Acórdão nº 432/12.1TATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, d) e 3 do C. Penal.

A assistente E..., SA, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 312.779,62, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 29 de Março de 2012 e até integral pagamento.

Por sentença de 6 de Março de 2014, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 8, perfazendo a multa global de € 2.400.

Mais foi condenado o arguido condenado no pagamento à assistente da quantia de € 162.779,62, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento.

* Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: I. Vem este recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo", que: condenou o arguido pela prática, em co-autoria material, na forma consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1 al. d) e n.º e do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 8,00 o que perfaz o valor global de € 2.400,00: e que condenou A... a pagar a E..., SA a quantia de € 162,779,62. acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, a contar da data da notificação do pedido civil e até integral pagamento, II. A convicção do Tribunal foi alicerçada de forma primordial no recurso à prova indirecta ou indiciária.

III, Os factos 11) a 16) dados como provados. que consubstanciariam de per si os requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal em apreço. têm na sua génese o recurso a uma prova indiciária não fundamentada.

Em rigor, IV. A prática do crime de falsificação de documento consubstancia-se na emissão de um cheque, sobre o qual, após a sua entrega ao respectivo beneficiário, o seu emitente comunica ao banco sacado que tal cheque havia sido extraviado.

  1. Sabendo que tal extravio não é verdadeiro, assim causando àquele beneficiário do cheque um prejuízo ao passo que o emitente obtém para si um benefício ilegítimo.

  2. O douto Tribunal a quo considerou. mediante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, por outra via, mediante erro notório na apreciação da prova. nos termos e para os efeitos do artigo 410º n.º 1 e n.º 2 al. a) e c) do C.P.P. que o arguido tinha conhecimento de não ter havido extravio dos cheques emitidos à Assistente.

  3. Não obstante ter participado esse mesmo furto junto da P.S.P. de Torres Novas, sobre um computador portátil, uma pasta com diversos documentos e dois livros de cheques.

  4. Não obstante ter dado indicação à instituição bancária desses mesmos factos, incluindo os dois livros de cheques.

  5. Mercê de recurso a mera prova indiciária, o douto Tribunal a quo considerou que o arguido tinha conhecimento de não ter havido extravio dos cheques emitidos à Assistente.

  6. Considerou o douto Tribunal a quo, que o arguido havia sido vítima de furto de diversos bens do interior do seu veículo automóvel, no dia 27 de Março de 2012, excepto dos dois livros de cheques.

  7. Constando dos autos, e devidamente referenciados na douta sentença recorrida, os meios de prova directa que sustentam a existência de furto dos bens o interior do veículo automóvel do arguido, daí deve subsumir-se a subtracção também dos livros de cheques.

  8. Esses meios de prova directa foram preteridos pelo douto Tribunal a quo! XIII. A sentença ora recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, por outra via, padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410º n.º 1 e n.º 2 al. a) e c) do C.P.P.

  9. Não obstante a prova directa produzida documentalmente – mediante a junção aos autos do auto de notícia e mediante dos depoimentos de testemunhas F..., proprietário do restaurante, em cujo parque de estacionamento ocorreu o furto; G..., empregado do restaurante; H... e I... agentes da PSP e da junção aos autos da participação e de inquérito – entendeu o douto Tribunal a quo que, o extravio declarado pelo arguido não é verdadeiro. (As declarações encontram-se gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, testemunha F... dia 19/2/2014 a partir de 14h44m; testemunha G... dia 19/2/2014 a partir de 15h06m: testemunha H... dia 26/2/2014 a partir de 15h07m: testemunha I... dia 26/2/2014 a partir de 15h33m).

  10. O recurso à prova indiciária não pode afastar a prova direta produzida nos autos: provado ficou que o arguido foi vítima de furto, com subtração de todo o recheio do interior do seu veículo automóvel.

  11. Ditam as mesmas regras da prática citadas na douta sentença recorrida. que, na maioria. senão na totalidade. dos casos de furto do recheio de um veículo, onde se encontrem cheques, que estes são também subtraídos, pelo seu valor no "mercado".

  12. No caso sub iudice, da prova direta resultou a existência de furto do recheio do veículo do arguido e das regras da experiência resulta que, nos casos de furto, o agente que pratica a subtração do recheio de um veículo, dá primazia ao furto de cheques.

  13. No caso em apreço, o recurso à prova indiciária é desnecessário, face à prova direta e inequívoca da existência de furto dos cheques. a par dos demais bens existentes no carro.

  14. Tendo ficado provado, por prova direta, a existência de furto, não poderia o douto Tribunal a quo ter decidido como decidiu ser falsa a declaração do arguido de extravio dos cheques.

  15. A pluralidade de indícios da existência de um furto e critérios lógicos do discernimento humano, em casos de furtos de automóveis, conduziriam a resultado diferente na aplicação da prova indiciária aos presentes autos! XXI. Conduz necessariamente à conclusão lógico-racional de que tendo o carro do arguido sido objecto de furto, daí foram também retirados os livros de cheques.

  16. Das declarações da testemunha J... resultou claramente que o arguido guardava sempre consigo os livros de cheques, por inexistir cofre na empresa.(As declarações encontram-se gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, testemunha J... dia 19/2/2014 a partir de 17h05m.) Todavia, e ao invés, XXIII. A douta sentença ora recorrida, apesar de referir que o arguido nunca deixava os cheques nas instalações da empresa, não pondera tal prova como facto determinante de que os cheques no dia e à hora do furto estavam no interior da viatura.

    Ao invés, XXIV. A douta sentença recorrida apenas referencia que a dita testemunha J... mencionou ser a própria que preenchia os cheques e que os mesmos eram posteriormente assinados pelo arguido.

  17. Facto esse de onde não se pode retirar que os ditos livros de cheques não se encontrassem no interior da viatura do arguido à hora do furto.

  18. Não se pode, em violação do Princípio da Imediação da Prova e do Princípio do In Dubio Pro Reo, querer alcançar uma qualquer verdade e reputá-la como verdade material.

  19. Também nesta vertente se verifica erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º n.º 2 al. c) do C.P.P.

  20. Também da análise do depoimento da testemunha J... vertida na sentença ora recorrida, não resulta uma verdadeira fundamentação do recurso à prova indiciária para sustentar as ilações da Mma Juiz a quo.

  21. Ao invés, alegadamente sob a égide da prova indiciária, resulta a conclusão de que o arguido tinha perfeita consciência de que os cheques emitidos a favor da Assistente não se encontravam entre os cheques que haviam sido subtraídos. com base na possibilidade que o mesmo tinha ao declarar o extravio dos livros de cheques excluir determinados cheques.

  22. As regras da experiência ditam que, uma vítima de furto apressa-se a declarar o extravio de cheques contidos em livros furtados.

  23. Da prova produzida em sede de audiência, bem como da prova documental junta aos autos, resulta de evidência a existência de um furto do interior do veículo do arguido.

  24. Resulta também que os cheques da sociedade nunca permaneciam na sede da empresa.

  25. Salvo melhor entendimento, in casu, a prova indirecta deverá ser afastada, por desnecessária! Porquanto, XXXIV. Havia sido produzida prova direta suficiente, para determinar que não houve falsidade na declaração do arguido de que os cheques haviam sido extraviados naquela noite de Março! XXXV.

    Minime, deveria ter-se suscitado a dúvida no douto Tribunal a quo.

  26. No caso sub iudice, foi produzida prova direta suficiente de que o arguido não prestou uma falsa declaração: os cheques foram furtados do interior do seu veículo.

  27. Constata-se a manifesta violação do Princípio da Imediação da Prova e do vertido no artigo 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, optando por uma espécie de prova indiciária, atentatória dos direitos de defesa do arguido e do Princípio da Descoberta da Verdade Material.

  28. Padece a sentença ora recorrida de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, por outra via, padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410º n.º 1 e n.º 2 al. a) e c) do C.P.P.

  29. Erro notório na apreciação da prova, colhida em sede de audiência, erro esse tendente para a decisão de condenar o arguido pela prática do crime de falsificação de documento.

  30. Quanto à apreciação da prova levada a cabo dir-se-á que o douto Tribunal a quo considerou como provado que, o arguido teve intervenção na factualidade em apreço, com base apenas em provas de consistência duvidosa e na violação clara dos Princípios do In Dubio Pro Reo e da Imediação da Prova.

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