Acórdão nº 265/13.8TTVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório O autor propôs contra o réu a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do respectivo formulário legal, peticionando que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento pelo réu, com as legais consequências.

Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, o réu apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em suma, que despediu o autor no termo de um procedimento regular e lícito, com justa causa para o efeito radicada em comportamentos do trabalhador que descreve no articulado e que, em seu entender, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Para o caso de vir a ser declarada a ilicitude do despedimento, o réu deduziu incidente de oposição à reintegração do trabalhador que assentou nos factos e correspondentes argumentos também alegados naquele articulado motivador.

O autor contestou e deduziu reconvenção.

Na contestação, alegou, em resumo, que está prescrito um dos factos invocados pelo réu para fundamentar o despedimento e que não praticou factos disciplinarmente relevantes e susceptíveis de integrarem o conceito de justa causa de despedimento, razão pela qual deve ser declarada a ilicitude do despedimento.

Por outro lado, considera que deve improceder o pedido de oposição à reintegração do trabalhador.

Consequentemente, em reconvenção, concluiu pela forma que segue: “PROCEDENTE POR PROVADA E, POR VIA DELA, SER DECLARADA A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO DO A., SER JULGADA IMPROCEDENTE A OPOSIÇÃO À REINTEGRAÇÃO, E EM CONSEQUÊNCIA, DEVE O R. SER CONDENADO A : A) REINTEGRAR O A. AO SEU SERVIÇO NO SEU POSTO DE TRABALHO SEM PREJUÍZO DA SUA ANTIGUIDADE E CATEGORIA; B) PAGAR AO A. AS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO; C) SOBRE AS QUANTIAS VENCIDAS E VINCENDAS, PAGAR AO A. JUROS À TAXA LEGAL DESDE A DATA DA CITAÇÃO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.

”.

O réu respondeu para, no essencial, reiterar a versão e entendimento vertidos no articulado motivador e, consequentemente, pugnar pela improcedência da reconvenção.

Saneado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Face ao exposto, declaro lícito e regular o despedimento, absolvendo a entidade empregadora do pedido reconvencional.

Custas pelo trabalhador, atento o decaimento integral.

Valor: € 67 110,94.

Registe, notifique e comunique.

”.

Discordando do assim decidido, recorreu o autor, apresentando as seguintes conclusões: […] O réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer – fls. 670 a 678.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, é possível identificar com clareza suficiente que as questões suscitadas e a decidir são as seguintes: 1ª) saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada e se, por isso, deve ser alterada; 2ª) saber se a sentença recorrida padece da nulidade que lhe é assacada pelo recorrente; 3ª) saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção; 4ª) saber se as infracções disciplinares protagonizadas pelo recorrente integram justa causa de despedimento.

*III – Fundamentação A) De facto A.1) A impugnação da decisão relativa à matéria de facto Primeira questão: saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada e se, por isso, deve ser alterada.

A propósito desta questão importa ter presente, antes de mais, o que se escreveu no acórdão desta Relação de 24/1/2013, proferido na apelação 1009/06.6TTLRA.C1, de que foi relator o aqui primeiro adjunto: “Antes de mais importa ter sempre presente que um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento consagrado no artº 655º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto, não se exigindo, portanto, a este Tribunal da Relação que, no âmbito de uma reapreciação da prova produzida na audiência de discussão e julgamento levada a cabo na 1ª instância, procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação de toda a prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento.

Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, e em relação aos pontos concretos objecto de impugnação, tem suporte razoável nos elementos de prova apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de erro de julgamento.

A revisão do Cod. Proc. Civil, operada pelo DL 329/A/95, de 12/2, instituiu, e forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.

A possibilidade de documentação da prova foi introduzida no nosso ordenamento jurídico através do DL nº 39/95 de 15 de Dezembro, com a justificação de assegurar “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais - e seguramente excepcionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto.

Resulta, ainda, do preâmbulo desse mesmo diploma que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

Dentro de tal contexto e do espírito do diploma atrás citado, forçoso é concluir que o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.

Desde logo, porque a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados.

E, por outro lado, também não pode olvidar-se que o controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deixar de respeitar a livre apreciação da prova obtida, na 1ª Instância, com base nos princípios da imediação e da oralidade.

A prova testemunhal é apreciada livremente pelo juiz (artº 396º do C.C. e 655º, nº 1, do CPC) e que, como é sabido, a convicção do julgador forma-se em função da credibilidade que os depoimentos lhe merecem. Quem está em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência é, atento o imediatismo impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, o julgador de 1ª instância, que, por ser quem presencialmente conduz a audiência de julgamento, se encontra numa posição privilegiada para avaliar o depoimento em concreto, captando pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, impossíveis de transparecer pela simples audição das gravações dos depoimentos.

Conforme refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 3ª ed. pags. 273 e ss, “a gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos (...) pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou de influenciar a convicção do juiz ou dos juízes perante quem são prestados. Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores".

Fundamental é que o tribunal, no exercício da sua livre convicção, indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão - tal como impõe o n° 2 do artº 653º do CPC.

Segundo orientação doutrinal e jurisprudencial dominante, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição. Quer isto dizer, segundo refere o Ac. da ReI. de Coimbra de 3/10/2002, Col. Jur. 2002, IV, pag. 27, que o tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. E, no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 13/03/2003, in www.dgsi.pt, considerou que "desprovida do que só a imediação pode facultar, a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade atingida pela instância recorrida".

Neste sentido, igualmente, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 348 e ss, e os Acórdãos da Relação do Porto de 19/09/20000, Col. Jur., Ano XXV, Tomo IV, pag. 186, desta...

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