Acórdão nº 207/14.3TVLSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.

Relatório: A Herança de JMG (= autora) intentou em 05/02/2014, uma acção contra A e mulher B, pedindo a condenação dos réus a restituir à autora 199.519,16€, acrescido de juros vencidos a partir de 13/11/1998 e vincendos até integral pagamento, computando em 151.967,09€ os já vencidos, “que devem ser capitalizados a partir da citação.” Para tanto, alega, em síntese, que JMG emprestou dinheiro ao réu, ao longo dos anos; em Fevereiro de 1995 o réu devia-lhe 25.000 mais 15.000 contos, “quantia materializada em mútuos, sem dependência de prazo: dois cheques sobre o BCP, emitidos à ordem de JMG” naqueles valores; interpelou o réu para o pagamento, sem êxito; subsidiariamente, para a hipótese de os empréstimos serem considerados nulos, invoca a obrigação de restituição por força do art. 289 do CC; numa segunda parte dedicada aos factos (‘factos II’), artigos 22 e segs da petição inicial (= PI), a autora diz que, em 2013, o réu veio invocar uma dívida do JMG para consigo, no valor de 553.418,50€, dizendo ele que ou a herança lhe pagava a dívida ou não prestava depoimento num processo judicial que terceiro tinha intentado contra a herança; na parte da PI que subordina ao ‘direito’, diz, ipsis verbis, que “Quanto ao momento em que o réu foi primeiramente interpelado para efectuar o pagamento, aquando do envio da relação de bens para o processo de inventário (doc. 3).” e logo a seguir acrescenta: “Poderemos fixar como data da interpelação 13/11/1998 (doc. 5)”. O doc. 3 é um requerimento de inventário e o doc. 5 é composto de duas folhas iguais/repetidas, delas não constando nenhuma data; não há um único facto alegado na PI relativamente à ré.

O réu contestou a 06/11/2014, através de patrono nomeado; (i) excepcionando a prescrição, dizendo que os cheques datam de 1992, ou seja foram emitidos há cerca de 22 anos, e não tinham data, pelo que o direito respectivo podia ser exercido imediatamente à sua entrega; logo, já decorreu o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (arts. 306, 309, 303, 304, todos do Código Civil = CC); subsidiariamente alega a prescrição de todos os juros anteriores em 5 anos à notificação do réu (21/01/2014 – art. 301/d do CC); a prescrição importa, diz, a absolvição do pedido (art. 576/3 do Código de Processo Civil = CPC); e (ii) impugnando: aceita especificadamente o teor de 6 artigos iniciais da PI [que correspondem aos factos abaixo dados como provados nos pontos 1 a 6] e diz que tudo o mais [incluindo os empréstimos] vai especificadamente impugnado por não corresponder à verdade dos factos; e a seguir diz que prestou inúmeros serviços ao JMG ao longo de 8 anos e o JMG disse-lhe que os serviços lhe seriam pagos mais tarde, aceitando o réu tal promessa, nunca tendo sido feitas as contas entre ambos; quanto aos arts. 22 e segs da PI diz que são uma tentativa de falsear a realidade dos factos pela caracterização pouco abonatória do réu e entende que não são relevantes para o processo nem merecedoras de qualquer comentário; admite ter recebido os valores em causa, mas diz que a sua restituição nunca lhe foi exigida “pelo autor”, na medida em que bem sabia que se encontravam por pagar os serviços prestados e que parte do dinheiro seria usado pelo réu para pagamento das despesas “do autor”, tendo também pago várias destas despesas do seu [do réu] bolso; “a ser considerado empréstimo, como “o autor” defende, será sempre nulo por falta de forma (art. 1143 do CC); o réu não tem obrigação de restituição, na medida em que tem um contra-crédito contra o autor; e (iii) reconvenciona, se não for julgada procedente a prescrição, o pagamento dos serviços e despesas alegados, feitos de 1987 a 1995, no valor de 522.658,91€, subtraído dos 199.519,16€ pedidos pela autora.

A autora replicou, excepcionando a prescrição quanto ao crédito alegado pelo réu, pois os documentos juntos por ele datam de 1987 a 1993, sendo apenas um deles de 02/12/1994, quando a contestação só foi notificada a 13/11/2014, pelo que decorridos mais de 20 anos, quer relativamente ao capital, quer os juros; e a ilegitimidade passiva da herança quanto a alegadas dividas, pois as mesmas não dizem respeito ao JMG, mas sim a sociedades; e “impugna, para todos os legais efeitos, os factos alegados pelo réu para efeitos de reconvenção”; no art. 49 da réplica [à reconvenção], diz que “o réu não prova que o cheque [sic] seja de 1992 mas vem reclamar dívidas anteriores a essa data?!...”; conclui pela procedência das excepções e pela improcedência da reconvenção.

A convite do tribunal, o réu veio responder às excepções deduzidas pela autora, impugnando os factos por ela alegados como base das excepções.

Não houve audiência prévia (foi dispensada…) e no início da audiência final não houve resposta da autora à excepção de prescrição deduzida pelo réu, nem lhe foi dada a palavra para o efeito.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção improcedentes e absolvendo os réus e a autora dos pedidos ali deduzidos.

A autora vem recorrer desta sentença, com o fim de ser alterada a decisão da matéria de facto e, em consequência, a decisão sobre a matéria de direito, com a condenação dos réus no pedido; pelo meio invoca nulidades e quer que o tribunal se pronuncie sobre outras questões.

O réu contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, no essencial seguindo a decisão recorrida, quer na parte da fundamentação de facto quer na de direito.

A ré contra-alegou dizendo, no essencial, que o recurso da autora em momento algum coloca em crise a absolvição da ré.

* Questões que importa decidir: das eventuais nulidades e questões conexas; se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se o réu deve ser condenado no pedido de restituição da quantia em causa na PI. Apenas o réu porque, como diz a ré, a autora não recorreu da absolvição da ré, ou melhor, das conclusões do recurso (e mesmo do corpo das alegações) não consta uma única que ponha em causa a ausência de fundamentos para a condenação da ré. E dos factos provados não existe um único que remotamente diga respeito à ré e que permitisse a sua condenação.

* Das nulidades e questões conexas A autora argui a nulidade da sentença, por não ter sido elaborada em conformidade com o art. 607/4 do CPC, por não se ter pronunciado sobre se tinha havido ou não uma contradita, porque se tinha provado uma falsidade e nada tinha dito sobre esta, etc.… No fim das alegações, a autora diz que quer que “seja devidamente apreciado o incidente anómalo que tentou subverter totalmente a posição da autora nos autos provocada pelos depoimentos contraditórios da testemunha arrolada por aquela, Dr. C, tomando o tribunal ad quem uma posição definitiva quanto a ter havido ou não contradita […].” Ora, por um lado, nada disto é matéria de nulidades de sentença, previstas no art. 615 do CPC. Se a autora quer arguir uma nulidade da sentença, invoca uma daquelas que esteja prevista neste artigo, em vez de fazer acusações inconsequentes quanto à forma como a sentença foi elaborada. Por outro lado, os tribunais de recurso não se pronunciam sobre questões novas. Se não há uma decisão sobre a questão da contradita, a autora não pode recorrer dela. Poderia era, eventualmente, ter arguido a nulidade processual da omissão de tal decisão e depois impugnar a decisão que se pronunciasse sobre ela. E o mesmo vale para a questão da eventual falsidade. Por fim, contradições em depoimentos, falta de credibilidade dos mesmos, etc., é matéria de impugnação da decisão da matéria de facto e não de nulidades da sentença.

* Para a decisão das restantes questões importa ter em conta os seguintes factos dados como provados pela decisão recorrida: (os primeiros 10 pontos resultaram, diz-se, do acordo das partes; os três últimos resultaram da discussão da causa): 1.

– JMG faleceu em 16/01/1998, tendo deixado como herdeiros a sua viúva, MAG, e seus 3 filhos, D, E e F.

  1. – E é presentemente, a cabeça-de-casal (= c.c.) da herança de JMG e de sua mulher, entretanto falecida.

  2. – Heranças essas que se mantêm por partilhar, estando pendente inventário judicial que corre termos na 1ª vara, 2ª secção sob o nº 5453/09.9TVLSB (ex-1195/98, da 17ª vara, 1ª secção).

  3. – JMG foi, durante cerca de 6 décadas, um empresário de referência no sector imobiliário, entre outros, com a sua actividade sedeada no distrito de Lisboa.

  4. – O réu foi, durante os oito últimos anos da actividade empresarial de JMG, pessoa da sua confiança, a quem recorria para a prática de actos materiais nos negócios que concretizava com terceiros.

  5. – Em 1995, JMG sofreu dois AVC’s que o incapacitaram totalmente, para gerir a sua vida empresarial, ou mesmo a sua vida pessoal e veio a falecer sem nunca ter recuperado.

  6. – O réu recebeu de JMG valores que no total perfaziam o valor de 40.000.000$ (=> 199.519,16€).

  7. – O réu, em 1992, emitiu dois cheques do BCP, emitidos à ordem de JMG da conta DO nº 64938860, nos valores de 25.000.000$ e 15.000.000$, cheques nºs, respectivamente, 3354570164 e 3354570067, sem aposição de data nos mesmos [a rasura foi feita neste acórdão, por força do que se decidirá abaixo].

    8-A. Os cheques só foram entregues à actual c.c. em Outubro de 2006 [este ponto foi acrescentado face ao decidido mais abaixo].

  8. – A 20/01/2014, foi o réu interpelado pela autora para efectuar o pagamento do valor de 199.519,16€, em 8 dias.

  9. – O réu recebeu tal carta a 21/01/2014.

  10. – O réu em 01/05/2013, enviou à c.c., “mas também dirigida a G&F, SA” e FSMS, uma carta, a interpelar a herança, e empresas da família para que lhe fossem pagas supostas dívidas, no total de 553.418,50€.

  11. – JMG recorria ao réu para que este com ele colaborasse entre 1987 e 1995, nomeadamente em questões logísticas relacionadas com despejos levados a cabo em Cmt e num prédio do CG, pertencente à autora, nos quais se incluíam pagamentos devidos em tudo o que se prendia com a...

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