Acórdão nº 127/06.5TBPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução18 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A (…) instaurou, no Tribunal Judicial de Porto de Mós, acção de anulação com processo ordinário contra A (…) & Filhos, Lda., pedindo que seja declarada a falsidade do instrumento de acta de reunião de assembleia geral de sócios da sociedade Ré lavrada em 14.12.2005 (melhor identificada nos autos) [a)] e, em consequência, declarado o mesmo documento destituído de qualquer força probatória da vontade social da mesma sociedade [b)]; ou, para o caso de assim não se entender, declaradas inexistentes as deliberações tomadas na assembleia de sócios da sociedade Ré realizada em 14.12.2005 e constantes do referido instrumento de acta [c)], ou declaradas nulas as mesmas deliberações [d)] ou serem as mesmas deliberações anuladas [e)].

Alegou, em síntese: a sociedade Ré, constituída em 27.4.1973 e com o capital social de 100 000 000$00 (€ 498 797,90), teve as ocorrências/vicissitudes aludidas na petição inicial (p. i.), nomeadamente o falecimento de dois dos três sócios que a constituíram; na sequência da carta registada de 23.11.2005 que a gerente M (…) remeteu ao A. realizou-se a “reunião” mencionada nos art.ºs 22º e seguintes da p. i., lavrando-se o instrumento de acta de fls. 18 e seguintes, sendo falsa a asserção nele inserida quanto à representação da totalidade do capital social na assembleia de 14.12.2005; consta ainda do mesmo instrumento de acta, a fls. 14 e 16, que o voto da referida M (...) é produzido “atendendo aos termos do art.º 251º do CSC que impedem a votação do restante sócio” (A.), sem que tal situação tenha sido previamente constatada e objecto de deliberação pelo colectivo dos sócios; à data e no presente, não havia nem existe qualquer conflito de interesses entre o A. e a Ré; em 14.12.2005 não estiveram presentes titulares do capital social por forma a poder, a assembleia de sócios da sociedade Ré, ser declarada constituída e em condições de deliberar validamente; as pretensas deliberações tomadas são totalmente inexistentes (porque resultaram de uma assembleia sem quórum constitutivo previamente determinado e identificado na acta), ou nulas (nos termos do disposto no art.º 56º, n.º 1, alínea d), do CSC, por violarem o art.º 7º do pacto social e o disposto no art.º 222º, do mesmo Código) ou anuláveis (nos termos do art.º 58º, do CSC, face aos seguintes vícios constantes da acta: a) não ter comparecido a totalidade do capital social tal como se encontra declarado; b) ter sido atribuída a qualidade de sócia à gerente M (…) sem que tenha sido nomeada representante dos contitulares das quotas sociais indivisas; c) não se mostrarem escrutinados os votos e expresso o respectivo n.º e bem assim o resultado das votações em face do capital social declarado como estando representado; d) não se encontrar expressa a forma de aprovação e/ou rejeição das propostas em relação a cada um dos pontos da Ordem de Trabalhos constante da convocatória subscrita pela gerente M (…)).

A Ré contestou invocando as circunstâncias que, em seu entender, levaram à realização da convocatória e da assembleia que agora se questiona e, ainda, que desde há mais de dez anos que nas assembleias se fez constar como sócios o A. com 50 % do capital social e a herança do J (…) com os outros 50 %, quota que se mantém indivisa, sendo a mesma representada na sociedade pela viúva, M (...), que nessa qualidade foi nomeada gerente e sempre representou a quota em todas as assembleias, o que sempre foi reconhecido, tendo inclusivamente sido feita a respectiva comunicação por escrito à sociedade; aduziu também que a dita deliberação de 14.12.2005 é válida, não correspondendo à verdade o alegado nos art.ºs 31º a 60º da p. i.. Pediu a condenação do A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da Ré, nunca inferior a € 50 000, e concluiu pela improcedência da acção.

O A. replicou suscitando, como “questão prévia”, que a sociedade Ré não se encontra devida e regularmente representada por mandatário forense e, depois, nomeadamente, que a Ré alegou factos estranhos à causa de pedir da acção, as actas anteriores em que é declarado ter estado representada a totalidade do capital social não constituem qualquer facto impeditivo do direito do A. de impugnar as deliberações tomadas na assembleia de 14.12.2005, a Ré e todos os sócios tiveram conhecimento da autoria da proposta de compra do prédio pela sociedade Rolândia, Lda., e que se deixam impugnados todos os factos alegados na contestação e estranhos aos factos fundamentadores e caracterizadores da causa de pedir da acção consubstanciada nos vícios das deliberações constantes da acta da assembleia de sócios da sociedade Ré de 14.12.2005; referiu, ainda, que a Ré deduz contestação cuja falta de fundamento não pode ignorar, o que deve ser avaliado e sancionado. Rematou dizendo que, sem prejuízo da aludida “questão prévia”, e concluindo-se como na p. i., deve a matéria em causa ter-se por não escrita.

Por despacho de 16.02.2007, foi determinada a “notificação da sociedade ré para, no prazo de 10 dias, instruir os autos com procuração forense outorgada pela sócia gerente M (…), nessa qualidade e em sua representação, bem assim com declaração emitida por esta gerente, nesta qualidade e em representação da sociedade ré, com ratificação de todo o processado, sob pena de, não o fazendo no prazo legal, ficar sem efeito tudo quanto haja sido praticado pelo Ilustre mandatário subscritor da contestação (…) nos termos previstos pelo artigo 40°, n.° 2, do Código de Processo Civil”.

O A. agravou do referido despacho, a M (…) juntou aos autos a declaração e a procuração de fls. 251 e 252 e o mencionado recurso foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo; “face ao teor de fls. 251 e 252”, o Tribunal julgou “prejudicado tudo o alegado pelo autor nos pontos 1 a 11 do requerimento em apreciação (de interposição do aludido recurso/fls. 245 a 248)” (fls. 255).

Esta parte do despacho, de 29.3.2007, foi objecto de agravo interposto pelo A. e admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo (fls. 399).

Decidida a reclamação contra a retenção deste recurso e proferido, entre outros, o “despacho-convite” de fls. 515 (com as “respostas” de fls. 519 e 560) e o despacho de fls. 645, de 26.4.2010 - no qual, além do mais, não foi admitida a junção aos autos de certidão apresentada pelo A., considerou-se não escrito parte do alegado pelo A. no requerimento de fls. 622 e não foi admitida a junção aos autos de uma outra certidão apresentada pelo A. (em requerimento junto após a abertura de conclusão) -, o A. agravou deste último despacho, recurso admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

Porque, no ponto prévio à admissão do dito recurso se consideraram “não escritas as considerações tecidas sob os pontos 4 a 6 do requerimento de interposição do recurso porque ultrapassam manifestamente o âmbito do requerimento a que alude o art.º 687º, n.º 1, do Código de Processo Civil (…)”, o A. agravou, de novo, quanto a este segmento, recurso admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

Delimitada a matéria assente e a factualidade controvertida, o A. apresentou reclamação, não atendida, contra essa selecção. Realizada a audiência de discussão e julgamento e tendo sido reconhecida e aceite a irrelevância da factualidade da base instrutória (fls. 904), o Tribunal a quo, por sentença de 19.11.2013, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pelo A..

Inconformado e pugnando pela procedência dos “pedidos deduzidos” na p. i., o A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: (…) Foram violados os art.ºs 54º, 59º, 63º, 197º, 199º, 222º, 223º, 224º, 248º, 249º, 251º e 385º, todos do Cód. das Sociedades Comerciais; 363º, 369º, 370º, 372º e 1407º, do Código Civil; 5º e 611º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Foram mantidas todas as decisões sob censura (fls. 1060) e indeferidas as “nulidades da sentença” invocadas pelo recorrente (fls. 1061-A). Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir: a) conhecimento dos agravos, pela ordem da sua interposição, recaindo o primeiro (despacho de 16.02.2007) sobre a problemática da representação da sociedade Ré em juízo; b) se a resposta à questão colocada no dito agravo prejudica o conhecimento das restantes questões, inclusive, das relativas à validade das deliberações sociais da assembleia geral de 14.12.2005 (designadamente, se a acta em causa foi elaborada de acordo com a lei; se compareceu e esteve representada a totalidade do capital social da Ré; se existe impedimento de voto do A., por conflito de interesses).

* II. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[1]

  1. A sociedade comercial "A (…) & Filhos, Lda." está matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Batalha sob o n.º 395/931202, tem como objecto a indústria de curtumes, comércio de couros curtidos e seu armazenamento, tendo sido sócios J (…), A (…) e AM (…) e tendo pertencido a gerência aos sócios J (…) e A (…), com quotas de 49 970 000$00, quanto aos dois primeiros, e de 60 000$00 quanto ao terceiro. [A)] b) A quota que pertencia a A (…) foi transmitida a favor AM (…) de J (…), por partilha da herança, cf. Ap.18/931202. [B)] c) Por falecimento em 06.3.1995, foi destituído da gerência J (…) cf. Ap.0l/950420, tendo ocorrido transmissão da quota que lhe pertencia de 49 970 000$00 sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), A (…) e J (…) como ocorreu transmissão de 1/2 da quota de 60 000$00 sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), A (…) e J (…)por dissolução, por óbito, da comunhão conjugal e sucessão, cf. Ap. 43/011217. [C)] d) Na sequência dos...

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