Acórdão nº 497/10.0GBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução15 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 497/10.0GBOBR da Comarca do Baixo Vouga – Oliveira do Bairro – Juízo de Instância Criminal foi o arguido A...

, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, por referência aos artigos 132.º, n.º 1, alínea a), e 144.º, alínea b), todos do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 02.04.2014, depositada na mesma data, o tribunal decidiu [transcrição parcial]: «1. Absolver o arguido A... pela prática do crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e artigo 132.º, n.º 1, al. a) e 144.º, al. b) todos do Código Penal, de que se encontrava acusado; 2. Condenar o arguido A... pela prática do crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144.º, al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva».

  2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144.º, al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva; 2. A moldura penal do tipo de crime de ofensa à integridade física grave prevê a aplicação da pena de prisão de 2 a 10 anos (cfr. art. 144º do C. Penal); 3. É da medida da pena aplicada pelo Douto Tribunal a quo que se discorda.

  3. O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova pericial, documental, Certificado de Registo Criminal, relatório social e relatório médico-legal; 5. Na análise da prova pericial, nomeadamente do relatório médico – legal, a Meritíssima Juiz a quo entendeu que a patologia detectada ao arguido, face aos factos provados em que se envolveu, não permitiam sustentar um qualquer juízo de imputabilidade diminuída que levasse a uma diminuição da ilicitude; mas por outro lado, também não permitiam a qualificação do crime, ou seja, não se pode dizer que exista especial censurabilidade ou perversidade do arguido (SIC).

  4. Com efeito, pode ler-se no relatório médico-legal que: A avaliação psicológica reforça a ideia de patologia da personalidade, sugerindo que a mesma se enquadra num espectro litigante, de afronta das normas, regras e convenções sociais, pela desconfiança em relação às mesmas, não afastando a hipótese da passagem ao acto. Nem no momento da avaliação nem em toda a sua biografia, com os dados fornecidos, foi possível constatar a presença de actividade psicótica, não se apurando também, de forma indirecta, qualquer deficit intelectual, pelo que se considera que não se verificam limitações na vontade do indivíduo por força de doença mental grave ou compromisso de inteligência. Contudo, admite-se que a presença de uma estrutura de personalidade como a descrita pode condicionar o controlo do impulso do indivíduo bem como favorecer uma leitura enviesada dos dados com que se depara, não acessíveis à sua auto-crítica, a sua determinação surge parcialmente condicionada.

    (SIC) – ponto 10 dos factos provados – sublinhados nossos.

  5. Conclusões: Do acima exposto: 1. O examinando padece de Perturbação da Personalidade Paranóide (ICD9 – 301.0) 2.

    Deve ser considerada imputabilidade atenuada para o acto descrito (…) (SIC) – ponto 10 dos factos provados – sublinhados nossos.

  6. “(…) A pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”, Dixit Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, pág. 213 e seguintes. Tal entendimento tem consagração legal no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, onde expressamente se diz que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” O n.º 2 deste preceito legal determina que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e das exigências de prevenção.” 9. O arguido, salvo o devido respeito pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, mostrou arrependimento, dizendo por mais do que uma vez ao Tribunal que “muito lamentava o sucedido”, o que demonstra claramente alguma auto-censura, e o facto de ter tido uma reacção manifestamente desproporcionada (no entendimento e palavras da Sra. Juiz a quo) deve-se ao facto de, conforme prova pericial (relatório médico-legal, se verificar que a presença de uma estrutura de personalidade como a descrita (Perturbação da Personalidade Paranóide) possa condicionar o controlo do impulso do indivíduo bem como favorecer uma leitura enviesada dos dados com que se depara, não acessíveis à sua autocítica, a sua determinação surge parcialmente condicionada.

    (SIC) – sublinhados nossos.

  7. Se o artigo 72.º do C. Penal dispõe que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, então, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter entendido que, no momento da prática dos factos, o arguido tinha o controlo dos seus impulsos condicionado, bem como a sua determinação para agir, devido, precisamente, à Perturbação da Personalidade Paranóide de que padece, por ser uma circunstância que diminui de forma acentuada a culpa.

  8. O Tribunal de 1.ª Instância considerou não ser de aplicar o artigo 72º do CP por entender que a ilicitude dos factos e a necessidade da pena são muito elevadas, considerando as circunstâncias em que o crime foi cometido, e a total desprotecção da vítima, não só pela idade, mas também porque o arguido é seu filho (SIC), acrescentando que não se verifica qualquer circunstância que possa justificar uma atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º do Código Penal, apesar de a culpa do agente se mostrar diminuída; (sublinhado nosso).

  9. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, devendo, no entender do arguido, ter-se considerado a culpa diminuída para atenuar especialmente a pena.

  10. É que a culpa não constitui apenas o pressuposto e fundamento da validade da pena, mas traduz-se no seu limite máximo, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.

  11. A escolha do tipo de pena depende apenas de considerações de prevenção geral e especial, mas já a determinação da sua medida, depende fundamentalmente da culpa do agente. Assim, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

    Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos.

  12. Para além das considerações que antecedem sobre a culpa do arguido, de per si, e sem prescindir, entre 26 de Setembro de 2010, data dos factos, e 02/04/2014 o arguido manteve boa conduta (Cfr. art. 72º, n.º 2, d) C.P.), não tendo havido nenhuma condenação entre as datas que medeiam as supra referidas. Tal circunstância importa porque o tempo que medeia entre a prática do crime e a aplicação da sanção dilui as necessidades de prevenção geral e especial, quer porque o facto de terem decorrido vários anos sobre a prática de um crime mantendo o arguido uma boa conduta é um dos factores determinantes para a atenuação especial da pena, por existir uma diminuição da ilicitude do facto e da culpa do agente, ou mesmo da necessidade de pena.

  13. Ao condenar o arguido numa pena de prisão efectiva de 4 anos, a Sra.

    Juiz a quo fixou erradamente a medida concreta da pena e violou as normas dos artigos 71º, n.º 2 e 72º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

  14. Consequentemente, a pena aplicada ao ora recorrente é excessiva tendo sido ultrapassada a medida da culpa.

  15. Pelo que, e salvo o devido respeito, a pena deverá ser reformada e substancialmente reduzida, assim fazendo Vossas Excelências a costumada Justiça.

  16. Por despacho exarado a fls. 660 veio o recurso a ser admitido, fixado o respectivo regime de subida e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT