Acórdão nº 6070/13.4YYLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.

I.

–RELATÓRIO: EDIFICAÇÕES, S.A., com sede na ……, JOÃO …..

residente na Rua ….. e MANUEL ….

, residente na Rua ….., vieram deduzir oposição, em 10.05.2013, contra BANCO PORTUGUÊS, S.A., sede na ….., por apenso ao processo executivo que este deduziu contra aqueles, oferecendo como título executivo uma livrança, visando o opoente obter a respectiva extinção do pedido executivo.

Fundamentaram os opoentes a sua pretensão, invocando, em síntese, que: 1.– A livrança dos autos encontra-se no âmbito das relações imediatas entre o Banco portador do título e a sociedade que o emitiu (art. 17.º ex vi art. 77.º da LULL), pelo que pode qualquer um dos obrigados cambiários opor ao portador as excepções fundadas na relação subjacente à emissão do mesmo, tal como determinam os artigos 17.º e 32.º da LULL.

  1. – Os Opoentes podem opor ao Banco exequente os factos que obstam não só ao preenchimento da livrança como à sua execução, referentes à relação causal da sua emissão.

  2. – A subscrição da livrança dos autos e os avales nela apostos constituem uma contragarantia de um comummente designado crédito por assinatura prestado pelo Banco Exequente, crédito esse consubstanciado na prestação de uma garantia bancária a favor da Fazenda Nacional para suspensão de uma impugnação judicial deduzida pela Opoente contra uma liquidação oficiosa de IRC.

  3. – Encontrando-se a correr termos, um Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença no Supremo Tribunal Administrativo, interposto com os fundamentos constantes do documento junto sob o n.º 2, carecia a Administração Fiscal de legitimidade para accionar a garantia prestada pelo exequente.

  4. – Tal como o Exequente não devia pagar qualquer montante por força de tal garantia bancária, após ter sido citado para os termos da providência cautelar promovida pela aqui Opoente, com os fundamentos constantes do documento adiante junto sob o n.º 3.

  5. – Ao fazê-lo deve assumir o risco de tal acto, ou seja, aguardar pela decisão judicial transitada em julgado, que absolver ou condenar a Impugnante, aqui Opoente, a pagar o respectivo montante à Administração Fiscal.

  6. – Até lá não lhe é permitido transferir o risco da sua imponderada atitude para os contra garantes.

  7. – É o que pretende fazer por via da execução da livrança “em garantia”, pretendendo que os garantes através da execução da livrança contra eles, paguem o que ele, exequente, pagou manifestamente mal, porque antecipou-se à decisão judicial que irá fixar a obrigação tributária da Impugnante, ou da mesma absolvê-la.

  8. – O preenchimento da livrança, pelo montante e data de vencimento que da mesma constam, constituem manifesto abuso de direito nos termos do art. 334.º do Código Civil, que determina a nulidade da obrigação cartular inscrita no título fundamento da execução.

  9. – Na verdade, o valor e a data de vencimento impugnados nada têm que ver com a realidade, pois não correspondem nem ao valor pago pelo Exequente no âmbito da execução da garantia, e a data de vencimento corresponde ao momento em que arbitraria e reprovavelmente decidiu transferir para os Opoentes o risco da (exclusivamente) sua insensata decisão.

    Por despacho de 19.09.2013 foi liminarmente admitida a oposição.

    Notificado, o exequente apresentou contestação, em 14.10.2013, alegando, em suma, o seguinte: 1.– Contrariamente ao que os executados/opoentes pretendem fazer crer, o preenchimento da livrança pelo montante e data de vencimento que da mesma constam, não constitui qualquer abuso de direito nos termos do art. 334.º do Código Civil.

  10. – O crédito titulado na livrança dada à execução diz respeito a uma garantia bancária autónoma prestada em nome e a pedido da executada EDIFICAÇÕES, S.A., em benefício da Direcção Geral dos Impostos, no valor de € 854.786,75, correspondente ao valor da Nota de Liquidação de IRC.

  11. – Da referida garantia consta expressa e inequivocamente: “O garante responsabiliza-se como principal pagador perante o Beneficiário, por lhe fazer a entrega no prazo de trinta dias, das importâncias garantidas que forem solicitadas ao primeiro pedido escrito, sem apreciar da justiça ou direito de reclamação do ordenador, se este não cumprir qualquer uma das obrigações emergentes da relação jurídica tributária acima referenciada.”.

  12. – Sucede que foi o Banco exequente interpelado pela Autoridade Tributária para honrar a garantia e proceder ao seu pagamento, sob pena de ser executado no próprio processo.

  13. – Tratando-se a garantia em causa de uma garantia autónoma, não podia o banco exequente opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa ou excepções decorrentes das relações credor-devedor.

  14. – Por outro lado, tendo o Banco exequente assumido o pagamento à 1.ª solicitação, implicou a sua obrigação de pagar ao beneficiário (Autoridade Tributária) o montante objecto da garantia, não podendo opor-lhe quaisquer excepções referentes à relação principal, pelo que, independentemente de todos os recursos interpostos pela sociedade executada, a verdade é que na sequência da referida interpelação não restou qualquer outra alternativa ao Banco exequente excepto a de cumprir a obrigação que lhe era devida, isto é, efectuar o pagamento.

  15. – Por não provisionamento da conta de depósitos à ordem, de que a sociedade executada é titular junto do exequente, este procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução, a qual foi preenchida de acordo com as condições de prestação da garantia bancária.

  16. – O valor aposto na mesma corresponde ao valor do capital em dívida àquela data, 775.673,17€, acrescido dos respectivos juros, calculados desde a data de pagamento da garantia bancária (07/09/2012) até à data de vencimento (18/02/2013), do respectivo imposto do selo, 1.413,45€, e das despesas de selagem da livrança, 4.082,42€, tudo no montante global de 816.505,26€.

  17. – O Banco fixou o vencimento da livrança para 18 de Fevereiro de 2013, tendo comunicado tal facto, bem como a decomposição do valor aposto na mesma, a todos os executados, através de cartas registadas com avisos de recepção.

  18. – As cartas foram enviadas para as moradas indicadas pelos executados, tendo duas delas sido recepcionadas pelos respectivos destinatários, tendo aqueles tomado conhecimento dos exactos valores apostos na livrança, bem como da respectiva data de vencimento.

    Concluiu o banco exequente, pedindo que a oposição seja julgada improcedente, por não provada, com todas as consequências legais, seguindo a execução os seus ulteriores termos.

    Por despacho de 29.01.2016, foi dispensada a realização da audiência prévia, elaborado o despacho saneador, no qual julgadas improcedentes as excepções invocadas pelos opoentes de “nulidade de todo o processo” e de “nulidade formal do título executivo”, tendo sido dispensada a fixação da base instrutória, atenta a simplicidade da matéria de facto controvertida.

    Apresentados os requerimentos probatórios realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em 09.12.2016 e, em 14.12.2016, foi proferida decisão sobre a matéria de facto provada.

    Em 12.01.2017, foi proferida decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Pelo exposto, julga-se a presente oposição totalmente improcedente e, em consequência, determinase o prosseguimento da execução.

    Custas pelos opoentes – art. 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

    Notifique e registe.

    Comunique ao Agente de Execução.

    Inconformados com o assim decidido, os opoentes interpuseram recurso de apelação, em 06.03.2017, relativamente à sentença prolatada.

    São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes: i.

    - O acionamento pelo seu beneficiário da garantia bancária ainda que à primeira solicitação, não é absoluto, de outrossim tem limites, quais sejam a fraude ostensiva, e a falta grave lesiva do princípio da boa-fé.

    ii.

    - A fraude, clamorosa e evidente do beneficiário (abuso de direito), resultante da ausência do direito deste, pode e deve ser invocada pelo garante que dela tiver prova líquida (documental) para recusar o pagamento que lhe é exigido, mesmo no caso, como é o presente, de se tratar de uma garantia autónoma que deva ser satisfeita à primeira solicitação.

    iii.

    - Se o Banco garante pagou mais do que devia, bem sabendo que ao fazê-lo estava a violar o principio da boa-fé que subjaz às suas relações com os Embargantes e o beneficiário da garantia por ele emitida, atuou em abuso de direito.

    iv.

    - O preenchimento da livrança avalizada dada em execução é Nulo (Abuso de direito) e de nenhum efeito, e importa a extinção da execução.

    v.

    - A sentença recorrida viola entre outras normas e regimes jurídicos que V. exas suprirão os supra indicados pelo que deve ser revogada.

    Pedem, por isso, os apelantes, que a sentença recorrida seja revogada, e ser julgada procedente a Oposição.

    O Banco recorrido não apresentou contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

    Importa ter em...

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