Acórdão nº 527/13.4T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução07 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. ME (…) intentou a presente acção ordinária, na Comarca do Baixo Vouga, contra M (…), S. A., pedindo, com fundamento num acidente de viação provocado por uma viatura segurada na Ré, do qual resultou o falecimento do seu filho J (…) que a demandada fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 86 243, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

A Ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pela A. e sustentando que o sinistro se deveu, apenas, à actuação do sinistrado.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto, desatendendo-se a reclamação da Ré de fls. 69.

Realizada a audiência de discussão e julgamento (iniciada a 28.11.2013/fls. 111), o Tribunal a quo julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: 1ª - A A./recorrente, não só não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne às respostas positivas aos n.ºs 26º, 27º, e 28º, e negativas aos n.ºs 1º e 4º, da base instrutória (b. i.), como não pode deixar de discordar, com a sua fundamentação, por se afigurar que a análise dos documentos juntos aos autos, conjugada com os depoimentos das testemunhas, impunha, necessariamente, outro tipo de conclusões.

  1. - Sem prescindir entende a recorrente que mesmo tendo em consideração os factos que foram considerados provados, a decisão de direito deve ser alterada.

  2. - Mesmo a admitir-se, em parte, uma actuação imprudente do sinistrado, sempre o condutor do veículo – a quem se exige, como a um condutor médio, que seja avisado, prudente e cuidadoso – ao ver uma pessoa a atravessar a rua podia e devia – querendo – afrouxar e evitar o embate.

  3. - A culpa do condutor do veículo é consideravelmente superior, porque não é pelo facto de um peão não observar rigorosamente o dever prévio de cautela, no atravessamento de uma via, que ele fica dispensado dos cuidados exigíveis na condução, nomeadamente controlando a velocidade de modo a que, atentas as respectivas condições físicas e as características do veículo, o pudesse imobilizar antes de embater no sinistrado.

  4. - Não pode concluir-se que o acidente é unicamente ou exclusivamente imputável ao peão, e que o veículo automóvel foi para ele indiferente, isto é, que a sua típica aptidão para a criação de riscos não contribuiu para a eclosão do acidente.

  5. - A ilicitude não se confunde nem se identifica com a culpa, devendo, em cada caso, ser interpretada e analisada consoante as circunstâncias de tempo, modo, lugar e dinâmica dos veículos, tal como o grau de exigência a cada um dos intervenientes no acidente.

  6. - Tudo ponderado é equilibrado estarmos perante um caso em que é aplicável o disposto no art.º 570º, do Código Civil.

  7. - Na fixação da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, depois de determinado o seu valor, de acordo com a equidade, deve fazer-se funcionar o critério da repartição do dano, nos termos do mesmo art.º.

  8. - Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram correctamente observados e aplicados, e mostram-se, por isso, violados, os art.ºs 570º, 487º, 494º, 496º, 499º e 562º, do Código Civil, e os art.ºs 13º/1, 24º/1 e 25º/1, alíneas c) e f), do Código da Estrada.

Conclui depois pela revogação da sentença e a condenação da recorrida no pedido, ainda que parcialmente.

A Ré respondeu à alegação da recorrente e concluiu pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, primeiro, se a recorrente cumpriu os requisitos da impugnação da decisão de facto; depois, se outra poderá ser a decisão de mérito.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) A A. é mãe do falecido J (…) e é a sua única herdeira. (A) b) No dia 21.5.2011, cerca das 15.30 horas, na Rua do Paçô, em Válega, Ovar, ocorreu um acidente de viação, que se traduziu num atropelamento, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Ford, matrícula (...)SE e o falecido J (...). (B) c) O veículo pertencia a M (…) e era conduzido por este, no momento do acidente. (C) d) O (...)SE circulava no sentido poente/nascente, pela hemifaixa direita da faixa de rodagem. (D) e) Na faixa contrária, e também em sentido contrário circulava um outro veículo. (E) f) O local em que se deu o acidente situa-se dentro de uma localidade. (F) g) Nesse local não existem bermas, passeios nem passadeira para peões. (G) h) O proprietário do (...)SE transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidentes causados com o referido veículo para a Ré, através da apólice n.º 4101160000056/6. (H) i) Correram termos na Comarca do Baixo Vouga, nos serviços do Ministério Público de Ovar, sob o n.º 8313/11.0TDPRT, uns autos de inquérito nos quais foi proferido o despacho de arquivamento cuja cópia se encontra junta de fls. 45 a 51. (I) j) O falecido J (…), proveniente da residência com o n.º 579, do lado direito do (...)SE, foi atropelado por este. (resposta ao art.º 1º) k) O embate ocorreu na faixa de rodagem do (...)SE e foi de tal forma violento que projectou o J (…) numa distância de 12,30 metros (onde ficou uma poça de sangue). (2º) l) A faixa de rodagem tem 5,50 metros de largura e a visibilidade é boa. (resposta ao art.º 3º)[1] m) Em virtude da gravidade dos ferimentos do J (…) foi o mesmo transportado pela viatura médica de emergência (VMER) do Hospital S. Sebastião para o Hospital de Santo António no Porto. (8º) n) O J (…) deu entrada no Hospital no dia 21.5.2011, politraumatizado, e ficou internado no serviço de cuidados intensivos. (9º) o) O J (…) foi transportado ao Serviço de Urgência do Hospital de Santo António e aí deu entrada no dia 21.5.2011, sendo dado como falecido no dia 31.5.2011. (resposta ao art.º 10º)[2] p) Falecimento que ocorreu em virtude de ter sofrido, na sequência do acidente, um traumatismo craneoencefálico grave. (11º) q) Tendo sido submetido a intervenção neurocirúrgica no Hospital de São João. (13º) r) A A. despendeu com o funeral, flores, coroas e luto a importância de € 1 243. (15º) s) A A., mãe do J (…) sentiu-se muito mal quando teve conhecimento do acidente e posterior morte do filho. (16º) t) Este, sendo solteiro, residia com a mãe, viúva, e contribuía para o seu sustento e era o seu amparo. (17º) u) A morte do J (...) lançou esta, irmãos e restantes familiares em grande consternação e profunda mágoa, ficando extremamente angustiados. (18º) v) O falecido era um homem educado, filho “bom e amigo”, tendo a A. sofrido profunda dor com a sua perda. (19º) w) Esta família sempre foi muito unida e o relacionamento entre a vítima e a mãe muito bom. (20º) x) A via rodoviária onde ocorreu o sinistro é de traçado recto, com ligeira inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do veículo automóvel. (21º) y) A faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido de tráfego, com a largura global de 5,50 metros, sem qualquer tipo de sinalização vertical e horizontal e sem marcas rodoviárias no piso. (resposta ao art.º 22º) [3] z) O piso é betuminoso e encontrava-se em regular estado de conservação. (23º) aa) Fazia bom tempo e a superfície da estrada encontrava-se seca e limpa. (24º) bb) Nas sobreditas circunstâncias de lugar e tempo, o (...)SE circulava a cerca de 50 cm da berma direita, atento o seu sentido de marcha. (25º) cc) Seguia a uma velocidade aproximada de 40/50 km/h. (26º) dd) Quando, subitamente, o falecido, proveniente da residência n.º 579, invadiu a faixa de rodagem da referida artéria, realizando o seu atravessamento a passo de corrida, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, com destino a um veículo automóvel de caixa aberta que aguardava na faixa de rodagem, no sentido nascente/poente. (27º) ee) Sem previamente se deter e olhar para a sua esquerda e direita para verificar se nenhum veículo se aproximava do local. (28º) ff) Indo embater na lateral esquerda do veículo segurado. (29º) gg) O condutor do veículo ligeiro de passageiros, accionou de imediato os órgãos de travagem, deixando assinalados na faixa de rodagem um rasto de travagem de 2,90 metros de extensão, de um dos rodados (resposta ao art.º 30º)[4] hh) Não obstante, não conseguiu evitar o embate com a parte da frente do veículo automóvel na vítima em virtude de não poder efectuar manobras evasivas por, naquele momento, e no sentido contrário ao dele, se encontrar parada a viatura referida em II. 1. dd). (resposta ao art.º 31º) [5] 2. E deu como não provado: a) Que o veículo ligeiro de passageiros surgiu de forma repentina, quando o peão já se encontrava a atravessar a rua. (parte do art.º 1º) b) O referido veículo circulava a pelo menos 60 km/h. (4º) c) O veículo circulava a uma velocidade aproximada de 90/100 km/h. (5º) d) E o respectivo condutor conduzia completamente desatento. (6º) e) O condutor reconheceu mesmo a familiares da vítima a sua responsabilidade/culpa no acidente. (7º) f) O J (...) manteve-se consciente após o acidente. (12º) g) No período decorrido entre o momento do acidente e o falecimento o J (...) sentiu a angústia da morte. (14º) 3. Seguiu-se a “motivação” de fls. 129 a 131.

  1. Cumpre apreciar e decidir com a necessária...

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