrigações pelo 2º Réu, atendendo, sobretudo, ao facto do suporte financeiro de toda a operação ser o 2º Réu; O risco financeiro da operação de financiamento foi calculado tendo em conta que o pagamento pela 1ª Ré estava assegurado através da celebração do contrato-programa com o 2º Réu, sendo o risco final da operação claramente assumido por este e este foi efetivamente o fator preponderante tido em conta na análise da operação e, bem assim na formação de vontade da Autora em contratar a operação de financiamento; Fosse qual fosse a atividade e a solvabilidade da 1ª Ré, à Autora foi garantido que se encontrava assegurada a cobertura dos compromissos assumidos perante si, através das transferências de verbas do 2º Réu para a 1ª Ré e desta para a Autora e foi nestes exatos pressupostos que o financiamento foi concedido e este compromisso foi igualmente assumido pelo 2º Réu na carta-conforto por si emitida; Foi como responsável pelo pagamento da dívida que o 2º Réu sempre se comportou perante a Autora, negociando a contratação do financiamento, a sua modificação e a regularização; Ainda que o subscritor das carta-conforto não fosse responsável pelo pagamento da dívida, sempre as declarações que dela constam constituem, no mínimo, uma promessa de facto de terceiro; O incumprimento ocorrido perante a Autora é devido a razões exclusivamente imputáveis aos Réus que não cuidaram de assegurar a realização dos negócios projetados, não encontraram alternativas viáveis, a 1ª Ré tinha meios para pagar a dívida pelos compromissos assumidos perante a Autora e, caso, não o tivesse, o 2º Réu teria que a dotar dos meios suficientes para o efeito; A invocação pelo 2º Réu da não obrigação de pagamento da dívida contraída diretamente pela 1ª Ré junto da Autora representa manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por violação da confiança criada na Autora, decorrente dos compromissos assumidos por aqueles, dos comportamentos anteriores e posteriores à contração da dívida; Ainda que o 2º Réu não viesse a ser condenado por qualquer das antecedentes razões, sempre ocorreria enriquecimento sem causa daquele em detrimento da Autora, uma vez que foi através desta que o mesmo obteve financiamento indispensável para o desenvolvimento de muitas das suas funções, ainda que por interposto da 1ª Ré; A aquisição de património imobiliário a que se destinou o financiamento, foi não só determinada e regulada pelo 2º Réu, que estabeleceu os termos e condições das transações, como nelas foi muitas vezes parte interessada, sendo...

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