Acórdão nº 4136/17.0T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: O autor JM intentou acção contra os réus: 1.- Banco, SA 2.- Banco de Portugal; 3.- Banco X, SA; 4.- Fundo de Resolução; 5.- CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e 6.- Banco X, SA, a sua gestora de conta, Pede que a acção seja julgada totalmente procedente por provada que ficou: a)– A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM, devendo em consequência os RR serem solidariamente condenados a pagar à A, a quantia de € 302.726,78 acrescida de: i)- Juros vencidos calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A., e a apurar em sede de liquidação de sentença; ii)- Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória; Caso assim não se entenda: b)– A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR solidariamente condenados a restituir à A. a quantia de € 302.726,78 acrescida de: i)- Juros vencidos calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A., e a apurar em sede de liquidação de sentença; ii)- Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória; Em qualquer dos casos: c)– Mais se requer, que sejam os RR condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

Em síntese, alegou, e no que aqui releva, que a ré LM, funcionária do BANCO, SA, foi quem sempre aconselhou o autor a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o BANCO, SA lançava em carteira, sempre garantindo que todos aqueles produtos financeiros eram produtos garantidos pelo banco. Foi assim que, no âmbito das suas funções e, sob a subordinação do BANCO, SA, que a ré LM no seio daquele departamento de private bank do banco aplicou o dinheiro do autor depositado no BANCO, SA, na compra de produtos que constam actualmente da sua “Carteira de Títulos Custódia”, no montante total de € 302.726,78. Com aquele comportamento, o BANCO, SA e aquela sua funcionária usaram do dinheiro do autor à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco e privando o autor da disponibilidade dos seus fundos monetários.

Por força da medida de resolução adoptada pelo BdP, a relação jurídica entre o autor e o BANCO, SA foi transferida a benefício do X, que é controlado pelo réu Fundo de Resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças. O único accionista do NB é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa cessão de créditos.

O BANCO, SA, por si ou por via da ré LM, não celebrou qualquer contrato escrito de intermediação financeira com o autor, sendo este um investidor não qualificado, em relação ao qual não foram tomadas todas as diligências de informação e esclarecimento.

Banco, SA - em Liquidação, contestou, pedindo que seja julgada a excepção de impossibilidade originária da lide, absolvendo-se o réu da instância ou, quando assim se não entenda, julgar improcedente a acção e absolver o réu do pedido.

Alegou que, por deliberação de 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO, SA. Nos termos do artigo 8º nº 2 do DL nº 199/2006, de 25 de Outubro, na redacção do DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, a decisão de revogação da autorização produz efeitos da declaração de insolvência. Na sequência dessa revogação o Banco de Portugal veio requerer a liquidação judicial do BANCO, SA. Em 21.07.2016 foi proferido despacho de prosseguimento e fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.

A presente acção foi instaurada em 15 de Fevereiro de 2017, muito após o trânsito em julgado da deliberação do BCE, o que constitui uma impossibilidade originária da lide, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que importa a absolvição da instância.

O Fundo de Resolução contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, pugnando pela sua absolvição da instância.

Em síntese, alegou por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução os regimes adjectivos do contencioso administrativo, mormente, quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas substantivas de direito administrativo, exorbitantes das de direito privado – insusceptíveis, portanto, de aplicação às relações entre simples particulares.

Foi nesses regimes e ambientes jurídico-públicos que o Fundo de Resolução nasceu e age no âmbito dos procedimentos e das relações jurídicas da resolução bancária, nomeadamente no âmbito das relações com os bancos de transição.

Não é claro se a responsabilidade que o autor pretende efectivar tem natureza contratual ou é uma responsabilidade extracontratual.

Sendo a responsabilidade civil de natureza extracontratual, rege a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, na redacção em vigor à data da propositura da presente acção, a do DL nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, ou seja, são os tribunais administrativos exclusivamente competentes para a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público.

Tendo em conta a configuração dada pelo autor à presente acção, o Fundo de Resolução – que é uma pessoa colectiva de direito público, tal como expressamente o qualifica o art. 153º-B/1 do RGICSF – bem como o Banco de Portugal, surge na presente acção ligado aos restantes réus por um vínculo de solidariedade. Assim sendo, impunha-se que o autor, se pretendia demandar o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal (solidariamente) com os demais réus, tivesse accionado não os tribunais cíveis, mas os tribunais administrativos, que, nos termos da citada disposição do art. 4º/2 do ETAF, são os juízos materialmente competentes para conhecer dos litígios que envolvam (solidariamente) entidades públicas e entidades privadas.

Vindo o Fundo de Resolução aqui demandado como titular do capital social do X, a presente acção há-de entender-se como sendo sempre da competência exclusiva dos tribunais administrativos, aos quais cabe conhecer, como se sabe, das relações jurídico-administrativas.

O Tribunal da Comarca de Lisboa não é um tribunal pertencente à jurisdição administrativa, mas à ordem dos tribunais judiciais. Ora, por força do disposto na alínea a) do art. 96º do CPC, “a infracção das regras de competência em razão da matéria [...] determina a incompetência absoluta do tribunal”, excepção dilatória que determina a absolvição do Fundo de Resolução da presente da instância, como se requer [artigos 576º/2 e 577º, alínea a), do CPC] – independentemente de estarmos aqui, no que ao Fundo respeita, perante uma responsabilidade contratual ou extracontratual.

O Banco de Portugal contestou, com os mesmos argumentos do Fundo de Resolução, pedindo a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria e, em consequência, ser o Banco de Portugal absolvido da instância; e se não se der provimento às excepções invocadas, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, absolver-se o réu do pedido.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) contestou, pedindo: a)– que seja julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em razão da matéria e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 64º, 96º, alínea a), e 99º, nº 1, 576º, nºos 1 e 2, e 577º, alínea a), todos do CPC; Caso assim não se entenda, b)– Julgar procedente a excepção dilatória de inadmissibilidade processual i) do litisconsórcio e da ii) coligação e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 32º, 36º, 37º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea f), e 578º todos do CPC.

Caso assim não se entenda, c)– Julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da CMVM e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 30º, 576º, nº 1 e 2, e 577º, alínea e), todos do CPC.

Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se equaciona d)– Julgar a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo a CMVM de todos os pedidos formulados pelo autor, desde logo em sede de saneador-sentença, em conformidade com o disposto no artigo 595º, nº 1, alª b), do CPC.

Os réus Banco X, SA e LM Pires contestaram invocando a sua ilegitimidade passiva.

Em síntese, alegaram que, por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 foi aplicada uma medida de resolução ao Banco, SA (“BANCO, SA”) a qual por lei é da competência do Banco de Portugal que, como instituição de supervisão, ao abrigo dos poderes discricionários que lhe são legalmente conferidos determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do BANCO, SA para o X.

O X é parte ilegítima, na medida em que a responsabilidade perante o autor, a existir, não foi transferida para o X, tendo permanecido na esfera jurídica do BANCO, SA. Também a ré LM é parte ilegítima, na medida em que é demandada na qualidade de ex-funcionária do BANCO, SA, pois sempre agiu no âmbito daquelas funções.

Por impugnação alegou que o autor investiu diversas vezes em instrumentos financeiros muito variados. O autor sempre demonstrou apetência para investimentos com risco associado, sendo que em 2012 investiu em...

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