Acórdão nº 858/16.1PCLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal: *** I–Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, ...

, filho de José P...F... e de Júlia M...B..., natural de S. J. A. – L..., nascido a 15/12/1980, solteiro, residente na Est.M..., n.º... ..., A..., e ... B... Jau, filho de S...S...J... e de A...B..., natural da Guiné-Bissau, nascido a 22/09/1988, solteiro, residente na R. R. D. L., n.º..., 1.º...., P..., foram julgados e condenados nos seguintes termos: – O arguido Pedro, pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º/ a) e 21º, da Lei 15/93, de 22/01, com referência à tabela I – C, anexa ao referido diploma, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova; – O arguido ..., como reincidente, pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º/ a) e 21º, da Lei 15/93, de 22/01, com referência à tabela I – C, anexa ao referido diploma, conjugados com os artigos 75º e 76º, do Código Penal (CP), na pena de dois anos de prisão.

*** Ambos os arguidos recorreram.

O arguido ... concluiu as alegações nos termos que se transcrevem: «A–O Recorrente reconhece a prática dos factos que lhe são imputados, muito embora não prescinda da possibilidade de prova que requereu ao abrigo do direito de defesa.

B–Com efeito, após a comunicação da alteração não substancial dos factos, o Recorrente viu- lhe indeferido o requerimento enviado precisamente no âmbito da preparação da defesa que havia sido deferida, impossibilitando a inquirição das testemunhas arroladas (prova testemunhal) seriam testemunhas essenciais à boa decisão da causa, por conhecerem dos motivos subjacentes à actuação do Arguido, na factualidade introduzida pelo tribunal, o que configura a nulidade suscitada nos termos do disposto no art. 120º, nº 2, alínea d), do Código Processo Penal, porquanto foi dada a possibilidade de defesa e, quando esta foi oferecida, foi prontamente negada remetendo o despacho judicial então proferido a possibilidade de defesa apenas com a notificação da marcação de julgamento — facto que, como é patente, esvaziou, por completo, a faculdade de defesa que foi dada ao Arguido e por este exercida em tempo.

Assim, reconhecendo-se a nulidade de despacho proferido em primeira instância, deve possibilitar-se, tal como havia sido previamente deferido ser permitida a apresentação de defesa, que o Arguido apresente os seus meios de prova face à alteração comunicada no decurso do processo.

C –O despacho que nega a apensação com o proc. nº 41/17.9PCLSB, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 2, o qual respeitava à mesma matéria, tráfico de estupefacientes de menor gravidade - e se encontrava também na fase de julgamento, sendo que a apensação levaria a discussão de apenas um crime (continuado), o que seria bem mais favorável ao aqui Recorrente - é nulo por violação do disposto no art,. 119º, alínea e) do Código de Processo Penal.

D –O Arguido considera que o douto despacho que negou a apensação de processos, ao abrigo da competência por conexão, colocou em causa a sua liberdade de defesa, sendo que a interpretação tácita dada às disposições legais que levaram ao indeferimento é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto do art. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade cujo conhecimento se requer.

E–Após ser notificado, por despacho, de alteração não substancial dos factos constantes da acusação, o Arguido requereu a seu tempo a preparação da defesa, o que lhe foi deferido. No entanto, quando quis concretizar o exercício da defesa deferida, tal pretensão foi-lhe negada, vendo-se o Arguido que então indicou testemunhas cujo depoimento seria essencial para a descoberta da verdade material, impossibilitado de produzir essa prova, sendo certo, ao contrário do que é afirmado no despacho de indeferimento, a prova respeitava apenas aos factos resultantes da alteração não substancial e não a toda a matéria da acusação. A interpretação tácita dada ao direito de defesa estatuído no art. 358º do Código Processo Penal é manifestamente inconstitucional, por violação nomeadamente do art. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

F– Nos termos do disposto no art. 71º do Código Penal, a pena aplicada é desproporcionada face às condições do agente, à gravidade diminuta do ilícito e da actuação do Recorrente, o modo de execução e às exigências diminutas de prevenção da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, pelo que a mesma deverá ser reduzida, sem prejuízo da desconsideração da reincidência.

G –De igual modo, não houve cumprimento rigoroso do disposto no art. 40º do Código Penal porque a pena em nada contribui, antes pelo contrário e pelo deficiente acompanhamento do Recorrente pelos organismos públicos, como visto, para a ressocialização urgente do mesmo, pessoa de idade ainda jovem e que, por este andar (sem poder trabalhar, sem qualquer acompanhamento e com sentenças duras perante casos simples), corre o sério risco de permanecer anos a fio na prisão, logo agora que tinha conseguido encontrar trabalho ainda que “ilegal" por não lhe ter sido atribuída autorização de residência pelo SEF.

H–O Arguido não deverá ser considerado como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal Relativamente aos pressupostos formais da reincidência, considerou o douto Tribunal a quo que os mesmos se encontram totalmente preenchidos, algo que merece reparo em relação ao requisito material da reincidência.

I –Para a verificação deste requisito material, tal como estatuído no artigo 75º, nº 1 do Código Penal, deve a conduta do agente, de acordo com as circunstâncias do caso, ser particularmente censurável, na medida em que as condenações de que foi anteriormente alvo não lhe tenham servido como suficiente advertência contra o crime.

Não se assume com critério fundamental, no que à verificação deste pressuposto material diz respeito, a natureza dos diversos crimes praticados pelo agente, tanto mais que é possível, com maior ou menor dificuldade, fazer a ponderação de tal verificação, quer estejam em causa crimes de natureza igual ou diferente.

J–No presente caso, o Recorrente, que anteriormente fora condenado pela prática de diversos crimes, na sua maioria de roubo, foi agora condenado por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, estando assim em causa crimes de diferente natureza, conforme se afere, desde logo, pelos bens jurídicos em causa (respectivamente, património e integridade física).

Muito estranha, portanto, o Recorrente, que perante uma situação em que esta íntima conexão entre os diversos crimes praticados se torna consideravelmente mais difícil de demonstrar, o douto Tribunal a quo se baste com o período decorrido (cerca de nove meses) entre o momento em que o Recorrente é colocado em liberdade condicional e aquele em que pratica os factos em apreço! L–Recaía sobre o douto Tribunal a quo uma particular responsabilidade de exigência e rigor na aferição de factos que pudessem indiciar uma conexão entre os crimes pelos quais o Recorrente foi condenado, responsabiíidades essas que o Tribunal a quo não respeitou devidamente, sendo relevante a consideração de que o Recorrente tem vivido uma situação socioeconómica bastante complicada desde que abandonou o estabelecimento prisional onde se encontrava a cumprir pena, como visto supra.

M –O crime em causa é completamente diferente daqueles petos quais havia já sido anteriormente condenado, em virtude do bem jurídico, das motivações e do método utilizado.

Assim, no âmbito da distinção entre o reincidente e o mero delinquente multiocasional, considera o Recorrente que se enquadra no segundo caso, algo que o momento em que o seu crime foi cometido não é o suficiente para desmentir.

De resto, de toda a factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a sua recidiva se explica por o Recorrente não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de factores exógenos, como por exemplo a sua degradação económica.

Não existem factos dados como provados, designadamente a nível da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do Recorrente, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão até 11/01/2016, e o crime de tráfico de estupefacientes aqui em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do Recorrente, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efectiva não serviu de suficiente advertência contra os mesmos, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas.

N–Tudo isto, à luz de uma interpretação do artigo 75º, nº 1 do Código Penal que se coaduna, não apenas com a orientação predominante da nossa doutrina e jurisprudência, mas também com a sensibilidade da matéria em questão, e a exigência e rigor que devem ser empregues na aferição da existência, ou não, de uma íntima conexão entre os vários crimes pelos quais o agente é condenado, para efeitos de aplicação da figura da reincidência.

O–Por outro lado, uma interpretação deste mesmo preceito segundo a qual a demonstração da existência de tal conexão se baste com uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada...

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