Acórdão nº 951/15.8T8FNC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA DE DEUS CORREIA |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO: AP, residente no Caminho do Areeiro de Baixo n.º 30, São Martinho, 9000-243 São Martinho, instaurou o presente processo comum de declaração contra: AE, SA doravante AE, SA, pessoa colectiva n.º 511 023 235, com sede no RS, Funchal Alega, em suma, que é accionista e vogal do conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA; sendo ambas accionistas da sociedade R. AE, SA. A Autora detém duas acções, com o valor nominal de 10,00€, correspondendo a 0,0010% do seu capital social. A sociedade A. SGPS, SA detentora de 153143 acções, com o valor nominal de 594.280,00€, correspondendo a 59,4280%. São ainda acciconistas AT, detentor de 34284 acções, com o valor nominal de 171.420,00, correspondendo a 17.1420% do capital social e MT, detentor de uma acção, com o valor nominal de 5,00€, correspondendo a 0,005% do capital social.
Por deliberação datada de 29 de Setembro de 2014, foram designados para exercerem funções como administradores da sociedade Ré AE, SA para o triénio 2014/2016: JR (presidente), AP (vogal) e AT (vogal). Por deliberação datada igualmente de 29 de Setembro de 2014, foram designados para exercerem funções como administradores da sociedade A. SGPS, SA para o triénio 2014/2016: JR (presidente), AP (vogal) e AT (vogal).
No dia 30 de Setembro de 2014, AT renunciou ao cargo de vogal do conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA, pelo que, no dia 07 de Outubro de 2014, o conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA deliberou sobre a substituição do vogal AT por cooptação de MT, tendo recolhido um voto favorável por parte de JR (presidente) e um voto desfavorável de AP (vogal), ora A.
Pelo facto de o conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA ser composto por um número ímpar de membros e por o pacto social da mesma não atribuir voto de qualidade ao presidente, a deliberação referida não foi aprovada. Essa deliberação é nula, nos termos do do artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais e anulável nos termos do artigo 411.º, n.º 3, do mesmo Código, por violar o pacto social da sociedade.
No dia 09 de Dezembro de 2014, o conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA deliberou no sentido de delegar no presidente do conselho de administração o poder de requerer a convocação de assembleias gerais nas sociedades participadas da A. SGPS, SA.
Essa deliberação é nula por violar o disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (cfr. artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais).
No dia 10 de Dezembro de 2014, o presidente do conselho de administração da sociedade A. SGPS, SA requereu à presidente da mesa da assembleia geral da sociedade AE, SA a convocação de uma assembleia geral.
Por carta datada de 11 de Dezembro de 2014, a A. foi convocada para uma assembleia geral de accionistas a realizar no dia 15 de Janeiro de 2015, tendo como ordem de trabalhos, entre outros pontos: “a destituição, com justa causa de AP, do cargo de administradora”.
E a assembleia geral da sociedade AE, SA deliberou destitui-la do cargo de administradora com fundamento em justa causa. Porém, tal justa causa não existe. O exercício do direito de voto foi abusivo, por visar a prossecução de interesses próprios dos accionistas que votaram a favor da destituição da A. (cfr. artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais); por isso, as deliberações tomadas em assembleia são anuláveis, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, por a presidente da mesa da assembleia da sociedade AE, SA ter convocado a assembleia geral na sequência de um pedido de quem não tinha legitimidade para o fazer.
Em todo o caso, as deliberações aprovadas em assembleia geral serão sempre anuláveis pelo uso abusivo dos direitos de voto que sustentaram a aprovação das deliberações.
Mais alega que, no caso de o pedido de anulação não proceder, terá o direito de ser indemnizada pela destituição do cargo de administradora sem justa causa. Auferia, a título de remuneração pelo cargo de administradora, a quantia mensal bruta de 5.030,24€ x 14 por ano. Desde Janeiro de 2015, tal remuneração deixou de lhe ser paga pela Ré- Multiplicando o número das remunerações entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2016, teremos o total de 28 meses que deixarão de ser pagos em resultado da destituição injustificada, o que representa um prejuízo global de 140.846,72€, tendo ainda sofrido danos morais no valor global de 55.000,00€.
Finaliza, peticionando, que: 1.– As deliberações tomadas na assembleia geral de accionistas, datada de 15 de Janeiro de 2015, sejam anuladas e, consequentemente, se ordene o cancelamento da inscrição no registo comercial da destituição da A. AP do cargo da administradora da R. AE, SA; 2.– Subsidiariamente, caso o pedido 1. não venha a ser julgado procedente, seja declarada não verificada a justa causa de destituição da A. do cargo de administradora da R. AE, SA e, consequentemente, que seja R. AE, SA condenada a pagar à A. AP a quantia de 140.857,92€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescidos de 55.000,00€, a título de danos morais sofridos com a sua destituição sem justa causa.
A Ré devidamente citada não deduziu contestação.
O Tribunal deu cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e em consequência, a A. alegou por escrito (cfr. fls. 485 a 508).
Seguidamente foi proferida sentença que considerou o JUÍZO DE COMÉRCIO DO FUNCHAL – J2 materialmente incompetente para apreciar o pedido subsidiário, sendo a sua dedução ilegal, nos termos dos artigos 554.º, n.º 2, 37.º, n.º 1 e 96.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, e, por consequência absolveu a Ré da instância relativamente a tal pedido.
Quanto ao pedido principal, julgou-o improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformada com a decisão, a Autora vem interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I– As questões a decidir nos presentes autos e nesta sede recursiva – e que correspondem ao objecto do recurso – são as seguintes: i) saber se o pedido subsidiário formulado pela A./Recorrente – de verificação da justa causa de destituição do cargo de vogal do conselho de administração da Recorrida e consequente atribuição de indemnização por destituição ad nutum – se encontra incluído no elenco de matérias a resolver pelos juízos de comércio, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea d), da Lei 62/2013, de 26/08 (LOSJ), e ii) saber se as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de accionistas da Ré, ocorrida em 15/01/2015, e nos presentes autos impugnadas, estão viciadas de anulabilidade, em consequência da irregularidade da convocatória e do abuso de direito (ou abuso de maioria) dos accionistas que aprovaram as referidas deliberações.
Da (in)competência absoluta – em razão da matéria – do Juízo de Comércio do Funchal para conhecer do pedido subsidiário formulado pela ora Recorrente: II.– Na opinião da Recorrente – e salvo o devido respeito pelo entendimento contrário propugnado na douta sentença recorrida – mal andou a Mma. Juiza do Tribunal a quo ao concluir que o juízo de comércio do Funchal é materialmente incompetente para apreciar o pedido subsidiário, e, em consequência, ao absolver a Ré da instância, o que se vem a traduzir num erro de julgamento.
III.– A Recorrente defende, pelo contrário, que a verificação da existência de justa causa de destituição dos membros de órgãos sociais, designadamente do conselho de administração, e, em caso da destituição ad nutum, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes da destituição, constituem questões que se incluem, sem margem para qualquer dúvida, no âmbito de competência material dos juízos de comércio.
IV.– O artigo 128.º, n.º 1, alínea c), da Lei 62/2013, de 26/08 (Lei de Organização do Sistema Judiciário) deve ser objecto de uma interpretação actualista – de que é exemplo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/09/2015, proferido no processo n.º 5542/13.5TBLRA.C1, supra citado – por forma a incluir na supra referida alínea a questão que a Recorrente pretendia fosse resolvida pelo Tribunal a quo.
V.– Os tribunais de comércio – hoje designados por juízos de comércio – foram criados sob a égide de uma política judiciária assente em objetivos de especialização jurisdicional, assim como de desconcentração e descompressão dos processos pendentes nos tribunais e a necessidade de lhes atribuir matérias que exigem uma especial preparação e sensibilidade por parte do julgador.
VI.– Saber se um membro do conselho de administração de uma sociedade anónima foi, ou não, destituído com ou sem justa causa é uma das matérias que exige especial preparação e sensibilidade do julgador e que fundamentaram a opção legislativa de criação destes tribunais, e diz respeito a direitos sociais.
VII.– Na verdade, trata-se de matéria de direito societário por excelência a avaliação do desempenho dos gerentes ou administradores das sociedades comerciais à luz dos parâmetros estabelecidos no artigo 64.º do CSC, sobre o qual existe extensa doutrina comercialista. E como é evidente, só se pode concluir pela existência de uma justa causa de destituição caso se venha a concretizar uma violação dos deveres consagrados no citado artigo 64.º do CSC.
VIII.– Se o direito a ser designado para os órgãos de administração da sociedade é um direito social – nos termos do artigo 21.º, n.º 1, al. d), do CSC, e sendo a Recorrente accionista da sociedade Recorrida, não se vê como afastar a verificação da justa causa de destituição e da petição de uma indemnização por uma accionista e administradora destituída do elenco de matérias a resolver pelos Juízos de Comércio.
IX.– Ao declarar-se incompetente para julgar o pedido subsidiário formulado pela Recorrente, violou o Tribunal recorrido o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea c), da Lei 62/2013, de 26/08...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO