Acórdão nº 1709/12.1TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA DOMINGAS SIM |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório A... SA, NIF (...), com sede na Rua (...), Porto, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B...
, residente na Rua (...), Marinha Grande, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 937.318,39 (novecentos e trinta e sete mil, trezentos e dezoito euros e trinta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora contados da citação e até integral pagamento.
Em fundamento alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no dia 07.03.2009 na Estrada da Mata Nacional, S. Pedro de Moel, no qual foi interveniente o veículo com a matrícula (...)SN, na altura conduzido pelo réu. Tal acidente deveu-se a culpa do demandado, que conduzia, não só sob o efeito de substâncias psicotrópicas, como também com uma taxa de alcoolemia de 1,49 g/l, do que resultou a perda de controlo da viatura e consequente despiste, tendo entrado na berma e colidido com dois eucaliptos.
Mais alegou que na ocasião seguia como passageiro no referido veículo C...
, o qual sofreu lesões das quais resultaram gravíssimas sequelas, danos que a autora, na qualidade de seguradora para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação em que a viatura SN fosse interveniente, tem vindo a suportar, no que despendeu já o montante de € 937 318,30. Dado que o réu conduzia sob influência do álcool e também de substâncias psicotrópicas, assiste à demandante o direito de regresso que aqui pretende exercer.
* Regularmente citado, o réu contestou, peça na qual, defendendo-se por excepção, invocou a sua ilegitimidade para a causa e a prescrição (erroneamente qualificada como caducidade) do direito que a autora pretende fazer valer, por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data do acidente.
Em sede de impugnação, negou corresponder à verdade a versão do acidente apresentada pela autora, alegando ter sido obrigado a guinar o veículo para a berma por lhe ter surgido um veículo que circulava em contramão, não havendo outra forma de evitar a colisão frontal. E foi a execução desta manobra de recurso que o fez perder o controle do veículo, vindo a embater no eucalipto ali existente, sem que nenhuma culpa lhe possa ser assacada.
Mais negou que conduzisse sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas ou que a sua condução tivesse sido afectada, condicionada ou perturbada por tal estado, antes tendo o acidente ficado a dever-se à conduta culposa de terceiro, conforme descreveu.
Por último impugnou, por desconhecimento, os pagamentos invocados pela autora, concluindo pela improcedência do pedido formulado.
* A autora replicou, pugnando pela improcedência da aludida excepção peremptória.
* Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a legitimidade das partes e julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição, prosseguindo os autos com a selecção dos factos assentes e organização da base instrutória. Reclamou o réu daquela primeira peça, com fundamento na circunstância de ter impugnado o modo como ocorreu o acidente (cf. fls. 249), reclamação que veio a ser indeferida nos termos do despacho proferido a fls. 289.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que, na parcial procedência do pedido, condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 936.378,69 (novecentos e trinta e seis mil, trezentos e setenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora contados da citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com o decidido, apelou o réu e, tendo apresentado alegações, indiferente ao comando do n.º 1 do art.º 639.º, rematou-as com 91 conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes: i. A decisão de indeferir a reclamação apresentada contra a selecção dos factos assentes não se mostra nem correcta, nem legal, uma vez que o réu, na contestação apresentada, negou os artigos 1.º a 5.º da petição inicial, nomeadamente quanto à data, local, dinâmica do acidente, autoria, facto ilícito, relação entre facto e danos, etc., tal como impugnou os documentos que acompanhavam aquela peça processual; ii. A matéria alegada nos art.ºs 6.º, 8.º e 20.º da contestação não serve -nem o sentido pretendido pelo recorrente era esse- para aferir que era este quem conduzia a viatura, seguindo o C... no banco traseiro; iii. O Tribunal interpretou extensivamente a matéria alegada pelas partes, sendo certo que não era aquele o sentido nem o significado que se pretendia; iv. A matéria constante da al. C), por validamente impugnada, deveria ter sido objecto de instrução, requerendo-se que seja levada à base instrutória; v. A Mm.ª juiz “a quo” não fundamentou a sua decisão, nem de facto, nem de direito, o que acarreta a nulidade do despacho recorrido, que se mostra ainda violador do disposto nos art.ºs 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da CRP; vi. O Tribunal errou na apreciação da prova produzida, tendo dado erradamente como provada a matéria vertida nos pontos 2), 4), 5), 6), 7), 8) e 9) da sentença; vii. No que diz respeito aos factos constantes dos pontos 2), 4), 5), 6) e 7) da factualidade provada – ou seja, no que à dinâmica do acidente diz respeito – a prova que foi sendo realizada no decurso do processo, nomeadamente os documentos juntos e o confronto desses mesmos documentos com as testemunhas, impunham decisão diversa daquela que veio a ser proferida; viii. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas F... e G..., nas passagens que identifica, resultou que o primeiro, guarda da GNR participante, não presenciou o acidente, não assumindo a participação ou o seu depoimento valor probatório para que, com base neles, se dêem como assentes os pontos de facto impugnados; ix. A Mm.ª juiz “a quo”, apesar de “referir” que aproveitou o teor do auto para a prova dos factos supra referidos, não revelou em que sentido o aproveitou, de que forma completou e/ou complementou a sua análise com os depoimentos das testemunhas, sendo que o único sentido interpretativo que se pode retirar do documento em análise é o de que o participante não falou com ninguém (nem com o recorrente) para elaborar o auto nos termos em que o fez; x. Conjugando as declarações do participante com o auto de participação elaborado por si, dúvidas não existem que o participante nada sabia sobre o acidente, da dinâmica do “despiste” (palavra do participante), dos intervenientes, etc.; xi. Não poderia a Meritíssima Juiz “a quo” ter entendido que o documento em análise, conjugado com o depoimento que acima se transcreveu era bastante para provar os factos ora impugnados – no que à dinâmica e autoria do acidente diz respeito; xii. Por ausência de prova testemunhal ninguém sabe como sucedeu o acidente, o sentido a que seguia da viatura, a que velocidade do mesmo, etc.; xiii. Os dados recolhidos não são suficientes para se fazer um juízo de “prognose póstuma”; xiv. A Meritíssima Juiz “a quo” fez uma errada interpretação da prova, interpretando “extensivamente” o que não se disse e o que não se conhece, sem ter fundamentos ou factos para tal.
xv. Quanto aos factos que têm a ver com a ingestão de produtos estupefacientes e álcool por parte do recorrente, e a sua influência na alegada condução do veículo -factos 8. e 9.- também foram erroneamente interpretados pela Meritíssima Juiz “a quo”; xvi. A prova obtida pelo depoimento de testemunha H...(médico com formação em medicina legal, que realiza perícias e peritagens para a Autora, e daí aufere rendimentos) não é, nem de perto nem de longe, suficiente para se chegar à conclusão que supra se transcreveu; xvii. A Meritíssima Juiz “a quo” apenas se aproveitou do que foi dito para um sentido, apenas para fundamentar o que de melhor lhe aprouvesse, “deixando de fora” outros factos depostos pela referida testemunha; xviii. Do depoimento da testemunha supra referido, apenas se pode retirar o que se pode ler do teste toxicológico: que foi realizado foi às 11:45 horas, e nessa hora os valores terão sido os que constam das tabelas; xix. Não se pode retirar que à hora do acidente o recorrente era portador de uma taxa de alcoolemia superior a 1,49 g/l; xx. Por ser possível: o recorrente ter ingerido bebidas alcoólicas após o acidente e antes da realização do teste, ou ter ingerido bebidas antes do acidente e continuar a ingeri-las após; a colheita de sangue ter sido mal feita; o recorrente ter problemas cardiovasculares que não possibilitem a perda de álcool circulante nos termos normais, etc.; xxi. O recorrente impugnou, por não corresponder à verdade, o exame toxicológico junto aos autos e não foi através do depoimento do Dr. G...
que o relatório “venceu” a impugnação de que foi alvo; xxii. O Tribunal errou quando decidiu pela existência de um nexo de causalidade entre a condução sob influência do álcool e o acidente; xxiii. Para a procedência do direito de regresso contra o alegado condutor por ter alegadamente agido sob influência do álcool, exige-se, pois, a alegação e prova pela autora do nexo de causalidade adequada entre o estado de etilizado e o acidente de que resultaram os danos, segundo a melhor interpretação do artigo 27.º, n.º 1, alínea c) do DL nº 291/2007, de 21/8; xxiv. Não tendo sido o aqui Réu o condutor mas, se numa mera hipótese académica assim o fosse, nenhum facto alegado permite afirmar, em concreto, a interferência da alcoolemia no processo do sinistro; xxv. A acrescer a este facto há a registar que está dado como provado que o estado da via é “em betuminoso, em mau estado de conservação e com uma largura de 5,60 m” – vide nº 3 dos factos provados; xxv. Provado também ficou, independentemente do sentido a que circulava a viatura, que o local é uma curva seguida de contracurva; xxvi. A Meritíssima Juiz “a quo” em toda a sentença nunca referiu esses factores, ou seja, “esqueceu-se” de referir os elementos externos à condução, devendo o Tribunal de recurso debruçar-se sobre a hipótese de se saber se havia a possibilidade de ocorrer o...
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