Acórdão nº 3156/13.9YLPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 23 de Setembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
A… promoveu, no Balcão Nacional de Arrendamento, contra T…, Lda. procedimento especial de despejo, pedindo a desocupação e a entrega do imóvel subarrendado, sito na ...
Fundamentou esta pretensão, designadamente, no facto de, por virtude da mora no pagamento das rendas de Julho e Agosto de 2013 e da falta de pagamento dos acréscimos legais, correspondentes a 50% do seu valor, ter resolvido o contrato de subarrendamento concluído entre ambas.
A requerida opôs-se à pretensão de despejo, alegando, designadamente que não existiu qualquer mora no pagamento das rendas de Julho e Agosto, uma vez que a renda do mês de Julho apenas foi paga no dia 30 desse mês devido ao litígio existente entre as partes sobre a pessoa a quem devia ser paga a renda, sendo que a notificação para pagamento efectuada pela autora apenas ocorreu no dia 23 de Julho de 2013, que, a existir mora relativamente a esse mês, nos termos do artº 18 do NRAU, a consignou em depósito da quantia correspondente a 50 % da renda relativa àquele mês, que a renda relativa ao mês de Agosto de 2013 foi paga através de cheque enviado em 8 de Agosto de 2013, pelo que não existe qualquer mora nos termos constantes do artº 1083, nº 4, do Código Civil e que pagou as rendas dos meses seguintes, mas que a autora não lhe entrega os respectivos recibos.
A requerente retorquiu, designadamente que a renda de Agosto de 2013 foi paga por cheque enviado em 8 de Agosto de 2013, mas que apenas chegou à sua disponibilidade em 12 do mesmo mês, pelo que se verifica mora em relação a esse mês, e que a requerida não pôs fim à mora no prazo de um mês previsto no artº 1084.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que o despejo deve ser imediatamente decretado.
Distribuído o processo ao 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, o Sr. Juiz de Direito depois de declarar que se lhe afigurava poder conhecer do respectivo mérito, sem necessidade de produzir qualquer outra prova, pelo que é desnecessária a marcação da audiência de julgamento, decidiu logo do mérito da causa e, com fundamento em que nos termos do artigo 1083.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Civil, estando a ré em mora num período igual a dois meses, mora essa que apenas cessaria com o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041º, n.º 1, e não tendo feito cessar essa mora no prazo de um mês nos termos do artigo 1084.º, n.º 3, tem a autora o direito à resolução do contrato com o consequente despejo do locado, julgou totalmente procedente o pedido formulado pela autora e improcedente a oposição ao requerimento de despejo e, em consequência, declarou resolvido o contrato de subarrendamento referido no ponto 3 dos factos provados e condenou a ré a restituir à autora o imóvel referido no ponto 1 dos factos provados, livre e devoluto de pessoas e bens.
É esta decisão que a requerida impugna através do recurso ordinário de apelação no qual pede a sua revogação e o prosseguimento dos autos para a audiência de discussão e julgamento, assegurando-se à ré os princípios de defesa, contraditório e produção de prova legal e constitucionalmente consagrados ou se assim não se entender, a revogação daquela mesma decisão, no sentido de manter o subarrendamento celebrado, decretando-se a inexistência de motivo para o despejo.
A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: … A apelada, na resposta, concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.
O Juiz Relator – e de turno –, por decisão de 29 de Julho de 2014, depois de observar que o objecto da impugnação não era complexo, apreciou, singular, liminar e sumariamente o recurso – e julgou-o improcedente.
É esta decisão que a recorrente impugna através de reclamação, na qual pede que o recurso seja reapreciado e julgado em conferência.
Fundamentou a reclamação no facto de os argumentos da decisão reclamada para sustentar a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento divergirem dos da decisão de 1ª instância, de, não obstante a sua oposição à não realização da audiência de discussão e julgamento, o Sr. Juiz de Direito, fazendo tábua rasa do princípio do contraditório, ter proferido, de imediato, a sentença, questão totalmente descurada pelo Relator, que omitiu a questão central, residente no facto de, na vigência do contrato, a recepção das rendas ser da responsabilidade do procurador e pai da autora – R… – documento que indicava como local do seu pagamento, o domicílio ou local a indicar por aquela, tendo só em 23 de Julho de 2013 sido notificada para remeter o cheque para o domicílio da autora, notificação que operou o efeito útil a parte do mês de Agosto, pelo que a questão se centrava apenas no mês de Agosto, e de ter ficado impedida de apresentar prova – documental, testemunhal e depoimento de parte – dirimindo-se a questão suscitada quanto à existência ou não de responsabilidade da autora na recepção da renda do mês de Julho e o valor conferido às declarações de 23 e 30 de Julho de 2013 – questão omitida na decisão singular - pelo que conclui, em todo o resto, como nas alegações de recurso.
A reclamada não respondeu.
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Factos provados.
… 3.
Fundamentos.
3.1.
Delimitação objectiva do âmbito da reclamação.
A questão que conferência tem que resolver é bem simples: trata-se de saber se a decisão singular do juiz relator – que julgou o recurso improcedente – deve ser alterada e substituída por outra - de sentido inverso. Para delimitar o objecto do recurso e para o julgar improcedente, a decisão reclamada – ordenada pelo propósito de convencer a recorrente da bondade dessa decisão de improcedência - entreteceu as considerações seguintes: 3.1.1.
Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
O objecto do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados na instância recorrida; pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante; pelo próprio recorrente que pode, expressa ou tacitamente, limitar esse objecto, quer no requerimento de interposição do recurso, que nas conclusões da sua alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).
O objecto da causa é constituído pela resolução de um contrato de subarrendamento, actuada extrajudicialmente, com fundamento na mora no pagamento das rendas por período superior a dois meses, designadamente por falta de pagamento atempado das rendas de Julho e Agosto de 2013, sem que tenham sido pagos os acréscimos legais.
A decisão impugnada, depois de, por o conhecimento do mérito da causa não reclamar a produção de mais provas, ter declarado desnecessária a realização da audiência de discussão e julgamento, concluiu pela exactidão de fundamento de resolução, invocado extrajudicialmente, daquele contrato, já que no seu ver estando a ré em mora num período igual a dois meses, mora essa que apenas cessaria com o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041-º, n.º 1, e não tendo feito cessar essa mora no prazo de um mês nos termos do artigo 1084.º, n.º 3, tem a autora o direito à resolução do contrato com o consequente despejo do locado.
A discordância da recorrente no tocante à decisão recorrida radica em dois planos: no plano do procedimento; no plano do julgamento.
No plano do procedimento, dado que, no ver da apelante, o processo deveria prosseguir, com a realização da audiência de discussão e julgamento, com a finalidade de sujeitar ao exercício da prova as questões, que alegou como fundamento da oposição, quer da responsabilidade no pagamento da renda de Julho (motivo para o qual não foi recebida, igualmente), quer da interpretação e entendimento das declarações de 23.07.2013 e 30.07.2013; no plano do julgamento, já que, na sua perspectiva, a mora relativa ao mês de julho não deve ser tida em consideração nem ter acolhimento legal e, no tocante à renda do mês de Agosto, não há qualquer mora.
Dado que a recorrente, na alegação, imprimiu a estes dois fundamentos da oposição um carácter subsidiário, apenas haverá que conhecer do segundo, caso o primeiro não proceda (artºs 554 nº 1 e 608 nº 2 do nCPC).
Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação da recorrente, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:
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O estado do processo permitia conhecer logo, sem necessidade de mais provas, do mérito da causa, com o consequente proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência; b) Se verifica o fundamento da extinção, por resolução – actuada extrajudicialmente - do contrato de subarrendamento.
3.1.2.
Conhecimento imediato do mérito da causa.
A resolução pelo senhorio do contrato de arrendamento nem sempre tem que ser judicial. A resolução do contrato pelo senhorio pode ser extrajudicial, designadamente nas seguintes situações:
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Quando o arrendatário se encontra em mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta (artº 1983 nº 3 do Código Civil); b) Quando o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias no pagamento da renda por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de doze meses (artºs 1083 nº 4 e 1074 nº 2 do Código Civil).
Deste regime decorre que a resolução por parte do senhorio pode ser extrajudicial fundamentalmente quando o arrendatário se encontrar em mora quanto ao cumprimento da obrigação de pagamento das rendas: dado que a mora é determinada por critérios temporais e objectivos, não se justifica exigir um controlo judicial da sua verificação. É, aliás, este regime que dá expressão prática ao procedimento especial de despejo, dado que é a este regime que o senhorio deverá recorrer...
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