Acórdão nº 68/10.1IDVIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum n.º 68/10.1IDVIS, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, foram pronunciados, para julgamento com a intervenção do Tribunal singular, os arguidos A..., S.A. e B...
[melhor identificados nos autos] sendo, então, imputada ao segundo arguido a prática em autoria material, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal, imputação extensiva à primeira arguida nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal.
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Realizado o julgamento, no decurso do qual foi produzida e comunicada alteração, substancial e não substancial, dos factos – tudo conforme acta de fls. 511 a 516 –, por sentença de 13.07.2012 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto decido: - Condenar a sociedade arguida, “ A...., S.A.”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06 e artigos 30.º, nº 2 e 79.º, nº 1, ambos do Código Penal, na pena de 720 (setecentos e vinte) dias de multa, ao quantitativo diário de € 12,00 (doze euros), perfazendo um total de € 8.640,00 (oito mil seiscentos e quarenta euros).
- Condenar o arguido B....
, pela prática, em autoria material, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- Suspender na sua execução a pena de prisão supra determinada, por igual período, ficando tal suspensão condicionada ao pagamento, no decurso do prazo da suspensão, da prestação tributária e acréscimos legais e com a obrigação adicional, imposta a título de regra de conduta, de o arguido documentar a cada seis meses nos autos pagamentos parciais à Administração Fiscal, por conta do montante global a liquidar (cfr. artigos 50.º e 52.º, ambos do Código Penal e artigo 14º do RGIT).
- Condenar a sociedade arguida, “ A...., S.A.”, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 3, 2.ª parte do RGIT – tendo por referência o IVA relativo ao mês de Fevereiro de 2010 – na coima de € 20.000,00 (vinte mil euros).
(…)».
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Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido B....
, recurso, esse, sobre o qual incidiu o acórdão do TRC de 27.02.2013, que, por omissão de pronúncia, julgou nula a sentença, remetendo os autos à 1.ª instância, com vista à respectiva sanação «com a prolação de nova sentença por parte do tribunal recorrido, se necessário for com a reabertura da audiência para produção de prova suplementar nos termos dos artigos 369.º e 371.º do CPP» [sic].
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Proferida nova sentença [em 24.02.2014], precedida da reabertura da audiência de discussão e julgamento, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: «Pelo exposto decido: - Condenar a sociedade arguida, “ A...., S.A.”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06 e artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 720 (setecentos e vinte) dias de multa, ao quantitativo diária de € 12,00 (doze euros), perfazendo um total de € 8.640,00 (oito mil seiscentos e quarenta euros).
- Condenar o arguido B....
, pela prática, em autoria material, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- Suspender na sua execução a pena de prisão supra determinada, pelo prazo de cinco anos, ficando tal suspensão condicionada ao pagamento, até ao final do prazo de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais e com a obrigação adicional, imposta a título de regra de conduta, de o arguido documentar a cada seis meses nos autos pagamentos parciais à Administração Fiscal, por conta do montante global a liquidar (cfr. artigos 50.º e 52.º, ambos do Código Penal e artigo 14.º do RGIT).
(…)».
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Mais uma vez inconformado recorreu o arguido B....
, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O arguido foi condenado, por douta sentença, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, e artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
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Tal pena foi suspensa na sua execução pelo prazo de cinco anos, ficando tal suspensão condicionada ao pagamento, até ao final do prazo de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais e com a obrigação adicional, imposta a título de regra de conduta, de o arguido documentar a cada seis meses nos autos pagamentos parciais à Administração Fiscal, por conta do montante global a liquidar.
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A questão jurídica em causa nos autos reconduz-se a saber se a norma do artigo 14.º do RGIT permite ou não que se condicione a suspensão da pena de prisão em que foi condenado o ora recorrente ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e, em caso de permitir, se se verificam os pressupostos legais inerentes.
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A verdade é que, nos presentes autos a douta sentença, ao fazer depender a suspensão do pagamento de uma elevada quantia pecuniária, não teve em consideração a situação económica do arguido.
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Quando as normas que norteiam a área penal devem sempre ter em linha de conta as condições económicas da pessoa.
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Já que ninguém pode ser preso por padecer de fracos recursos económicos.
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Nos presentes autos, a suspensão está dependente do pagamento da quantia de € 84.501,89, não se considerando os acréscimos legais, no prazo de cinco anos.
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Ora considerando as circunstâncias actuais e presentes, ou seja, considerando que o requerente aufere um vencimento de 800 dólares mensais significa que, ainda que o recorrente não necessitasse de satisfazer as suas necessidades básicas e entregasse ao Estado todo o dinheiro que recebe, passados os 5 anos, o recorrente só teria logrado pagar o montante de 48.000,00 dólares … quantia esta que se situa bem abaixo da quantia a que foi obrigado - € 84.501,89.
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Sendo que, inevitavelmente tal seria impossível, nem as normas jurídicas permitem tal, uma vez que o recorrente teria sempre de prover ao seu sustento e ao do seu filho de 8 anos que mora consigo.
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O facto de ter património capaz de responder ao pagamento de tal quantia é um problema de natureza cível.
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Na verdade, a Autoridade Tributária tem conhecimento da existência de tal bem, sendo a entidade competente para promover a sua venda em sede de execução fiscal para lograr recuperar o seu crédito … 12. No entanto, a existência de tal bem não pode servir para responsabilizar o arguido recorrente em termos criminais … 13. Desde logo, a existência de tal bem não importa liquidez financeira do requerente para cumprir a condição que lhe foi imposta, 14. Para tanto, teria de promover a sua venda e encontrar alguém que quisesse comprar, 15. Acresce que, não se pode olvidar que o recorrente não se encontra em Portugal, por motivos profissionais, pelo que não tem forma de promover a venda do bem em causa.
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Finalmente, não se pode deixar de ter em conta que à massa insolvente foram apreendidos móveis num total de € 1.610.804,26, sendo que a massa insolvente é responsável em primeira linha pelo pagamento do montante em causa.
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Assim, o que ficou provado não permite formular um juízo de prognose favorável acerca da razoabilidade de satisfação da condição legal imposta por parte do condenado.
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Deve assim ser declarada a inconstitucionalidade do art. 14.º, n.º 1 do RGIT por violação do art. 202.º, 203.º e 204.º da CRP e anulada a sentença na parte em que aplicou aquela norma com violação do disposto nos artigos 70.º, 40.º e n.º 2 do art. 51.º do Código Penal.
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Por outro lado, aquando do proferimento da primeira sentença, a pena aplicada ao recorrente havia sido suspensa pelo período de (dois) anos e 8 (oito) meses.
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Na sequência do recurso no âmbito do qual foi proferido o Acórdão, pela 5.ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 68/10.1IDVIS.C1, foi a douta sentença julgada nula por omissão de pronúncia, nulidade essa que foi sanada com a prolação de nova sentença.
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Sucede que, agora a suspensão foi efectuada pelo período de 5 anos.
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Assim, a douta sentença recorrida é nula por violação do disposto no n.º 1 do artigo 409.º do CPP.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, declarar-se revogada a douta decisão recorrida, na parte em que subordina a suspensão da execução da pena de prisão à condição de pagamento da prestação tributária [destaque nosso].
Assim se fazendo a sempre e a acostumada Justiça.
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Por despacho exarado em 09.04.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.
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Ao recurso respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, concluindo: 1. É pacífico na doutrina e jurisprudência que a suspensão da pena de prisão nos crimes previsto no RGIT é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais.
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O arguido é licenciado em Engenharia Eletrotécnica, encontra-se a residir com o seu filho menor nos EUA em casa de uma sua irmã, junto da família desta, contribuindo o arguido...
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