Acórdão nº 1574/08.3PEAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Juízo de Média Instância Criminal – Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga o Ministério Público, requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem imputou a prática de um crime de detenção de arma de defesa fora das condições legais, p. e p. pelos arts. 86º, nºs 1, c) e 2 e 3º, nº 4 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nºs 1, d) e 3º, nº 2, g), da mesma lei.

Por sentença de 6 de Julho de 2010, foi o arguido condenado, pela prática dos imputados crimes, nas penas de 2 anos de prisão e de 10 meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão.

* Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – Quanto ao exame crítico das provas que permitiram dar como provados os crimes de que o arguido vinha acusado, a douta sentença limita-se a afirmar: - "Provado que tal arma não se encontrava registada e que o arguido não possuía licença válida para uso e porte da mesma, ter-se-á de concluir pela prática de tal crime." e - "Ora, é obvio que tal instrumento pode ser usado como arma de agressão." 2 – Tais afirmações, são insuficientes para o preenchimento do requisito legal da fundamentação contida no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, porquanto não permitem reproduzir o processo decisório do julgador, designadamente o motivo de ter valorado ou desvalorado determinado meio de prova.

3 – A sentença recorrida, na sua fundamentação, não faz qualquer alusão aos factos considerados como não provados. Restando-nos assim a dúvida se todos os factos alegados, com interesse para a decisão, foram apreciados.

4 – Termos em que por falta de fundamentação nos termos alegados, deve a sentença ser considerada nula, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, nulidade que deverá ser declarada com as legais consequências.

5 – Finalmente, entendemos também que o aresto, ora em crise, violou os preceitos legalmente consagrados nos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal, na justa medida em que, a pena aplicada ao arguido é excessiva e desproporcional, ultrapassando a medida da culpa e na medida em que se opta por não suspender a execução da pena de prisão ao arguido.

Estamos em crer, salvo melhor opinião, que estão preenchidos os requisitos mínimos necessários à suspensão da execução da pena de prisão, quando muito, na pior das hipóteses podia o tribunal ter optado pela suspensão. sujeitando o arguido a acompanhamento. deveres ou regras de conduta, que se requer.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, nos termos mencionados nas conclusões, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público alegando que a sentença contém a exposição do raciocínio lógico seguido na decisão não sendo nula por falta de fundamentação, que as penas decretadas atenderam à gravidade dos factos e aos antecedentes do arguido, tendo sido criteriosamente ponderadas, que o passado criminal deste determina fortes exigências de prevenção especial, impeditivas da suspensão da execução da pena de prisão e conclui pelo não provimento do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aderindo aos fundamentos da contramotivação do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são: - A nulidade da sentença; - A excessiva medida da pena de prisão e a suspensão da respectiva execução.

Oficiosamente, haverá que conhecer da questão da qualificação jurídica dos factos com referência ao concurso de crimes (cfr. Acs do STJ de 25 de Fevereiro de 2009, proc. nº 09P0097, in www.dgsi.pt e de 4 de Outubro de 2001, in CJ, S, IX, III, pág. 178).

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos [com numeração por nós aposta]: “ (…).

    1. No dia 12 de Julho de 2008, pelas 2h30m, no Largo do Mercado Manuel Firmino, nesta cidade de Aveiro, o arguido tinha na sua posse uma pistola de defesa, sem marca, nem número, de calibre 6,35mm e duas munições do mesmo calibre.

    1. A referida arma de defesa não se encontra registada, nem manifestada.

    2. O arguido não possui licença válida para uso e porte de arma da classe B1, nem de detenção domiciliária da mesma.

    3. Além disso, o mesmo detinha no interior do seu veículo de matrícula não apurada, um bastão em madeira de cor castanha, com a inscrição “Quita Manias”, objecto cujas características estão melhor descritas no auto de exame directo de fls. 23 e 24.

    4. Tal objecto, sem aplicação definida, tem potencialidade de utilização como arma de agressão letal.

    5. As armas foram apreendidas ao arguido na sequência de o mesmo, após uma discussão, se ter dirigido à sua viatura e daí ter retirado a pistola apreendida.

    6. Após, e com a mesma, efectuou um disparo para o ar, apontando-a em seguida na direcção da testemunha C....

    7. Na circunstância descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido deter a referida arma sem estar registada e manifestada e sem a respectiva licença. O mesmo também sabia não lhe ser permitido deter o referido objecto, por ser uma “bastão”, que tem como finalidade a utilização como arma de agressão.

    8. O arguido não se absteve de praticar os factos descritos, mesmo sabendo que são proibidos e punidos por lei.

    9. O arguido foi já condenado - na pena de cúmulo de 3 anos de prisão pela prática de dois crimes de roubo e de dois crimes de ameaças, remontando os factos a 27 de Abril de 2002 e a decisão a 04/12/2002; - em pena de multa pela prática de um crime de furto, remontando os factos a 21/01/2002 e a decisão a 17/02/2003; - na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, remontando os factos a 28/01/2003 e a decisão a 29/01/2005; - na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de roubo, remontando os factos a 05/05/2002 e a decisão a 18/03/2004; - na pena de um ano de prisão suspensa por um ano, remontando os factos a 29 de Dezembro de 2008 e a decisão a 20/01/2009; 11. O arguido ausentou-se para o estrangeiro, tendo paradeiro incerto.

    (…)”.

    B) Dela consta a seguinte motivação de facto: “ (…).

    O tribunal fundou a sua convicção: No auto da apreensão de fls. 07; Nas fotografias de fls. 13 a 17 No auto de exame de fls. 23 e 24 No CRC junto aos autos; - no depoimento das testemunhas B..., agente da PSP e C..., sendo que ambos presenciaram os factos.

    Afirmaram que o arguido se envolveu em discussão com um terceiro, e na sequência dessa discussão se dirigiu à sua viatura com a intenção de ir buscar uma arma de fogo. A testemunha C... apercebeu-se dessa intenção e seguiu o arguido a fim de evitar que este concretizasse os seus intentos.

    Quando chega próximo do arguido o mesmo já tinha o revólver na mão, tendo disparado um tiro para o ar e apontando em seguida a arma na sua direcção.

    Nessa altura chega também a testemunha B... que se identifica como polícia, acabando o arguido por lhe entregar a arma.

    Mais disse esta testemunha que na viatura do arguido se encontrava também o bastão identificado na acusação.

    Quanto às condições pessoais do arguido fundou-se a convicção do tribunal na informação constante de fls. 85 e na informação prestada pela polícia e constante da acta.

    (…)”.

  2. E a seguinte fundamentação de direito: “ (…).

    II – DO DIREITO O arguido vem acusado da prática de dois crimes de detenção de arma proibida, O primeiro p.p. pelo art. 86º n.º 1 c) e nº 2 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao artº 3º, nº 4 do mesmo diploma legal; O segundo p.p. pelo art. 86º n.º 1 d) e 3º, nº 2, al. g) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, do mesmo diploma legal; Relativamente ao primeiro estabelece o art. 86º c) que é punido “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer outro meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo” (…), além de outros “ armas das classes B, B1, C e D”.

    O n.º 2 acrescenta que a detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui para efeitos do n.º anterior, detenção de arma fora das condições legais.

    Ora, foi apreendida ao arguido uma arma de classe B1, as quais, enquadrando-se no art. 3º n.º 4 da Lei 5/2006, só...

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