Acórdão nº 24815/15.6T8LSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.

Relatório: Neste processo foi declarado insolvente a 15/04/2016, por sentença transitada em julgado, a requerimento de terceiro, J.

A 02/05/2016, antes da realização da assembleia de credores, o insolvente requereu a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos arts 235 e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (= CIRE).

O pedido de exoneração foi admitido liminarmente, fixando-se para os efeitos previstos no art. 239/3-b/i, do CIRE, o equivalente ao salário mínimo nacional.

O insolvente vem recorrer deste despacho, para que – embora não coloque assim a questão - sejam considerados provados outros factos e eliminado um dos que foram dados como provados e alterado o despacho, de modo a que seja fixado como rendimento indisponível para efeitos de cessão o valor de 3 salários mínimos nacionais [portugueses], hodiernamente 1671€, ou o valor de 1 SMN alemão, de 1498€.

* Questões a decidir: se os factos devem ser alterados e se o rendimento indisponível deve ser fixado em 3 SMN portugueses ou, pelo menos, num SMN alemão.

* Os factos que interessam à decisão de tais questões, considerados como provados pelo despacho recorrido, foram os seguintes (a parte rasurada do ponto 1 e o ponto 4 resultam já do decidido abaixo): 1.

– O insolvente é divorciado e reside em casa de familiares (mãe e irmã) [no início do despacho recorrido o insolvente é dado como residente em actualmente em x, Berlim] 2.

– Tem dois filhos, ambos maiores, um dos quais ainda estudante; 3.

– Está a auferir do Estado Alemão (onde reside) um subsídio de desemprego no valor de 404€/mensais.

  1. – O insolvente nasceu a 15/07/1952.

    Contra estes factos o insolvente diz o seguinte (transcreve-se tudo o que de útil foi dito pelo insolvente no corpo das alegações, com algumas simplificações e evitando-se repetições): 1.

    – O tribunal não teve em conta as circunstâncias e factos constantes dos autos, nomeadamente nos requerimentos do insolvente de 02/05/2016 e de 16/06/2016 e no relatório do Administrador de Insolvência de 15/06/2016.

  2. – Decidiu que o montante necessário para assegurar o sustento de um insolvente com a idade de 65 anos e residente no estrangeiro, em Berlim, seria somente de 557€ (= SMN).

  3. – Isto é, o tribunal recorrido não atentou, com base em elementos constantes dos autos ou em factos notórios (cfr. art. 412 do Código de Processo Civil = CPC), que, atenta a idade do insolvente mas, sobretudo, o custo de vida na cidade e país onde este reside permanentemente, o valor consignado para o sustento minimamente digno é, flagrantemente, insuficiente.

  4. – A prestação social de desemprego no valor de 404€ visa somente custear as despesas básicas do insolvente como sejam a alimentação, electricidade, telefone, vestuário, calçado, despesas com medicamentos, em suma despesas essenciais a todo e qualquer ser humano.

  5. – O Estado Alemão (através do Jobcenter) paga ainda os encargos com a renda no valor de 491€ directamente ao senhorio, valor que não corresponde ao valor do mercado, sendo sim de 70% do valor normal de mercado atendendo à intervenção estatal.

  6. – O insolvente vive sozinho na morada indicada, conforme expôs no requerimento de 02/05/2016, não residindo portanto com a sua irmã nem contando, como tal, com a assistência diária desta.

  7. – O Jobcenter de Berlim procede também ao pagamento directo: a) do seguro de saúde obrigatório (Techniker-Krankenkasse [“O sistema de seguro de saúde na Alemanha: desde 01/01/2009 que toda a gente na Alemanha é obrigada a ter um seguro de saúde. Também quem estiver temporariamente neste país é obrigado a ter este seguro. Caso contrário, a emissão do visto será recusada.” in https://www.krankenkassenzentrale.de/wiki/incoming-pt), com um valor mínimo de 225€ mensais; b) da taxa de radiodifusão obrigatória no valor de 25€ e c) comparticipa ainda com 60% do valor do passe de transportes públicos em Berlim (cujo preço ascende a 65€ por mês).

  8. – A inscrição do insolvente enquanto desempregado no Jobcenter implica a isenção de pagamento de outros tantos impostos na Alemanha cuja carga fiscal não é despicienda atento o orçamento do insolvente.

  9. – O requerente sobrevive somente graças a estes auxílios que o Estado Alemão lhe confere, não tendo outras ajudas, de qualquer tipo, por parte de terceiros.

  10. – Esses apoios cessarão com a inserção do insolvente no mercado laboral e consequente auferimento de um salário mínimo que na Alemanha é in limine de 1498€ (cfr. SMN: valor médio mensalizado (euro) in PORDATA: https://www.pordata.pt/Europa/Sal%C3%A1rio+m%C3%ADnimo+nacional+valor+m%C3%A9dio+mensalizado+(Euro)-1640; e os dados do EUROSTAT: Monthly minimum wages disponível em http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=earn_mw_cur&lang=en).

  11. – Por aqui se vê que o valor assegurado nos termos e para os efeitos da subalínea I) da alínea b) do n.º 3 do art. 239 do CIRE não é compaginável com o valor mínimo para uma subsistência digna na cidade de Berlim ou em qualquer parte da Federação Alemã.

  12. – Se esse facto notório não fosse suficiente sempre se chegaria a idêntica conclusão atendendo aos referidos valores gastos pelo insolvente (o insolvente repete aqui os valores referidos acima), não contabilizando o valor a pagar a título de impostos relativamente aos quais o insolvente está actualmente isento.

  13. – Encargos essenciais a todo e qualquer cidadão que habite numa cidade como Berlim e num país como a Alemanha.

  14. – Acresce que tendo o insolvente completado em Junho 65 anos [que é a idade mínima para pedir reforma na Alemanha [cfr.http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=1111&langId=fr&intPageId=4554] viu-se obrigado - atento estar a auferir prestações sociais - a requerer a sua pensão, estando como tal previsto para Ja-neiro de 2018 o fim dos supracitados apoios dados pelo Jobcenter.

  15. – Despoletou assim o recorrente as devidas diligências junto da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social portuguesa para ser-lhe atribuída aquela prestação social, prosseguindo, à data, os procedimentos tendentes à aprovação e quantificação da pensão de velhice única.

  16. – Mesmo que insolvente pudesse estar no activo e encontrar um trabalho, aqueles apoios sempre cederiam quando auferisse o valor mínimo de 1360€ (160h x 8,5€/h) ou igual ao salário mínimo nacional germânico.

  17. – Não é previsível a breve/médio trecho o regresso a Portugal atento o episódio trágico da morte do seu filho que o compeliu à depressão, à insolvência e à emigração e sendo ponto assente a sua capacidade para o exercício pleno dos seus direitos enquanto cidadão da União Europeia a ali viver e trabalhar (cfr. artigos 9 a 12 do Tratado da União Europeia, 18 a 25 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 39 a 46 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).

  18. Em suma, a sua vida encontra-se fixada na Alemanha e em Berlim onde está totalmente integrado e, de resto, habita a sua irmã.

  19. – Pelo que o valor reservado para o sustento minimamente digno de um insolvente residente em Berlim, deve ter como bitola o valor do salário mínimo nacional naquele país, para assim garantir...

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