Acórdão nº 4318/15.0T8LRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.–MD, Lda, em Liquidação, pessoa colectiva n.º 502038535, intentou, em 31/03/2015, processo comum de declaração contra AD contribuinte fiscal n.º 110956427 e M- Sociedade Unipessoal, lda pessoa colectiva n.º 509337430, peticionando a condenação solidária dos Réus a pagar à Autora: a)- a quantia €16.560,00, a título de indemnização por quebra de contrato da DHL; b)- quantia nunca inferior a €54.000,00, correspondente a lucros cessantes e danos emergentes; c)- a quantia de € 25.000,00, a título indemnizatório pelo aliciamento de pessoal especializado desta.

Alegou, em substância, como fundamento da sua pretensão, que o 1º Réu, enquanto gerente da Autora, violou, de forma culposa e ilícita, os deveres de gerente da sociedade, pois constituiu a sociedade Ré com o mesmo objecto social, aliciou e desviou clientela da Autora e passou a exercer, através dessa nova sociedade, actividade concorrente com a sua, aproveitando-se das informações e relações estabelecidas pela Autora e levando consigo alguns funcionários desta sociedade que assim deixou de ter qualquer actividade, tendo sido aprovada a sua dissolução e a designação dos sócios como liquidatários AD JÁ e VD.

Os Réus, regularmente citados para a acção, apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, invocaram a irregularidade do mandato, a incompetência material do Tribunal onde foi apresentada a acção, a falta de deliberação da assembleia dos sócios para demanda do gerente por concorrência desleal, bem como a prescrição do direito de demandar o gerente ao abrigo do disposto no artigo 254.º, do Código das Sociedades Comerciais, e a prescrição do direito de indemnização, caso se entenda haver responsabilidade por factos ilícitos, nos termos dos artigos 483.º, 487.º, n.º 2 e 497.º, do Código Civil. Quanto à 2ª Ré, invocaram a ineptidão da petição inicial, por falta de indicação de causa de pedir. Em sede de defesa por impugnação, os Réus impugnaram a matéria de facto alegada pela Autora.

Concluíram pela procedência das excepções invocadas, com as consequências legais ou, casa assim não se entenda, pela improcedência da acção e consequente absolvição os Réus do pedido.

Notificada a Autora para se pronunciar quanto às alegadas excepções, nomeadamente de incompetência material do tribunal, apresentou requerimento de resposta, no qual defende quanto à irregularidade do mandato que sendo uma acção para apurar responsabilidade de gerentes qualquer sócio pode demandar o gerente. Argumenta, ainda, que à data da entrada da presente acção não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito.

  1. –Por despacho proferido a 24/10/2016, a Instância Central Secção Cível – J2, da Comarca de Lisboa Norte, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para a presente acção.

  2. –Posteriormente, foram os presentes autos distribuídos pela Instância Central Secção Comércio, da Comarca de Lisboa Norte, 4.–Na sequência de convite que lhe foi feito pelo Tribunal a quo, a Autora juntou o respectivo pacto social, certidão de matrícula actualizada da Autora e a acta da deliberação da sociedade, datada de 14/05/2010, nos termos da qual foi aprovada, por unanimidade, a dissolução da sociedade.

  3. –Foram, então, as partes notificadas para se pronunciarem, nos termos do despacho de 31/03/2017 (ref.ª Citius 132955406), quanto à verificação de excepção dilatória, atenta a falta de deliberação de sócios a autorizar a interposição da acção.

  4. –A Autora veio pugnar pela sua legitimidade, porquanto a sociedade se encontra representada em juízo por um dos seus sócios, a demandar um sócio e gerente pelo exercício de concorrência desleal, ao abrigo do artigo 254.º, do Código das Sociedades Comerciais.

  5. –Os Réus defendem que é manifesta a excepção dilatória e que a Autora não se mostra representada em juízo.

  6. –Com data de 05/06/2017, foi proferida decisão (ref.ª Citius 1336637819) que conheceu do mérito da acção e absolveu os Réus do pedido.

  7. –Inconformada com tal decisão, a Autora recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou, em síntese, as seguintes conclusões: «A- O Recorrido AD ainda como sócio gerente da Recorrente constitui nova sociedade com o mesmo objecto social para prossecução do mesmo fim.

    B- Em 15 de Fevereiro de 2010, o Recorrido AD remeteu carta de renúncia de gerência à ora Recorrente, sendo que a referida renúncia produziria efeitos unicamente a 15 de Abril de 2010, conforme documento 5 que se encontra junto aos autos.

    C- A 23 de Março de 2010, o Recorrido procede ao registo da renúncia antes do prazo que ele próprio determinara.

    D- Na mesma data, a 23 de Março de 2010, o Recorrido AD procede à constituição da sociedade ora Recorrida.

    E- A 29 de Abril de 2010, o Recorrido AD remeteu e-mail aos clientes da Recorrente, informando-os de que a empresa iria mudar de instalações, com o intuito de os convencer de que se tratava da mesma entidade.

    F- A 10 de Maio de 2010 os funcionários da Recorrente foram impedidos de entrar nas instalações da DHL por indicação do Recorrido AD que entretanto assumira o cliente com a sua nova sociedade.

    G-O contrato de sociedade da Recorrente impedia expressamente no seu artigo sétimo, os seus sócios de exercerem a actividade de Despachante Oficial em sociedade concorrente.

    H- Em 30 de Março de 2015, data de entrada da presente acção, a Recorrente ainda se encontrava em Liquidação, exercendo todos os sócios a gerência da mesma por força da lei.

    I- Pelo menos no período compreendido entre 15 de Fevereiro de 2010 e 10 de Maio de 2010, o Recorrido AD praticou actos de concorrência desleal para com a Recorrente, contactando os clientes da mesma no intuito de os desviar para a nova sociedade por si constituída e Recorrida nos presentes autos.

    J- Nos termos do disposto no art.174º do C.S.C o prazo de prescrição para que a sociedade possa agir contra o gerente é de cinco anos e conta-se a partir do termo da conduta dolosa.

    K- Salvo melhor opinião, a conduta dolosa do gerente AD prolongou-se no tempo, uma vez que à data de entrada da presente acção a Recorrente ainda se encontrava em liquidação.

    L- Mas ainda que assim se não entenda, pelo menos até 10 de Maio de 2010 o Recorrido praticou actos que consubstanciaram claramente a violação do dever de não concorrência, contactando para o efeito os clientes da Recorrente e desviando-as para a nova sociedade por si constituída.

    M- JM sócio minoritária da ora Recorrente mandatou advogado para intentar a presente acção.

    N- Salvo melhor opinião, não está impedido de o fazer, desde logo porque é lícito que pretenda salvaguardar os interesse da sociedade que consubstancia, em última instância os seus próprios interesse.

    O- Fez assim uso da denominada acção “ut singuli”, no intuito de obter a reparação dos danos causados à sociedade.

    Nestes termos e nos melhores de Direito deve a douta sentença em crise ser revogada e ser declarada procedente o peticionado na Petição Inicial, condenando-se as Recorridas nos seus preciso termos assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

  8. –Não foram apresentadas contra-alegações.

  9. –Foram colhidos os vistos legais.

    II.–DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: Nos termos do disposto nos artigos 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

    Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso, na medida em que o juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3, do CPC)[1].

    Destarte, as questões a decidir são as seguintes: 1ª- Se era necessária uma deliberação dos sócios da Autora para que esta pudesse demandar o 1º Réu, na qualidade de gerente e, nesse caso, qual a consequência da falta dessa deliberação; 2ª- Se está ou não prescrito o direito da sociedade Autora/Recorrente demandar o se sócio e gerente (1º Réu) e a sociedade Ré (2ª Ré) e de exigir-lhe uma indemnização, com fundamento em exercício, por conta própria ou alheia, de actividade concorrente com a daquela sociedade.

    III.–FUNDAMENTAÇÃO: A)–Motivação de Facto: Factos dados como provados, com relevância para a decisão da causa: «1.- A sociedade aqui Autora MD, Lda, em Liquidação, pessoa colectiva n.º 502038535, com sede na Praceta ST.2685-370 Prior Velho, tem o capital social de € 24 939,90.

  10. - São sócios AD JÁ e VD, com quotas de € 12 095,85 o primeiro e terceiro e € 748,20 o segundo.

  11. - A sociedade tem como objecto social actividade permitida aos despachantes oficiais.

  12. - A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente. Aquando da constituição foram nomeados gerentes os sócios ADe VD.

  13. - O gerente VD renunciou à gerência a 21.12.2007 – ap. 121/20080131.

  14. - O gerente AD renunciou à gerência a 15.02.2010 – ap. 118/20100323.

  15. - A deliberação de 2010-05-14 de dissolução e designação de liquidatário foi registada pela ap. 151/20100518, constando como liquidatários todos os sócios.

  16. - A procuração junta a...

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