Acórdão nº 61/14.5TBSBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução07 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Instaurada pela Massa Insolvente de G (…) & G (…) Lda.

, a presente execução com processo ordinário contra I (…) e M (…) com base numa “Confissão de dívida”, assinada pelos executados, datada de 04 de Abril de 2012, pelo juiz a quo foi proferido despacho a indeferir liminarmente a execução por falta de título, com fundamento em que, instaurada a presente execução em data posterior à entrada em vigor do Lei nº 41/2013, o acordo extrajudicial dado à execução não integra qualquer uma das categorias previstas no artigo 703º do CPC: Inconformada com tal decisão, a exequente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: A. Serve de título à presente execução um documento particular, assinado pelos devedores, que, não obstante a entrada em vigor novo Código mantém, a sua força executiva.

  1. Por força do artigo 6º, nº. 3 da Lei que aprovou o novo CPC, ainda que interpretado extensivamente, os títulos executivos que face ao antigo CPC tinham força executória, não perdem esse valor com entrada do novo CPC.

  2. A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos, quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

  3. A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível.

  4. Se, à data em que tais documentos foram constituídos os mesmos eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Assim, a alteração da ordem jurídica não era de todo algo com que se pudesse contar.

    Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46ºdo velho código, tivessem uma legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito.

  5. Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703º do novo Código de Processo Civil, a títulos anteriormente tutelados com a característica da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas.

  6. Se a nova lei se aplicar aos documentos particulares validamente constituídos antes da data da sua entrada em vigor, existirão certamente situações em que o credor, mesmo sabendo que a partir de 31 de agosto de 2013 já não pode utilizar aquele documento para intentar a respetiva ação executiva, nada poderá fazer porque o cumprimento da obrigação está, por exemplo, fixado para um momento posterior à data da entrada em vigor da nova lei, H. As expectativas dos credores (de que os documentos particulares com que se muniram eram já ou poderiam ser títulos executivos) não eram simples expectativas futuras, mas verdadeiros interesses legítimos dignos de tutela.

    I. A retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos teve dois objetivos em vista: (i) diminuir o número de ações executivas; (ii) criar medidas para agilizar o processo executivo, libertando o mesmo de identificadas causas de protelamento e complexidade (v.g. oposições à execução).

  7. Ora, as razões de interesse público subjacentes à opção da retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos, não prevalecem, do nosso ponto de vista, sobre as legítimas expectativas individuais geradas pelo próprio ordenamento jurídico.

  8. Ponderando-se os dois interesses em confronto – os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas a fim de organizarem os seus planos de vida, evitando-se o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas; o interesse público preocupa-se com a transformação da ordem jurídica de modo a adaptá-la o mais possível às necessidades sociais – o método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa» (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 862/13 e n.º 287/90).

    L. Em suma, consideramos que a...

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