Acórdão nº 3263/15.3T8OER.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 16.6.2015 C, Lda, intentou ação declarativa de condenação contra António e Maria.

A A. alegou, em síntese, ser dona e possuidora de um prédio rústico, que identificou, sito no concelho de Oeiras, o qual confronta com um prédio misto pertencente aos RR. Sucede que cerca de três meses atrás a A. teve conhecimento de que os RR. haviam aberto um portão sensivelmente a meio da cerca que separa os terrenos das partes. A A. lavrou o terreno, para obstar à passagem de veículos, mas os RR. aproveitaram para aplanar uma faixa de terreno com cerca de três metros de largura e fizeram uma estrada de acesso direto ao portão, atravessando a totalidade da propriedade da A., a meio, sem qualquer autorização ou título que o legitimasse. A A. teve custos a lavrar o terreno, a que acrescem, além do incómodo, o facto de os RR. deixarem com frequência na propriedade da A., junto ao portão, uma carrinha, perturbando a utilização de toda a área pertencente à A.. Os referidos custos ainda não estão quantificados e são passíveis de indemnização, a liquidar em execução de sentença.

A A.

terminou pedindo que se reconhecesse a A. como legítima dona e possuidora da propriedade plena do prédio identificado na p.i., se condenasse os RR. a retirarem o portão que implantaram na vedação do prédio, repondo o estado em que se encontrava; se condenasse os RR. a absterem-se de qualquer ato que perturbasse a propriedade da A. e se condenasse o R. a indemnizar a A. em quantia a liquidar em execução de sentença.

O R.

contestou a ação (tendo a R.

, posteriormente, ratificado o processado, constituído advogado e aderido à contestação), afirmando que o seu prédio é urbano e rústico, e o acesso à parte rústica só é possível através de um caminho, com três metros de largura, que atravessa o terreno da A., o qual é perfeitamente visível e sempre foi aproveitado pelo anterior proprietário para fazer chegar ao seu prédio veículos e alfaias agrícolas, sendo certo que os RR. continuaram a dar uso ao aludido caminho, de forma pública e convictos que tinham esse direito. Os RR. são, assim, titulares de uma servidão de passagem, constituída por usucapião.

O R.

concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido e peticionou, em reconvenção, que se declarasse constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, de veículo automóvel e de trator com três metros de largura, a favor do prédio dos reconvintes e que onera o prédio da reconvinda, em toda a extensão do referido prédio, devendo ainda a A. ser condenada a abster-se da prática de qualquer ato que impeça o acesso dos reconvintes à referida servidão.

A A. replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

A reconvenção foi admitida, foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, no reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, condenam-se os RR. a retirar o portão melhor identificado no ponto 12. dos factos provados, repondo a vedação de rede no estado em que se encontrava, bem como a absterem-se de qualquer acto que perturbe a posse e a propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado, mais se condenando o 1º R. no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de € 35,00 por hora.

Mais se julga a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a A. do pedido reconvencional.

Custas pelos RR.

Registe e notifique.

” Os RR.

apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: A: I.

– O tribunal “a quo” não procedeu a um exame crítico da prova; II.

– Através da Sentença proferida pelo tribunal “a quo” ficámos sem saber qual ou quais os factos que os depoimentos das testemunhas permitiram ao Tribunal dar como provados; III.

– Ficámos, igualmente, sem perceber qual ou quais as testemunhas que mereceram ao tribunal mais credibilidade e porquê? IV.

– Sendo certo que, existiram depoimentos, manifestamente contrários entre si, vejam-se a título de exemplo os depoimentos das testemunhas José e Carlos, a testemunha José disse que era regularmente contratado para semear e lavrar o terreno agora propriedade da Recorrida a testemunha Carlos refere que esse mesmo terreno não era semeado nem lavrado!!! V.

– Não referindo o Tribunal “a quo”, em concreto qual a prova que se serviu para dar como provados os factos que assim considerou, os Recorrentes encontram-se impossibilitados de confirmar ou infirmar a referida prova; VI.

– Como decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 9/14.7T3ILH.P1, proferido em 09/12/2015, disponível em www.dgsi.pt: I– A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos.

II– O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

III– A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.” VII.

– A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção.

VIII.

– Assim, entendem os Recorrentes que a Sentença proferida pelo tribunal “a quo”, encontra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação, a qual desde já se argui para os devidos e legais efeitos; B IX.

– O Tribunal “a quo”, mesmo que a acção da sociedade Recorrida tivesse provimento, que não tem, como á frente melhor analisaremos, nunca poderia ter condenado o Recorrente: “… no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.” Pelo simples facto de que tal pedido nunca foi feito; X.

– Em momento algum a recorrida peticiona a condenação do Recorrente “…no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.” XI.

– O pedido indicado na alínea d) da petição inicial da Recorrida é manifestamente ininteligível e por isso nulo; XII.

– A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” sempre seria nula na parte em que decidiu condenar o Recorrente “… no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.” Nulidade que, por mero dever de patrocínio, se invoca.

C XIII.

– O Tribunal “a quo” julgou erroneamente os seguintes factos dados como provados, 13, 14 e 15: 13.

- A A. lavrou o prédio rústico identificado em 1., como o vem fazendo pontualmente.

  1. - A A. gastou € 35,00 por hora com a lavra do prédio rústico identificado em 1.

  2. - Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.

    XIV.

    – Em relação ao ponto 13 aquilo que o Tribunal “a quo” poderia ter dado como provado seria: 13.- “Antes da instauração da acção que deu origem aos presentes autos a A. lavrou o prédio rústico identificado em 1” Em relação ao ponto 14 o mesmo deveria ser dado como não provado.

    Em relação ao ponto 15, aquilo que o Tribunal “a quo” poderia dar como provado era que: “Desde 1980, existe uma faixa de terreno no prédio da Recorrida, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.

    XV.

    – Contudo, as provas que impunham resposta diversa conjugadas entre si eram os seguintes depoimentos gravados através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal e cuja gravação foi facultada aos Recorrentes em CD único: JOSÉ , amigo do sócio gerente da Recorrida há cerca de 20 anos, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:26:09. – (Passagens 3:50 a 4:28; 22:00 a 22:50) CARLOS, antigo proprietário do prédio actualmente propriedade da Recorrida, cujo depoimento se encontra gravado com início 00:00:00 e termo a 00:17:22. – (Passagens 0:30 a 1:30; 3:50 a 4:40; 11:29 a 12:10; 16:45 a 17:05; 14:10 a 15:20) BALBINA, caseira do R., na casa da Estrada da Ribeira da Laje, desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:20:33 – (Passagens 1:42 a 3:40; 8:20 a 9:40) MANUEL, caseiro do R., na...

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