Acórdão nº 2741/11.8TBPBL-I.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Forma de julgamento do recurso.

Dado que a questão objecto da impugnação – que nem sequer obteve resposta – é simples, declaro que o recurso será julgado, liminar, singular e sumariamente (artºs artºs 652 nº 1 e 656 do CPC do nCPC).

II.

Julgamento do recurso.

  1. Relatório.

    No processo de insolvência de E... – que corre termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal – o Sr. Administrador da Insolvência, Dr. ..., obteve, para a venda executiva, por negociação particular, da metade da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão, destinado a comércio, e armazém na cave, do prédio urbano localizado na ... – de que M... é comproprietária – duas propostas, pelo preço de € 5 000,00 e € 10 000,00, respectivamente, tendo aceitado esta última.

    O Sr. Administrador da Insolvência notificou, por carta registada com aviso de recepção expedida no dia 2 de Janeiro de 2014, para o Exmo. Advogado constituído da comproprietária, M..., Dr. ..., da aceitação daquela proposta, para aquela exercer, no prazo de 8 dias, o seu direito de preferência.

    O Sr. Administrador da Insolvência foi notificado, no dia 9 de Janeiro de 2014, do exercício por M... e cônjuge, do exercício da preferência, que, no mesmo acto, procederam ao envio do cheque no valor de € 2.000,00, correspondente 20% do preço.

    O Sr. Administrador da Insolvência procedeu, então, à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 10 de Fevereiro de 2010, pelas 11h00, na ..., data que comunicou à comproprietária, na pessoa do seu Exmo. Advogado, no dia 21 de Janeiro do mesmo mês.

    Entretanto, C... – filha da insolvente – atravessou, no dia 24 de Janeiro, um requerimento – que instruiu com a respectiva certidão de nascimento e com um cheque no valor de € 10 000,00 emitido à ordem da massa insolvente - dirigido ao Sr. Juiz de Direito, no qual declarou vir exercer, naquela qualidade, ao abrigo do disposto no artº 842 do C.P.C., o direito de remição, direito cujo reconhecimento pediu.

    Notificado deste requerimento, o Sr. Administrador da Insolvência, por carta registada no correio, no dia 6 de Fevereiro de 2014, com aviso de recepção, devolveu, por cheque emitido a favor da comproprietária, M..., enviado ao respectivo Mandatário, a quantia de € 2 000,00.

    Enfim, o Sr. Juiz de Direito, por despacho de 9 de Abril de 2014, com fundamento, designadamente, em que o exercício do direito de remição é perfeitamente extensível a este processo de insolvência de pessoa singular, se tivermos em consideração os fundamentos que presidiram à criação da própria remição, e que o direito de remissão exercido se mostrava válido, legal, tempestivo, preenchendo todos os requisitos legalmente previstos, deferiu o mesmo.

    É, justamente, esta decisão que M... impugna através do recurso ordinário de apelação – no qual pede a sua alteração, se considere como não verificados os pressupostos para o exercício do direito de remissão da filha da insolvente e lhe seja adjudicada a metade do imóvel – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: 1ª À comproprietária e credora, foi reconhecido e decidido pelo Sr. Administrador no exercício das suas funções e competências, o direito de preferência na aquisição de 1/2 da indicada fracção em causa, após diversas tentativas de vendas, por proposta em carta fechada.

    1. Em face da mesma, a preferente entregou através de saque, e conforme instruções do Sr. Administrador, o valor de € 2 000,00 e pagou o valor de IMT, disponibilizando o valor de € 8 000,00, para o restante pagamento do preço e a entrega na data e hora designada para a outorga da escritura, pelo mesmo marcada, pelo Administrador da Insolvência no Cartório de Leiria.

    2. Surpreendentemente e, sem qualquer efectiva entrega de qualquer valor ou saque a favor da mesma insolvente, a pretensa filha da insolvente, exercer o direito de remissão.

    3. In casu, não estamos em situação de venda em processo executivo. Além do mais.

    4. Não entregou o IMT, nem 5% do valor adicional.

    5. À mesma filha da insolvente não assiste o direito de remissão, dado o património da massa insolvente constituir personalidade.

    6. A entrega de cheque, por si só, não é posto em crise, nem consubstanciado um pagamento e, em si o valor integral e do acréscimo legal judiciário próprio numa relação parental de mãe para filha, prevista no artº 842º do CPC e artº 912 do CPC.

    7. A pretensa requerente remitente não exerceu nenhum direito nem o mesmo lhe assiste nem foram preenchidos os requisitos legais exigidos.

    Não foi oferecida resposta.

  2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Os factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso – relativos à titularidade, pela recorrente, de uma quota no bem imóvel objecto da venda executiva, ao exercício por esta do direito de preferir, à data designada para a realização daquela venda, ao vínculo jurídico-familiar da pessoa que se apresentou a remir, à data do oferecimento do respectivo requerimento e ao pagamento do preço proposto – são os que, em síntese apertada, o relatório documenta.

  3. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O objecto do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados na instância recorrida; pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante; pelo próprio recorrente que pode, expressa ou tacitamente, limitar esse objecto, quer no requerimento de interposição do recurso, que nas conclusões da sua alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).

    Nestas condições, tendo em conta a vinculação temática desta Relação ao conteúdo da decisão impugnada e à impugnação da recorrente, a questão concreta controversa que importa resolver é apenas uma: a de saber se se verificam, na espécie sujeita, os pressupostos do exercício do direito de remição.

    Problema cuja resolução traz implicada o exame, ainda que leve, do fundamento final daquele direito, do modo e tempo do seu exercício e da admissibilidade da sua actuação no processo de insolvência.

    3.2.

    Fundamento final do direito de remição, modo e tempo do seu exercício e admissibilidade da sua actuação no processo de insolvência.

    O direito de remição em torno do qual gravita a controvérsia – que consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução[1] - tem raízes profundas no nosso sistema jurídico, que remontam às Ordenações e que, com ligeiras variações quanto ao leque dos familiares em que era encabeçado e à natureza dos bens sobre que podia ser exercitado, foi mantido desde o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832 (artº 153), passando pela Reforma Judiciária de 1837 (artº 248), pela Novíssima Reforma Judiciária (artº 602), pela Lei de 16 de Junho de...

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