Acórdão nº 1809/17.1T8BRR.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: Paulo…, insolvente no processo de insolvência de pessoa singular indicado à margem, notificado do despacho inicial de exoneração do passivo restante e nomeação de fiduciário proferido em 20 de setembro de 2017 e não se conformando com o mesmo, dele interpôs o presente recurso.

A discordância do recorrente face ao despacho recorrido radica na fixação do rendimento de cessão no montante que exceda um salário mínimo, entendendo que se deve fixar em, pelo menos, salário mínimo e meio.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo: «1.º– O presente recurso visa tão a parte da decisão respeitante ao pedido de exoneração do passivo restante, não abrangendo, portanto, o despacho que determinou o encerramento do processo, nos termos do disposto no artigo 230.º, alínea d), do CIRE.

  1. – A douta decisão recorrida determinou que, do rendimento disponível destinado a ser entregue aos credores, fosse excluído o valor correspondente a um salário mínimo nacional.

  2. – Com o devido respeito, o apelante não pode concordar com tal entendimento, porquanto a fixação do rendimento disponível, a aplicar nos cinco anos em que dura o período de cessão de rendimentos, no montante de um salário mínimo nacional (atualmente de € 557,00), não acautela o sustento minimamente condigno do devedor.

  3. – O apelante é divorciado, sendo o seu agregado familiar composto apenas pelo próprio e tem três filhos menores de idade.

  4. – O apelante encontra-se desempregado e tem como único rendimento o montante de € 183,00, a título de RSI.

  5. – Tal não significa, porém, que amanhã, como se espera, aquele não venha arranjar um emprego em que aufira um vencimento certo em montante superior.

  6. In casu, de acordo com o preceituado no artigo 239.º, n.º 3, b) i), do CIRE, o apelante ao dispor de apenas um salário mínimo nacional não consegue assegurar o seu sustento minimamente condigno (artigo 18º da Constituição da República Portuguesa), já que precisa de se alimentar, vestir e calcar e pagar as suas despesas mensais.

  7. – Deste modo, para encontrar o rendimento com que o insolvente se há de governar cumpre partir do salário mínimo, que é o mínimo previsto por lei para uma única pessoa viver com dignidade, e acrescentar-lhe o que for necessário para que tal dignidade não seja quebrada.

  8. – Ora, como é sabido, nem mesmo com a atualização do salário mínimo nacional para € 557,00, se pode dizer que, neste momento, será, na realidade, o mínimo indispensável para uma pessoa sobreviver, atento o elevado custo de vida.

  9. – Entendemos, assim, ser adequado a fixação do montante disponível a atribuir ao apelante para o seu sustento, e desta forma assegurar uma vivência compatível com a dignidade humana, um salário mínimo nacional, acrescido de metade.

  10. – A decisão recorrida violou, ou não fez a melhor interpretação do disposto no artigo 1.º; da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e n.º s 1 e 3 do artigo 63.º todas da Constituição da República Portuguesa, bem como do ponto i), alínea b), do n.º 3, do artigo 239.º do CIRE.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao recurso ora apresentado e, em consequência, deve a decisão recorrida, na parte respeitante ao pedido de exoneração do passivo restante, ser substituída por outra que determine que o rendimento disponível e o sustento minimamente condigno do insolvente/apelante seja fixado em uma vez e meia o salário mínimo nacional.» Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso.

Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se estão indiciados factos que permitam fixar limite mais elevado ao rendimento disponível.

II.

–Fundamentação de facto.

A decisão da 1.ª instância considerou os seguintes factos que o recorrente não discute: 1.

- O insolvente está desempregado, tendo como único rendimento o montante de € 183 a título de RSI; 2.

- Tem três filhos que vivem com as respetivas mães e aos quais não paga pensão de alimentos.

III.

–Apreciação do mérito do recurso.

Considerações introdutórias gerais.

A exoneração do passivo restante é uma inovação do CIRE (DL 53/2004, de 18 de março) que corporiza o expresso objetivo de conjugação do princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, permitindo-lhes a sua reabilitação económica.

Como se lê no n.º 45 do preâmbulo, «O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante’».

O...

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