Acórdão nº 4264/15.7T8FNC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: S. Lda instaurou acção declarativa contra FS e MM pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 91.071,11 € acrescida de IVA à taxa legal e de juros de mora sobre aquele capital à taxa legal para juros comerciais contados desde 08/02/2013 até integral pagamento.

Alegou, em síntese: - no âmbito de contrato de empreitada, construiu para os réus uma moradia que ficou concluída no dia 08/02/2013, data em que os réus a receberam provisoriamente; - o custo final foi de 397.582,57 €; - os réus concordaram com o apuramento do custo final; - do preço total devido falta pagar a quantia de 91.071,18 € acrescida de IVA.

* Os réus contestaram, alegando, em resumo: - efectivamente, o preço acordado no contrato e alterações foi de 397.582 €; - mas a autora não concluiu a obra nem os réus a aceitaram, tendo sempre reclamado as evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado auto de recepção provisória; - a autora não lhes entregou as chaves da moradia; - nem acertou contas com os réus sobre valores que pagaram e que eram da responsabilidade dela; - assiste-lhes o direito de recusar o pagamento porque a prestação da autora não está cumprida e porque há contas a acertar.

Concluíram pugnando pela improcedência da acção e para que se declare que a autora se encontra devedora da prestação inerente ao contrato de empreitada.

* A autora respondeu, concluindo pela improcedência da excepção de pagamento do preço e de incumprimento do contrato.

Posteriormente requereu alteração do pedido e da causa de pedir, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 133.649,82 € acrescida de IVA no montante de 29.402,96 €, acrescida de juros de mora comerciais vencidos e vincendos.

* Foi admitida a ampliação do pedido e depois da realizada a audiência final foi proferida sentença que condenou os réus a pagarem à autora a quantia de 91.071,18 € acrescida de IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento e juros de mora à taxa legal para juros comerciais sobre o capital contados desde 08/02/2013 até integral pagamento.

* Inconformados, apelaram os réus, terminando a alegação com as seguintes conclusões: I– A obra entregue no dia 8 de Fevereiro de 2013, conforme resulta, desde logo, do teor dos relatórios periciais e natureza dos vícios aí relatados.

II– A maioria e quantidade dos vícios reportados nos relatórios periciais não são patologias que se verifiquem e evoluam em função do decurso do tempo, constituindo, outrossim, trabalhos por concluir.

III– O facto de se assinar um auto sob a epígrafe “auto de recepção provisória” apenas serviu para induzir em erro os Réus e salvaguardar a posição do empreiteiro, que sem concluir a obra utiliza tal expediente para, segundo ele, iniciar o prazo de decurso da garantia da obra.

IV– Esse auto de recepção provisória não foi elaborado e assinado na obra, nem foi acompanhado de qualquer auto de vistoria.

V– Não foi efectuada qualquer vistoria à obra nem elaborado o competente auto onde se discriminassem as patologias então existentes e se concluísse, ou não, pela confirmação da recepção da obra e assinatura, ou não, auto de recepção provisória.

VI– Uma obra acabada “há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efectuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada”, conforme conceito doutamente preconizado no sumário do douto acórdão de 17-12-2014 proferido no âmbito dos autos de apelação que correram seus termos junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra sob o n.º 157/12.8TBALD.C1, publicado no portal http://www.dgsi.pt/jtrc.

VII– A obra não estava acabada no dia 8 de Fevereiro de 2013.

VIII– A Autora durante o decurso da obra, e à medida que instalou as respectivas portas e antes do dia 8 de Fevereiro de 2013, entregou aos Réus uma cópia de cada uma das respectivas chaves, retendo as restantes duas ou quatro cópias de cada chave, mantendo o acesso à obra.

IX– No dia 8 de Fevereiro de 2013 ou em qualquer outra data posterior, não foram entregues quaisquer chaves da obra aos Réus.

X– A retenção da maioria das cópias das chaves e a manutenção do acesso à obra por parte da autora, igualmente não é compaginável com uma entrega válida desta.

XI– No auto de recepção provisória não é referida qualquer entrega de chaves.

XII– O Tribunal deveria ter levado à matéria dada como provada, que as chaves não foram entregues e, sempre sem conceder, pelo menos que apenas foi entregue uma cópia de cada porta e as restantes (cópias de cada porta, três ou cinco) foram retidas pela autora.

XIII– O contrato em apreço nos presentes autos configura um contrato de empreitada de consumo sujeito ao regime imperativo do Dec. Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril.

XIV– As partes acordaram submeter igualmente o presente contrato ao regime previsto no Dec. Lei 59/99 de 2 de Março.

XV– Nesses termos sem realização de auto de vistoria não poderia ser lavrado auto de recepção provisória.

XVI– A aceitação, ao abrigo da cláusula oitava do contrato, da validade do auto de recepção provisória sem estar acompanhado do auto de vistoria, e apenas assinado pelo Réu Marido, fará emergir a nulidade da aludida cláusula, nos termos do n.º 2 do art.º 10.º do Dec. Lei 67/2003 de 8 de Abril.

XVII– O Tribunal deveria ter dado como não provado que “a construção da moradia ficou concluída no dia 8 de Fevereiro de 2013, data em que os réus receberam provisoriamente a mesma, conforme resulta de declaração assinada pelos réus cuja cópia se mostra junta a fls. 26.”, desde logo porque não está assinado pela Ré cônjuge mulher.

XVIII– O Tribunal deveria ter dado como provado que “autora não concluiu a obra, não a entregando e os réus não a aceitaram, reclamando sempre reparação das evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva que não foi assinado pela Ré mulher”.

XIX– O Tribunal deveria ter dado como provado que “A Autora não entregou as chaves do imóvel aos réus”.

XX– Ao decidir como decidiu, em sentido diverso do acima exposto, a sentença recorrida violou o disposto nos art.º s. 5.º n.º 2 al. a), 410.º e 607 n.º 3, 4 e 5 todos do CPC, art.º s. 405.º e 1211.º do Código Civil, n.º 1 do art.º 3.º e n.º 2 do art.º 10.º ambos do Dec. Lei 63/2007.

Termos em que, requerendo-se respeitosamente a V.ª s. Ex.ª s a reapreciação da prova gravada nos termos das disposições conjugadas da al. a) do n.º 7 do art.º 638.º e al. a) do n.º 2 do art.º 640.º, ambos do CPC, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, alterar-se os factos dados como provados no sentido de dar-se por não provado o facto constante do ponto 2.1.15 dos factos provados nos termos supra expostos e bem assim considerar-se como provados, com as correcções, explicações e aditamentos supra sugeridos, os factos descritos nos pontos 2.2.1 e 2.2.2, dos factos não provados e, nessa conformidade revogar-se a douta sentença sob recurso, o que se requer nos termos das disposições conjugadas dos art.º s. 5.º n.º 2 al. a), 410.º e 607 n.º 3, 4 e 5 todos do CPC, art.º s. 405.º e 1211.º do Código Civil, n.º 1 do art.º 3.º e n.º 2 do art.º 10.º ambos do Dec. Lei 63/2007, absolvendo-se os Réus do pedido declarando-se não cumprido o contrato pela Autora e legítima a recusa de pagamento do remanescente do preço a pagar pela obra.

* A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

* Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II– Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas: - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto - se a cláusula 8ª do contrato de empreitada é nula porque não podia ser lavrado de recepção provisória da obra sem realização de vistoria - se assiste aos apelantes o direito de recusar o pagamento do remanescente do preço por não estar cumprido o contrato * III– Fundamentação.

A)– Na sentença recorrida vem dado como provado: 1– A autora tem por actividade a construção de edifícios e moradias em regime de empreitada, constituindo o seu objecto o exercício da construção civil.

2– A pedido e no interesse dos réus a autora elaborou um estudo para definição do custo de construção, com fornecimento de materiais, de uma moradia unifamiliar destinada a habitação a construir no prédio urbano, terreno destinado a construção, localizado ao sítio do Lombo de Cima, Faial e propriedade dos réus.

3– Na sequência das negociações ocorridas entre autora e réus foram finalmente estabelecidos os trabalhos; fornecimentos e preço e condições de pagamento da empreitada/fornecimento de materiais, tudo conforme enunciado no contrato de empreitada, de 24.02.2012, conforme cópia junta aos autos a fls. 10 e 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4– De acordo com a cláusula sétima daquele contrato: “o prazo de garantia dos trabalhos efectuados no âmbito da empreitada é de 5 anos”.

5– De acordo com a cláusula nona daquele contrato: “concluídos os trabalhos e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado, haverá lugar a Auto de Recepção Provisória da obra”.

6– De acordo com a cláusula décima do contrato acima referido em 3 “após cinco anos contados da data da recepção provisória dos trabalhos a que se reportam a presente empreitada e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado será elaborado o Auto de Recepção Definitiva dos trabalhos”.

7– Os trabalhos e fornecimentos adjudicados à autora encontram-se identificados, na sua quantidade e custo, na lista de preços unitários anexo e parte integrante do contrato de empreitada e que foi rubricada por ambas as partes contraentes, autora e réus, conforme cópia junta aos autos a fls. 12 a 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

8– O preço total dos trabalhos e...

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