Acórdão nº 903/10.0T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução28 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 903/10.0T2AVR.C1 I - Relatório A...

, casada, reformada, NIF (...), residente na Rua d (...), Aveiro, instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, que qualificou de petição de herança, ao abrigo do disposto no art.º 2075.º do Código Civil, contra B...

, divorciada, reformada, NIF n.º (...), pedindo a final a condenação da ré: a) a reconhecer a autora como única e universal Herdeira de C...

; b) a restituir à herança aberta por óbito de C... e, em consequência, à autora, enquanto sua universal e única herdeira, a quantia de € 100.000.00 que detém ilegitimamente na sua posse; c) numa sanção pecuniária compulsória, à taxa diária 20.00€, enquanto não fizer a entrega dos documentos e objectos em ouro cuja restituição pediu; d) a restituir a procuração referida na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 267º do Código Civil; e) a ver reconhecida a invalidade e ineficácia da procuração outorgada pela mandante C... em relação à herança aqui peticionada, em tudo o que ultrapassa os poderes legítimos conferidos pela mandante, ou seja, em todos os actos que foram praticados em abuso de representação e abuso de direito de representação, no montante de €273 000,00, reduzindo a autora o pedido a 100.000,00 €, acrescido de juros moratórios contados desde a citação até integral e efectivo pagamento; f) em alternativa, a restituir à herança, com base em enriquecimento sem causa, e por conseguinte à autora por única e universal herdeira, a quantia de 100.000,00€, e bem assim os objectos em ouro de que indevidamente se apropriou.

Em petição inicial aperfeiçoada na sequência de convite que para tanto lhe foi formulado, alegou, em síntese, ser a única e universal herdeira, assim instituída por testamento, de sua tia C..., falecida em 20 de Dezembro de 2010.

Mais alegou ter a falecida outorgado procuração a favor da ré em 28 de Agosto de 2009, conferindo-lhe latos poderes para movimentar quaisquer contas bancárias, emitir cheques, cobrar e receber quaisquer quantias e valores e, em geral, tratar de todos os assuntos necessários à gestão da vida corrente dela, mandante. Sucede que a ré havia sido antes beneficiária de idêntica procuração, desta feita outorgada a seu favor por F..., irmã da testadora C..., o que lhe conferiu acesso à quantia de € 343 566,48, que a primeira herdara de seu falecido marido. Tendo a identificada F... falecido em 21/8/2009, apenas a quantia de € 159 660,85 foi creditada em conta bancária da irmã C..., que àquela sucedeu como única e universal herdeira, sem que a ré alguma vez tivesse prestado contas do mandato que pela primeira lhe fora conferido.

Acresce que, fazendo uso da procuração outorgada pela também já falecida C..., e actuando em detrimento do património da mandante, a ré apoderou-se de quantias diversas, em montante superior aos reclamados € 100 000,00, de modo que, tendo por referência a data em que aquela revogou a procuração, restava na sua conta bancária apenas a quantia de € 17 158,61. Servindo-se ainda da influência que exercia sobre a falecida, idosa e doente, a ré apoderou-se de vários objectos em ouro, que igualmente se recusa a devolver, não obstante integrarem o acervo hereditário.

Alicerçando juridicamente as suas pretensões no disposto nos art.ºs 2075.º, 2194.º, 269.º e 334.º do CC, disposições legais que expressamente convocou, reclamou da ré a restituição à herança da quantia e objectos indevidamente apropriados.

* Regularmente citada, a ré contestou, peça na qual invocou a nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial, dada a formulação de “pedidos genéricos e contraditórios”.

Em sede de impugnação, negou a generalidade dos factos alegados pela demandante, afirmando que os bens e dinheiro que se encontram em seu poder lhe foram doados por uma e outra das referidas irmãs, designadamente a quantia de €90 000,00 proveniente de uns seguros do marido, a qual lhe foi doada pela falecida D. F..., e o montante de € 75 000,00, este doado pela falecida D. C..., destinando-se a pagar a casa da contestante, no cumprimento daquela que fora a vontade declarada pela irmã, a qual falecera sem a poder cumprir. Daí que, concluiu, nada tenha a devolver.

Em reconvenção, e com fundamento no facto de ter efectuado diversas transferências da sua conta pessoal tendo em vista o pagamento de importâncias várias da responsabilidade da falecida D. C... e da herança aberta por óbito da mesma, no valor global de € 86 252,34, requereu a final a condenação da autora reconvinda, atenta a sua qualidade de única e universal herdeira da devedora, no pagamento da aludida quantia, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento.

Replicou a autora, defendendo não padecer a petição inicial do vício da ineptidão, e tanto assim que a ré deduziu defesa esclarecida, revelando ter compreendido a pretensão que contra ela foi deduzida e respectivos fundamentos. Mais impugnou, por inverdadeiros, os factos alegados em suporte do pedido reconvencional, os quais são, em todo o caso, e conforme assinala, contraditórios com a situação de pobreza invocada pela própria reconvinte para justificar o pedido de apoio judiciário formulado no âmbito desta acção. Por assim ser, tendo a reconvinte deduzido em juízo pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer, terminou pedindo a condenação desta como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a fixar pelo Tribunal.

A ré respondeu, refutando a imputação de litigância de má-fé.

* Teve lugar audiência preliminar, diligência na qual o Mm.º juiz propôs às partes que os autos fossem convolados para processo de prestação de contas (cf. acta de fls. 320).

Foi depois proferido despacho a admitir o pedido reconvencional e a julgar improcedente a excepção da nulidade de todo o processo, prosseguindo os autos com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova nos termos que constam da acta de fls. 326/327.

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que decretou a improcedência da reconvenção, absolvendo a autora reconvinda do pedido formulado, e a parcial procedência da acção, condenando a ré a reconhecer a autora como única herdeira de C... e a pagar-lhe a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Inconformada, recorreu a ré e, tendo apresentado a sua alegação, rematou-as com 33 condensadas conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes: 1.ª- Nos termos do artigo 2026º do C.C., a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato, sendo que nos termos do artigo 2031º, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele.

  1. - A autora nos presentes autos, sobrinha da falecida C... por afinidade, já que era sobrinha de seu falecido marido, apenas adquiriu a qualidade de herdeira testamentária na data da morte da autora da herança, óbito ocorrido no dia 20 de Dezembro de 2010; 3.ª- Assim sendo, a autora da herança podia fazer o que muito bem entendesse com os seus bens, durante a sua vida, dado que faleceu no estado de viúva e sem herdeiros legitimários; 4.ª- A ré, ora apelante, tratou com carinho, desvelo e amizade, a autora da herança, D. C..., ao longo dos últimos anos de vida desta, como confidente e como grande amiga que era; 5.ª- O tribunal decidiu dar como bons todos os depoimentos da autora e decidiu não ter em atenção o testemunho produzidos pelas testemunhas arroladas pela ré; 6.ª- O tribunal errou ao eliminar “in totum” o depoimento da testemunha I..., sem qualquer justificação e fundamentação para o efeito, alegando não ter merecido o mínimo de credibilidade; 7.ª- A testemunha Dr.ª I... tem conhecimento profundo dos factos aqui em apreço, e dos quais ressalta o facto de a autora da herança sempre dizer que tudo quanto tinha ficaria para a ré, e assim seria, se não fora o facto de, à última hora, a aqui autora ter levado a D. C... para a zona de Aveiro e, sabe-se lá em que condições, fez novo testamento a favor da “sobrinha”; 8.ª- Do longo depoimento e dos tempos 00:00 até 07:55, introdução atinente aos costumes, resulta a credibilidade do testemunho; 9.ª- “Desprezar” completamente o depoimento desta testemunha, chamando “ridículo” a um episódio relatado pela mesma, sem nada mais alegar ou fundamentar, parece-nos, no mínimo, falho de objectividade e, também, de bom senso; 10.ª- Donde entende-se assim, que os factos não dados como provados, nomeadamente o parágrafo 6.º de folhas 21 até “motivação” folhas 25, deveria ser dada como provada; 11.ª- Ainda deveria ser dado como provado o facto não provado no item 5. de folhas 21 da sentença, pois que, ao contrário do doutamente decidido, a D. F... pretendia fazer testamento a favor da aqui ré, conforma se alcança do depoimento da testemunha I..., em tempos 1:06:45 a 1:07:26; 12.ª- Acresce, por outro lado, que a ré pretendia provar que tudo com que ficou foi-lhe doado livremente e de boa-fé pela autora da herança C..., enquanto viveu e foi acompanhada pela ré. Para tanto, arrolou, também, a testemunha G... , que seria a apresentar. Infelizmente, nas datas agendadas para as sessões de audiência de discussão e julgamento, sempre esta testemunha se encontrava hospitalizada, conforme documentos comprovativos juntos aos autos, no início das respectivas sessões de julgamento; 13.ª- Acontece que a ré tinha esperança de a apresentar na sessão de julgamento que ocorreu no dia 6 de Janeiro 2014, pelas 14 horas; 14.ª- Contudo, a testemunha, tendo saído do hospital no mês de Dezembro, teve que ser novamente sujeita a internamento hospitalar e, por via disso, a ré remeteu aos autos requerimento enviado no dia 3 de Janeiro 2014, Ref.ª Citius 15490100, requerendo que a mesma fosse ouvida nos termos do art.º 520º do C.P.C., pela via mais célere; 15.ª- Infelizmente, este requerimento não...

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