Acórdão nº 338/12.4TACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelPAULO VAL
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

RELATÓRIO 1- No 2.º juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, no processo acima referido, foi a arguida A... julgada em processo comum singular, tendo sido a final proferida a decisão seguinte: - Condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1 alínea e), por referência ao artigo 255.º alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - Condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, condenada na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de três anos e seis meses, subordinada à obrigação de a arguida pagar no prazo de um ano a indemnização arbitrada a B...; - Absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional I.P.; - Julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante B... e, em consequência, condenada a arguida a indemnizar aquela na quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros à taxa legal a contar da data da notificação a que alude o n.º1 do artigo 78.º do CPP até integral pagamento; 2 - Inconformada, recorreu a arguida, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte : Impugnam-se os factos provados constantes dos n°1, 3, 4 e 23 da douta sentença recorrida, os quais devem ser considerados não provados.

Nenhuma das testemunhas ouvidas em sede julgamento falou acerca da forma como o certificado de B... terá sido alterado para que do mesmo passasse a constar o nome da arguida e os seus dados identificativos. Aliás, nem tal seria possível saberem ou terem qualquer tipo de conhecimento da forma como foi efectuada tal alteração de nome, pois tratam-se de testemunhas que têm conhecimento dos factos a posteriori.

Por outro lado, nos autos não consta qualquer documento que se faça passar pelo original, apenas uma simples fotocópia não autenticada ou verificada em confronto com o original.

A arguida não prestou depoimento e que ninguém testemunhou no sentido constante dos factos provados no n° 23, ante sim as testemunhas depuseram dizendo que a arguida é boa profissional, séria, disponível, boa amiga.

A arguida que não pode ser condenada pela utilização de documento falso, uma vez que uma cópia simples não se pode considerar um documento para efeitos do crime previsto no art.256° do C.P.

A consumação da burla ocorre com o empobrecimento material do lesado, embora se exija a intenção do agente obter para si (ou outrem) um enriquecimento, bastando para o efeito, ao nível objectivo, que se observe o empobrecimento não se exigindo a efectivação do enriquecimento do agente. (neste sentido Ac. RE de 25/07/2010; Ac. RC de 10/09/2008 in www.dgsi.pt).

O prejuízo patrimonial a que se refere o tipo de crime há-de ser medido pelo empobrecimento que a burla causou ao lesado, isto é pela diminuição verificada no seu património, em consequência do erro ou engano provocado pelo agente do crime.

Para este efeito não deverão ser consideradas as expectativas de lucro que o lesado teve ao praticar os actos lesivos.

A punição da burla é relacionada com o prejuízo efectivamente sofrido pelo ofendido. (neste sentido Ac RL de 13/04/200 in www.dgsi.pt".

A juiz "a quo" na fundamentação da condenação da arguida inverteu a situação partiu do enriquecimento da arguida para daí concluir pelo necessário prejuízo do IEFP, isto é que desembolsasse o valor pago.

Tal forma de interpretar o art.217° n° 1 do CP é inconstitucional por violar o princípio constitucional in dubio pro reo constante do art. 32° nº 2 da CRP, não se utilizando factos para a condenação do arguido.

Nos factos provados da douta sentença não consta qualquer facto que demonstre que o IEFP tenha visto a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão.

Na verdade, a própria juiz "a quo" afirma que "os valores a despender com o outro formador seleccionado seria equivalente ao despendido com a arguida", pelo que o IEFP sempre teria de despender de tal quantia para ter formadores que lecionassem os cursos de formação ministrados pela arguida.

Aliás, os curso ministrados pela arguida não foram anulados nem as aulas repostas, pelo que não existe qualquer dano para o IEFP ou para os formandos. Os cursos são financiados por fundos comunitários, os quais nunca foram repostos pelo IEFP, pelo que não existe qualquer prejuízo para esta instituição. Aliás, o enriquecimento da arguida quanto muito será passível de constituir um ilícito civil e não uma fraude constitutiva de burla. Não podendo por esta ordem de ideias tal enriquecimento servir de ponto de partida para a condenação da arguida, tal como o fez a meritíssima juiz "a quo".

Não está provado nos autos quem os terceiros (formadores preteridos) que possam ter sido prejudicados pela actuação da arguida.

Não está provado nem alegado qual a medida do seu prejuízo, nem qual a sua capacidade profissional.

Não se pode concluir por maneira alguma que os candidatos, ou candidato, viessem a ministrar todos os cursos que a arguida leccionou e a auferir tais quantias, uma vez que o candidato que fosse aceite para um dos cursos poderia não ser selecionado para o curso seguinte, ou seguintes, já que por cada curso eram abertas candidaturas e analisados novos curriculum.

Assim, não se sabe face à ausência de factos de quem foram as pessoas preteridas e qual valor que deixaram de receber.

Não se diga em abono da tese recorrida que a demandante civil, B..., terá sido prejudicada, várias vezes, porque mandou o seu currículo para o IEFP e nunca foi contratada quando poderia ter sido. Pois a B... concorreu ao IEFP de 1999 até 2002, isto é data anterior ao envio pela arguida da cópia do certificado de habilitações para o IEFP (cfr. n°05 dos factos provados), nunca conseguiu ser admitida, não se podendo concluir que a arguida é responsável pelas sucessivas recusas de admissão.

O crime previsto no art. 217° do CP é dependente de queixa (cfr. n°3 do citado artigo), sendo que o crime só é qualificado se o prejuízo for considerado de valor elevado ou consideravelmente elevado.

Nos autos desconhecem-se os candidatos alegadamente lesados e a extensão do seu prejuízo (valor que lhes caberia da formação), desconhecendo-se é, no mínimo, de valor elevado (não dependente de queixa).

Assim, por falta de queixa, de desconhecimento dos terceiros lesados e do montante do seu prejuízo, nunca a arguida poderia ter sido condenada.

Por outro lado, não devem ser consideradas as expectativas de lucro que o lesado teve com os actos lesivos para preencher o requisito de prejuízo patrimonial, tal como supra referido.

Na verdade, os alegadamente terceiros lesados mantiveram a situação económica igual a que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão, isto é não viram a sua situação económica diminuída.

Também, por estes motivos deve a arguida ser absolvida do crime de burla.

Não se consegue conceber como é que a arguida lesou a B..., uma vez que não está provado, nem há qualquer ligação directa, que esta seria contratada caso aquela não o tivesse sido.

Aliás, a B... candidatou-se ao IEFP desde 1999 a 2002 e nunca conseguiu ser admitida, nessa altura não se pode dizer, nem virtualmente, que a arguida é a culpada.

Por tal, não se pode dizer que no futuro foi a arguida quem a prejudicou e a impediu de ser admitida no IEFP.

Só após o início de 2012 é que a B... tomou conhecimento da situação, não se entende a não ser por pura vontade em "prejudicar" a arguida como é que ficou tão deprimida por não ter sido escolhida pelo IEFP e a arguida o ter sido, quando a lesada não tem um curriculum idêntico ao daquela, qual o dano que lhe foi causado pela arguida se não há qualquer certeza nos autos em que caso a arguida não fosse escolhida pelo IEFP o seria a demandante.

Face ao exposto, deve a arguida ser absolvida do pedido de indemnização cível formulado pela B..., uma vez que não há nexo de causalidade entre o acto e os alegados danos, aliás nem sequer há danos não se concebe o aparecimento de danos em 2012 porque alguém utilizou o certificado de habilitações para algo que sempre quisemos.

A revolta da lesada é para com o IEFP, devendo ser com este que deve ajustar contas e não com a arguida.

O crime de falsificação em que a arguida foi condenada é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. art. 256° n°01 do CP) Caso se entenda, o que não se concede, que condenação da arguida deve ser mantida quanto a este crime, considera-se que tal pena é excessiva.

Considera-se que uma pena de multa seria suficiente para estarem assegurados os critérios de prevenção geral e especial, dada a ausência de antecedentes criminais e de a arguida estar afastada do ensino e estar integrada na sociedade.

Nestes termos, deve considerar-se procedente e provado do presente recurso, e em consequência revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se a arguida de todas as condenações.

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que, acompanhando o MP da 1.ª instância, se pronuncia pela improcedência do recurso. 4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos: 1. Em data não concretamente determinada, mas que se situa em data anterior a 15 de Janeiro de 2004, a arguida, por forma desconhecida, ficou na posse de cópia...

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