Acórdão nº 63/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO J (…), A (…) e M (…) , intentam a presente ação especial de inabilitação por anomalia psíquica, contra JM (…), alegando, para o efeito, e em síntese: são, respetivamente, irmãos germanos e sobrinho do requerido, e este, fruto da anomalia psíquica permanente de que padece – psicose maníaco depressiva grave/doença bipolar – encontra-se impossibilitado de reger por si só a sua pessoa e bens, pelo que pugnam, para além da sua inabilitação provisória imediata, pela sua inabilitação; o requerido encontra-se reformado por força da sua doença mental, não exercendo qualquer atividade empresarial ou de mera gestão corrente há mais de 20 anos, encontrando-se desde há muitos anos sob medicação, com períodos de internamento, e com a progressiva deterioração das capacidades intelectuais e cognitivas; o requerido desde sempre que vem praticando atos de benemerência, em períodos de crise psíquica, com o desejo de doar um terreno com 7.000 m2 ao CR (...) desejo de doação da sua quota-parte da sociedade “C (…), Lda.”, de determinadas máquinas de uma secção da mesma, de pretender casar com a sua companheira em Albufeira, pretender fazer doações em numerário aos sobrinhos, pretender doar apartamentos aos sobrinhos netos e manifestar vontade de doar um jeep a cada um dos seus funcionários, em número de 150 a 200 unidades, tendo para o efeito redigido o respetivo contrato-promessa, sendo que muitos negócios não se realizaram por oposição dos potenciais beneficiários.
Concluem, aduzindo que o requerido não é habitualmente pródigo mas incorre, por tendência, em excessos patrimoniais, pelo que pugnam, para sua proteção, pela sua inabilitação, devendo, por conseguinte, ser representado por um curador a fim de lhe administrar todo o seu património, bem como a prática dos atos de natureza pessoal de carácter familiar.
O requerido apresentou contestação, alegando, em síntese: padece de uma doença de foro neurológico, hereditária, do tipo “psicose”, não o impedindo de exercer de forma proveitosa e bem sucedida a sua atividade industrial, pelo que não padece de anomalia psíquica que o impeça de reger a sua pessoa e bens.
tal doença não tem carácter permanente, manifestando-se com intervalos de muitos meses ou anos, recorrendo espontaneamente ao médico adequado que lhe prescreve a adequada medicação e que respeita escrupulosamente, com auxílio de terceiros; sofreu períodos de internamento, por sua iniciativa, e quando não tinha auxílio de terceiros para o auxiliar na terapêutica, reconhecendo os sintomas iniciais da doença e, consequentemente, suspendendo qualquer atividade.
sempre foi contido nos seus gastos quotidianos, e seguindo o caminho do seu pai, foi um filantropo e benemérito, tendo após o 25 de Abril de 1974 oferecido uma bicicleta a todos os seus funcionários, adquiriu para a ARCIL o edifício para as suas instalações e reconstruiu-o, impulsionou a Fanfarra B (...), concedeu-lhe um donativo anual e emprestou o terreno para o CR (...); os jeeps que pretende oferecer aos seus trabalhadores visa recompensá-los pelo seu esforço e dedicação, e cuja decisão vem sendo ao longo do tempo ponderada, manifestando os requerentes oposição ao negócio, pelo que o referido negócio se encontra em suspenso.
Procedeu-se ao interrogatório judicial e exame pericial do requerido, o qual concluiu que o estado psicopatológico apresentado pelo requerido, “que lhe vem condicionando a capacidade de gerir/e ou dispor dos seus bens, deverá revelar para efeitos de requerimento da sua eventual inabilitação/interdição por anomalia psíquica”.
Falecido o requerido na pendência da ação (a 23 de março de 2005), foi determinado o prosseguimento dos autos ao abrigo do disposto no artigo 958º do CPC (na redação anterior à reforma).
Foi proferido despacho saneador, com seleção da matéria de facto assente e fixação da base instrutória.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão de resposta à matéria de facto dado como provada.
O juiz a quo proferiu sentença, julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvendo o requerido dos pedidos contra si formulados.
Inconformados com tal decisão, os requerentes dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente: (…) Pelo representante do requerido, entretanto falecido, foram apresentadas contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 684º, do Código de Processo Civil, na redação anterior à reforma dos recursos introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto[1] –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto.
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Se existia a incapacidade alegada e, em caso afirmativo, qual a sua extensão e desde quando.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da matéria de facto.
(…) 2. Se é de alterar a decisão de improcedência do pedido de inabilitação proferida na sentença recorrida.
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Matéria de facto: São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas na sequência da impugnação da matéria de facto deduzida pelos Apelantes: A) O requerido JM (…) nasceu no dia 7 de Outubro de 1934, na freguesia e concelho da Lousã, e é filho de M (…) e E (…), ambos falecidos.
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O requerido tem vindo a ser assistido de há cerca de 20 anos a esta parte por diversos médicos, neurologistas e psiquiatras, tais como o falecido Dr. (…), o Dr. (…), o Prof. (…), o Prof. (…), o Prof. (…), o Prof. (…), o Dr. (…), a Dra. (…), o Dr. (…) e o Dr. (…).
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O requerido esteve internado, desde 08.05.85, durante um período de 7 dias, na Casa de Saúde (...); no Instituto de Investigationes Neuropsiquiátricas – (...), S.A., desde 24.04.89 até 27.04.89 e na Clínica (...), Lda., o que ocorreu em 08.02.95.
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Em 24.10.1995, o Sr. Dr. (…), médico-psiquiatra e assistente convidado de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, elaborou o relatório médico junto a fls. 83, dele constando, além do mais, que: “…declara por sua honra profissional que tem seguido em regime de consulta e internamento o Sr. J (…) por este vir apresentando crises repetidas depressivas ou maniformes que caracterizam a Psicose Maníaco Depressiva.
Desde muito novo que vem apresentando algumas dificuldades emocionais (tal como outros membros da família) que com o tratamento lhe possibilitavam o exercício profissional, contudo, nos últimos anos o seu estado agravou-se e desde então tem-se assistido a um contínuo agravamento e declínio cognitivo dependente da evolução da doença e às próprias terapêuticas que necessita de fazer cronicamente.
Devido à evolução do seu estado crónico, neste momento profundamente depressivo com as ruminações relacionadas com o dormir e à impotência que apresenta, aos deficits cognitivos e mnésicos que são manifestos, sou de opinião que não possui as condições consideradas mínimas para poder exercer a sua actividade profissional, ou mesmo outras tarefas, pelo que deverá ser proposto à junta de reforma para atribuição de incapacidade permanente para o trabalho e consequente atribuição de reforma por doença…”.
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Este relatório médico foi emitido para instruir o processo de obtenção da reforma por parte do requerido, proposta pela Sra. Dra. (…) a qual subscreveu a “Informação Médica Para Avaliação de Incapacidade Permanente” com data de 24.11.1995, junta a fls. 84 a 87.
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Em 27 de Setembro de 1996 foi atribuída ao requerido a reforma por invalidez.
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Por volta do ano de 1974, o requerido procedeu a diversos actos de benemerência - como a doação de uma Quinta para nela ser instalada a sede da ARCIL (Associação para a Recuperação do Cidadão Inadaptado da Lousã), o que envolveu uma despesa que, a preços de hoje, se cifraria em muitas dezenas ou centenas de milhares de contos/euros.
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Adquiriu ainda o edifício e restaurou-o à sua custa, reparando o telhado, os tetos, as janelas, as paredes interiores e exteriores.
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Após o que adquiriu, à sua custa, o mobiliário.
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Precedeu ainda a vários donativos pecuniários a diferentes entidades de serviço público da Lousã.
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Foi também o requerido o responsável pelo impulso da “Fanfarra B (...)”.
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Tem exercido a benemerência periódica em benefício da “Fanfarra” a quem dá, quase todos os anos, mil contos (5.000.00 euros).
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De maneira idêntica procede em relação à Filarmónica, fazendo em benefício dela e à custa do seu património pessoal, quase todos os anos, um donativo de mil contos (5.000.00 euros).
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Em Janeiro de 1998, o requerido passou a viver como se de marido e mulher se tratassem, com M (…).
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Em finais de Março/inícios de Abril de 1998, deslocaram-se ambos a Albufeira onde fizeram correr os “banhos” com vista à celebração do casamento entre eles.
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Em requerimento apresentado pelo requerente, J (…), datado de 29 de Abril de 1998, dirigido à Conservatória do Registo Civil de Albufeira, constante de fls. 88 e 89, é declarado que: “…o nubente J (…) tem 63 anos de idade e sofre de anomalia psíquica grave e crónica desde há cerca de 24 anos, o que constitui impedimento para contrair casamento (…) Devido à sua doença, que por um lado tanto o deprime como impele a decisões irreflectidas tomadas em períodos de optimismo, e por outro lado diminuiu as suas capacidades, delegou a gestão dos seus bens aos seus familiares, já desde há longos anos…” Q) Pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira correu os seus termos o processo de impugnação de casamento com o n.º 169/98, em que era requerente J (…) e requeridos o ora requerido e M (…).
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No âmbito de tal processo judicial, em 25.06.98, foi proferido um despacho, que consta a...
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