Acórdão nº 2521/12.3TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I- Relatório No Tribunal Judicial da comarca de Pombal, A...

, casado, natural da freguesia da (...), concelho de Pombal, residente na Rua (...), concelho de Pombal, veio instaurar contra: B..

., Lda., N.I.P.C. n.º (...), com sede na Rua (...), Pombal, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 42.000,00 (quarenta e dois mil euros), correspondentes às remunerações dos anos de 2012 a 2015, acrescidas de juros de mora desde a data do vencimento até integral e efectivo pagamento, a título de indemnização pela destituição de gerente sem justa causa, e de 2.133,00 (dois mil, cento e trinta e três euros), esta referente ao vencimento do mês de Dezembro de 2011 e respectivo subsídio de Natal, igualmente acrescida de juros moratórios.

Em fundamento alegou, em síntese útil, ter sido nomeado gerente da ré por deliberação de 26 de Maio de 2010 (Ap. 2 de 11 de Junho de 2010), com remuneração a partir de Fevereiro de 2011, altura em que passou a auferir a quantia mensal de € 1 000,00.

Mais alegou que, sem que nada o fizesse prever, uma vez que sempre exerceu as funções inerentes à gerência da sociedade com zelo e cuidado, tendo permanentemente em atenção os interesses societários, por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária que teve lugar no dia 7 de Março de 2012, foi destituído da gerência, ficando na situação de desempregado, sendo certo que seria previsível que se mantivesse no exercício das funções de gerente por três anos mais.

Com fundamento em alegada destituição sem justa causa, reclamou o aludido montante indemnizatório de € 42 000,00 ao abrigo do disposto no art.º 257.º, n.º 7 do CSC, disposição legal que expressamente convocou, e ainda o pagamento da quantia de € 2 133,00, respeitando ao vencimento de Dezembro e subsídio de Natal, que disse não lhe terem sido pagos.

* Regularmente citada, a ré apresentou contestação, peça na qual invocou a excepção peremptória da incompetência em razão da matéria, por entender que as questões suscitadas pressupõem a existência de uma relação jurídica de índole laboral, donde ser competente para a acção o Tribunal de Trabalho.

Em sede de impugnação afirmou não serem verdadeiros os factos alegados pelo autor em suporte do pedido formulado, esclarecendo que na verdade foi este quem renunciou à gerência, o que declarou aos sócios e demais gerentes e foi por estes aceite na assembleia extraordinária que teve lugar no dia 23 de Novembro de 2011, conforme ficou documentado na acta interna n.º 7. E tanto assim foi que nunca mais o autor compareceu nas instalações da sociedade ré que, receando eventual invalidade da renúncia por inobservância de forma, veio posteriormente a deliberar a destituição do autor, para a qual, de resto, sobravam motivos. Acrescentou que o autor nenhum prejuízo sofreu, uma vez que à data era reformado da Marinha, auferindo reforma muito superior à média nacional, tendo sido abonado de todas as quantias que lhe eram devidas até à data em que, por sua iniciativa, deixou de exercer funções na ré e de comparecer nas respectivas instalações.

Porque o demandante veio a juízo formular pretensão manifestamente infundamentada, mais requereu a sua condenação como litigante de má fé.

O autor replicou, pugnando pela competência do Tribunal Judicial de Pombal em razão da matéria, negando ter-se demitido, antes mantendo ter sido injustificadamente destituído do cargo.

Devolvendo a imputação de má fé, reclamou finalmente a condenação da ré a este título em indemnização a seu favor no montante de € 1 000,00, pugnando pela aplicação de multa de idêntico valor.

* Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da incompetência material suscitada pela ré, tendo os autos prosseguido com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória. Desta última peça reclamou a ré por omissão, a qual não foi apreciada face à entrada em vigor do NCPC, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho que consta de fls. 130/131.

Teve lugar audiência de discussão com observância do legal formalismo que da acta consta, após o que foi proferida sentença que decretou a total improcedência da acção, absolvendo a ré do pedido.

Inconformado, interpôs o autor o presente recurso e, tendo apresentado as suas alegações, inobservando de forma ostensiva o comando do n.º 1 do art.º 639.º do CPC, rematou-as com 72 (setenta e duas!) conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes: i. O Recorrente exerceu funções na Sociedade ré incluindo no mês de Dezembro, pelo que lhe deve ser pago o valor do seu vencimento; ii. O Recorrente não deixou de se apresentar nas instalações da Sociedade, seu local de trabalho, para exercer as suas funções de gerente, mas sim porque foi impedido de lá entrar pelos sócios da sociedade, bem como o impediram de exercer as suas funções de gerente e trabalhador; iii. Também não assiste razão à Meritíssima Juíza quando conclui que o Recorrente renunciou à gerência da Recorrida; iv. Por força do n.º 1 do artigo n.º 258.º do CSC, a renúncia é um acto receptício, que só pela recepção se torna eficaz para com o destinatário. Deste modo, para operar, tem de ser feita por escrito e dirigida à Sociedade (conforme artigo nº 60, nº 5 do CSC); v. A renúncia não se torna efectiva no momento em que a comunicação é recebida pela sociedade, pois o artigo 258.º n.º 1 do CSC protela a efectividade da renúncia para oito dias depois; vi. E não é pelo facto de o Gerente, aqui Autor, numa reunião de Assembleia Geral, durante uma acesa discussão com os restantes sócios, ter mencionado que renunciaria ao cargo de gerente da sociedade, caso os assuntos em discussão fossem decididos como aqueles pretendiam, que se pode concluir que este renunciou; vii. O próprio gerente, logo ao ter pronunciado tal declaração, afirmou que para tomar tal decisão precisaria de oito dias, pois teria sempre de consultar os seus familiares, titulares duma das três quotas em que se encontra distribuída a participação social da sociedade Ré; viii. Pelo que não assiste razão à Meritíssima Juiz quando na Sentença alega que “a renúncia apresentada pelo A. às suas funções de gerente no dia 23.11.2011 e prontamente aceite pelos representados da R. nela presentes, … assume plena validade, e não só é válida, como deve considerar-se regularmente comunicada.”; ix. Não foi feita imediatamente a acta oficial com a renúncia do Recorrente, conforme consta do depoimento da testemunha C..., que se encontra gravado na faixa 20131213101753_123916_64922 do minuto 00:49 ao minuto …; x. Conforme consta do depoimento da testemunha, a acta da Sociedade não foi feita, em virtude de considerar que o recorrente não tinha poderes para tal e que a sócia E... não estava devidamente representada, o que não corresponde à verdade; xi. Segundo o testemunho do C..., os documentos internos para ele não tinham qualquer valor, pois não passavam de um papel onde consta o que é dito e decidido nas referidas reuniões; xii. Não se compreende como é que um documento interno, sem qualquer valor legal, onde consta a renúncia do Recorrente, teve valor na referida assembleia; xiii. Não pode ser válida a renúncia da gerência constante no documento interno da Sociedade; xiv. Para que a renúncia pudesse ser válida e eficaz era necessário que o Gerente renunciante tivesse assinado a acta da Assembleia-geral, o que não fez; xv. Quer a nomeação da gerência, quer a sua cessação, são factos obrigatoriamente sujeitos a registo e isso deve-se à necessidade da publicidade de tais factos como factores de confiança e segurança do comércio; xvi. Consta da Certidão do Registo Comercial da Recorrida que a data da cessação de funções de gerência pelo Sr. A... operou no dia 29/03/2012, e não no dia 23/11/2011.

xvi. Pelo que se requer que seja alterada a matéria de facto no sentido de ser dado como Não Provado o quesito N) da Base instrutória e ponto n.º 26 da Sentença recorrida; xvii. Não tendo ficado provado que o Recorrente tenha renunciado à Gerência não se podia decidir como se decidiu na sentença recorrida, que deve ser revogada; xviii. Sempre sem conceder, se se considerasse que o Recorrente renunciou à gerência, tal renúncia só teria efeitos a partir de Fevereiro de 2012 e não efeitos imediatos, conforme fundamentou a Meritíssima Juiz; xix. O pedido de renúncia também ficou condicionado ao facto do Recorrente consultar a sua representada; xx. De acordo com o artigo 270.º do Código Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro a produção dos efeitos do negócio jurídico; xxi. Neste caso estamos perante uma condição suspensiva; xxii. A ser considerada a apresentada renúncia, o Recorrente condicionou o seu efeito, ou seja, que a renúncia apenas produziria efeitos a partir de Fevereiro de 2012 e com a anuência da sua representada, mediante consulta desta; xxiii. Dispõe ainda o artigo 275.º, n.º 2, que “se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada”; xxiv. Mais dispõe o artigo 278º do Código Civil que “se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento é aplicável o disposto nos artigos 272º e 273º do mesmo normativo legal; xxv. Conforme consta da Sentença, dos factos dados como provados nos pontos nºs 26º e 27º, verifica-se que o pedido de renúncia à gerência apenas produziria efeitos a partir de Fevereiro de 2012, bem como esse pedido ficou suspenso até consulta da sua representada; xxvi. Condição que foi impedida de comunicar à Sociedade pelos Sócios e pelos outros Gerentes da recorrida, ao impedir o acesso do Autor às reuniões e ao desempenho do exercício das suas funções; xxvii. Não poderia assim, a Meritíssima Juiz ter decidido como decidiu, nomeadamente que o pedido de renúncia produziu efeitos imediatos, pelo que...

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