Acórdão nº 1630/03.4TBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A..., S.A. (entretanto substituída, por meio de incidente de habilitação, por B..., Ldª) intentou a presente acção contra C...

(entretanto falecido e ora representado pelos seus herdeiros, devidamente habilitados, D..., E... e F...

) e contra D...

, melhor identificados nos autos, alegando, em suma, que: É dona de um prédio urbano e de um prédio rústico (que identifica), a norte dos quais existe um terreno para construção pertencente aos Réus; entre os prédios da Autora e o prédio dos Réus sempre existiu uma faixa de terreno com cinco metros de largura, pela qual a Autora e seus antecessores sempre passaram para aceder ao seu prédio rústico e à parte de trás do seu prédio urbano; tal faixa de terreno faz parte integrante dos seus prédios e, ainda que assim não se entenda, sempre terá um direito de passagem adquirido por usucapião; todavia, os Réus iniciaram a construção de um edifício no prédio de que são proprietários e procederam à terraplanagem da aludida faixa de terreno aí iniciando a construção de um muro, sendo que a vala aberta para as sapatas desse muro e estas sapatas situam-se em terrenos da Autora, além de impedirem a sua passagem naquela faixa de terreno, sendo que esse é o único acesso de que dispõe. Mais alega que, de qualquer forma, sempre lhe assistirá o direito de exigir a constituição de servidão de passagem sobre o prédio dos Réus, porquanto não pode aceder do seu prédio rústico e das traseiras do urbano à via pública sem que proceda à demolição de parte do pavilhão ali implantado o que lhe acarretaria prejuízos desproporcionados e excessivos computáveis em não menos de 50.000,00€.

Com estes fundamentos, pede:

  1. Que se declare que a Autora é dona dos prédios descritos no art.º 1º da p.i., que incluem a faixa de terreno referida e descrita em 7º a 11º desse articulado; b) A condenação dos Réus a tal reconhecer e a restituírem à Autora a totalidade da dita faixa de terreno, deixando-a livre e devoluta; Subsidiariamente, pede: c) Que seja fixada a estrema entre os dois prédios da Autora e o prédio dos Réus através de uma linha recta que, partindo da via pública – sita a poente dos prédios da Autora e dos Réus – se prolongue até à estrema nascente do prédio rústico da Autora e do prédio urbano dos Réus, e que dista a cinco metros da parede externa norte do prédio urbano da Autora ou, se assim se não entender, de acordo com a lei e com a prova que se vier a produzir em julgamento, cravando-se marcos no solo assinalando tal linha divisória; d) Que se reconheça à Autora o direito de passagem a pé, de carro e camião sobre a dita faixa de terreno, caso venha a ser considerado que tal faixa não lhe pertença total ou parcialmente; E, subsidiariamente, em relação aos supra referidos pedidos, pede: e) Que seja constituído, a favor dos dois prédios da Autora, descritos no art.º 1º da p.i., o direito de servidão de passagem de pé, de carro, de camião, sobre o logradouro dos prédios dos Réus, a qual deverá ser materializada numa faixa de terreno com largura mínima de cinco metros, contados da parede externa norte do edifício construído no prédio urbano da Autora, partindo da via pública a poente, seguindo em direcção a nascente até à testeira poente do prédio rústico da Autora.

    Os Réus contestaram, impugnando os factos alegados pelos Autores e alegando, em suma, que o prédio da Autora tem acesso à via pública, nunca tendo existido entre o seu prédio e o prédio dos Réus qualquer caminho e inexistindo qualquer servidão de passagem.

    Mais alegam que, por força do embargo do muro, os Réus ainda não conseguiram legalizar o pavilhão que aí construíram e pelo qual poderiam receber pelo menos 3.000,00€ de rendas.

    Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção, pedindo ainda que a Autora seja condenada a indemnizar os Réus pelos prejuízos que o embargo lhes está a causar e em valor a liquidar posteriormente e que a Autora seja condenada por litigância de má fé em multa e indemnização não inferior a 5.000,00€.

    A Autora respondeu reafirmando a posição inicialmente assumida, impugnando os prejuízos alegadamente sofridos pelos Réus e sustentando não haver lugar à sua condenação como litigante de má fé.

    Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

    Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo nos termos que, a seguir, se reproduzem: “

  2. Declara-se o direito de propriedade da autora habilitada “ B..., S.A.” sobre os prédios descritos em A) e C) dos Factos Provados; b) Sem prejuízo da indemnização devida pela autora aos réus, nos termos dos arts.º 1552º e 1554º do Código Civil, a liquidar, declara-se constituída, a favor daqueles prédios da autora, uma servidão legal de passagem de carro e camião, por uma faixa de terreno com a largura total de 3 metros, metade da qual (1,5 metros) no prédio dos réus descrito em F), e a outra metade nos prédios da autora, contando-se a largura total de 3 metros do caminho assim constituído, a partir da parte externa da parede norte do pavilhão da autora, caminho esse que, partindo da via pública a poente, segue em direcção a nascente, até à testeira nascente do prédio descrito em C), numa extensão de 92,20 metros.

  3. Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados pela autora, indo os réus dos mesmos absolvidos.

  4. Julga-se improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a autora.

    Improcede o incidente de litigância de má fé suscitado pelos réus”.

    Inconformadas com essa decisão, as Rés vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

    1. As Apelantes recorrem de apelação da parte da douta sentença recorrida que as condenou a “sem prejuízo da indemnização devida pela autora aos réus, nos termos dos artigos 1552º e 1554º do Código Civil, a liquidar, declara-se constituída, a favor daqueles prédios da autora, uma servidão legal de passagem de carro e camião, por uma faixa de terreno com a largura total de 3 metros, metade da qual (1,5 metros) no prédio dos réus descrito em F), e a outra metade nos prédios da autora, contando-se a largura total de 3 metros do caminho assim constituído, a partir da parte externa da parede norte do pavilhão da autora, caminho esse que, partindo da via pública a poente segue em direcção a nascente, até à testeira nascente do prédio descrito em C), numa extensão de 92,20 metros.” B) As Apelantes, com a presente apelação, pretendem colocar à douta sindicância deste Venerando Tribunal os seguintes pontos da: a) recorrer da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal a quo sob os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 18, 19, 20, 21 e 22 (na parte em que se lê “confinavam, antes das construções levadas a efeito no prédio referido em A)”) dos factos provados constantes da douta sentença recorrida, por entender que houve um manifesto erro de julgamento e contradição entre a decisão e a própria fundamentação de facto, como infra se dirá; e b) recorrer de direito, já que a solução de mérito dada ao caso sub judice não se nos afigura, com o devido respeito por douta decisão em contrário, a mais correcta atendendo às normas jurídicas convocáveis para a sua resolução.

    2. No que concerne à impugnação da matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo e supra indicada, as Apelantes entendem, com o devido respeito, que o Tribunal a quo não fez uma análise critica e global de toda a prova produzida, havendo prova nos autos que contrariam os factos aqui impugnados dados como provados, designadamente, a prova documental – certidões prediais dos prédios objecto da lide, fotografias, projecto de arquitectura e licenciamento das obras de construção do edifício implantado nos prédios da Apelada – e a prova por inspecção ao local, bem como há contradição entre tais factos dados como provados e a douta fundamentação de facto constante da douta sentença recorrida.

    3. Deste modo, no que concerne aos factos dados como provados sob os pontos 1 e 2 da douta sentença recorrida, que têm por objecto as confrontações dos dois prédios pertencentes à Apelada, o Tribunal a quo, ao considerar provada tal factualidade, não analisou correctamente as certidões prediais juntas aos autos, como também ao dar como provada tais factos há contradição quer com a sua própria fundamentação de facto quer mesmo contradição com outros factos que resultaram provados. Ora E) O Tribunal a quo, ao dar como provadas tais confrontações contraria a realidade predial que pôde constatar com a inspecção ao local, bem como os documentos que se encontram juntos aos autos e o que as próprias testemunhas indicaram e que o Tribunal a quo na douta fundamentação de facto refere.

    4. Com efeito o Tribunal a quo dá como provado que o prédio identificado em A) confina a nascente com o prédio identificado em C), contudo na douta fundamentação de facto refere o seguinte, quanto à análise do depoimento da testemunha G..., anterior proprietário dos dois prédios que hoje pertencem à Apelada: “Em face do ali alegado, mal se entende o depoimento da testemunha G..., que, nestes autos, veio sustentar que a confinância dos prédios A) e C) era a nascente/poente, o que foi contrariado pelas testemunhas que conheciam o local, antes das construções”, continuando, “a testemunha H...disse que o prédio hoje dos réus pertenceu a seu pai, N..., tendo depois ficado para a sua irmã e cunhado, I..., conhecendo, por isso, bem os prédios. Referiu que os prédios adquiridos pelo G..., ambos ao comprido, batiam com a estrada, confinando entre si pelo norte/sul. No mesmo sentido depôs a testemunha J..., primeiro industrial a instalar-se na zona, em frente aos prédios em questão, por volta de 1975/76. Referiu que o G... comprou duas leiras, que ambas confinavam com estrada a poente, e alisou os terrenos, tendo depois construído, deixando apenas cerca de 1,5 metros até à estrema com o vizinho...

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