Acórdão nº 1440/08.2TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | ALCINA DA COSTA RIBEIRO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1 - A..., divorciada, nascida a 17 de Outubro de 1963, residente na Rua ... Lisboa, foi julgada pelo Colectivo da 2ª Vara de Competência Mista de Coimbra, que decidiu: I – absolver a arguida A... da prática dos crimes de falsidade de testemunho e denúncia caluniosa por que vinha acusada.
II – condenar a arguida como autora de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos art. 255.º, a), c) e 256.º, n.º 1, a) e c) e 3 do Código Penal, com a redacção vigente à data da prática dos factos, na pena de três (3) anos de prisão; III – condenar a arguida como autora de um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, a) do Código Penal na pena de quatro (4) anos de prisão; IV- procedendo ao cúmulo das penas referidas em II e III, condenar a arguida na pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.
V – julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por C...
e, consequentemente, condenar a demandada A... a pagar-lhe: - a quantia de noventa e oito mil quinhentos e vinte e um euros e vinte e oito cêntimos (€ 98.521,28) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 24 de Julho de 2006 até 5 de Julho de 2011 (data em que os reclamou no pedido de indemnização que formulou); - a quantia de cinco mil cento e noventa e sete euros e setenta cêntimos (€ 5.197,70) a título de danos patrimoniais sofridos - a quantia de cinco mil euros (€ 5.000) a título de danos não patrimoniais sofridos.
2 – Inconformada com a condenação, interpôs a arguida o presente recurso, formulando as conclusões que a seguir se sintetizam: 1ª – A investigação direccionou-se num só sentido, o da arguida, preterindo diligências que, a terem sido efectuadas, conduziriam a uma melhor e mais correcta apreciação dos factos e um resultado diferente da culpa da arguida.
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– A arguida não foi identificada pelas testemunhas da acusação, tendo-o sido apenas por fotografias de péssima qualidade.
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– As duas únicas testemunhas ouvidas e que alguma vez tiveram contacto com a pessoa que se fazia passar por C..., uma não conseguiu uma identificação objectiva pelas fotografias deixando dúvidas e outra, relevou ser parcial e influenciada pela autoridade policial.
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– Nos termos do nº 5 e 2 do art. 147º, do Código de Processo Penal, o reconhecimento por fotografia só é válido se efectuado, nos termos do nº 2, do mesmo preceito.
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– Sucede que o reconhecimento nos termos do nº 2 do mesmo artigo nunca foi feito tendo sido a arguida condenada pela simples identificação fotográfica através de registos de péssima qualidade.
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– A arguida não compareceu na audiência de julgamento, sendo a sua presença imprescindível para a descoberta da verdade material já que a sua identificação era necessária para que lhe fosse imputada objectivamente a prática dos crimes de que era acusada.
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– Verifica-se insuficiência da matéria de facto provada.
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– Na dúvida, impunha-se a absolvição da arguida em obediência ao princípio in dubio pro reo.
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– Sem conceder e a admitir-se a condenação da arguida, as penas parcelares aplicadas mostram-se exageradas, por não ter atendido às circunstâncias atenuantes que militam a favor da arguida, face ao grau da ilicitude e da culpa, à conduta da arguida, anterior e posterior aos factos, bem como às exigências de prevenção geral e especial.
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– O acerco atenuativo é superior ao agravativo, o que não foi tido em consideração pelo tribunal recorrido.
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– Sendo que a arguida nunca foi condenada por quaisquer crimes, nem antes nem depois dos factos e atento o lapso de tempo decorrido.
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– As penas parcelares devem situar-se próximas dos limites mínimos, ou seja, de 2 anos de prisão, pela prática de crime de falsificação de documentos e de três anos de prisão pela prática do crime de burla.
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– A medida da pena única nunca deve ser superior a 4 anos, sendo suspensa na sua execução.
3 – O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela manutenção do Acórdão recorrido.
4 – Igualmente, o Digno Procurador-Geral-Adjunto, nesta Relação, defende a improcedência do Recurso.
5 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1 – Factos Provados A primeira instância deu como provados os seguintes factos: «1. Em circunstâncias não apuradas a arguida ficou na posse dos elementos de identificação de C..., melhor identificada a fls. 3, nomeadamente o nome completo, filiação, data de nascimento, residência, número de bilhete de identidade e número do cartão de contribuinte, bem como de cópias de alguns desses documentos.
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Na posse desses dados e documentos, a arguida, no dia 9 de Abril de 1996, deslocou-se à Conservatória do Registo Civil de Lisboa e, identificando-se com o nome ( C...) e as cópias dos referidos documentos, mas fornecendo para o efeito uma fotografia sua, requereu a renovação do bilhete de identidade da referida C..., apondo nessa documentação o nome da mesma, o que foi deferido.
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Assim, em 9 de Abril de 1996, os serviços competentes emitiram o bilhete de identidade n.º ... cuja cópia consta de fls. 223 referente a C... que a arguida recebeu e no qual se encontrava aposta a sua própria fotografia.
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A arguida passou a utilizar esse bilhete de identidade como sendo seu, não obstante estar bem consciente de que tal documento não era válido nem dele era a legítima titular.
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Em circunstâncias não apuradas, a arguida tomou conhecimento que no dia 27 de Agosto de 2003 faleceu D...
e que a sua filha B...
, identificada a fls. 334, tinha outorgado uma escritura de habilitação de herdeiros na qual se identificou como única herdeira da totalidade dos bens do falecido após o que apresentou esse documento na 2.ª Repartição de Finanças do Concelho de Coimbra.
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Todavia, para além dessa filha, o referido D... tinha uma outra filha de um anterior casamento - a C... -, cuja existência não seria do conhecimento da B...e, por isso, esta não lhe comunicara a morte do pai de ambas e a existência de bens a partilhar.
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Ao aperceber-se desta situação, sabendo que a referida C... residia há muitos anos em França, não costumava vir a Portugal e não tinha sabido da morte do pai, a arguida resolveu utilizar as cópias dos documentos que tinha em seu poder e que pertenciam à C... para se fazer passar por ela, utilizando ainda o supra mencionado bilhete de identidade n.º ....
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Assim, com vista a conseguir apropriar-se da parte da herança que caberia à C..., a arguida, no dia 2 de Setembro de 2004, deslocou-se ao escritório do Advogado Dr. E..., identificado a fls. 221, sito na Av. ..., em Aveiro, e, identificando-se com o nome da C..., solicitou os serviços daquele para requerer um inventário por morte de D..., tendo ainda informado o Sr. Dr. E... que a “sua” meia-irmã B...tinha omitido a sua existência ao apresentar-se como única herdeira do falecido e tinha-se apropriado da totalidade da herança do pai de ambas.
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O Sr. Dr. E..., convencido pela arguida que estava perante C..., tanto mais que lhe foi exibido o aludido bilhete de identidade n.º ... emitido em nome daquela, aceitou o mandato que lhe veio a ser conferido por procuração datada de 8 de Setembro de 2004, cuja cópia figura a fls. 12 e que aqui se reproduz para todos os efeitos legais, na qual a arguida apôs a assinatura da C... sem que esta a tivesse autorizado a tal, ali se identificando com o número de contribuinte daquela e com o bilhete de identidade que a arguida havia obtido em 09/04/1996, mencionando contudo que residia na Rua ..., em Algés, morada onde a arguida residia mas onde a C... nunca residiu.
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Nessa sequência o Sr. Dr. E..., mandatado pela arguida da forma descrita, no dia 18 de Novembro de 2004 instaurou nos Juízos Cíveis desta cidade de Coimbra processo de inventário a que coube o número 3614/04.6TJCBR, o qual foi distribuído ao 4.º Juízo Cível.
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Nesse requerimento foi indicada a C... como cabeça de casal em virtude de ser a filha mais velha do falecido D....
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No âmbito desse processo de inventário n.º 3614/04.6TJCBR do 4.º Juízo Cível de Coimbra, após nomeação como cabeça-de-casal da pessoa indicada, foi designado o dia 17 de Dezembro de 2004 para a cabeça-de-casal prestar declarações.
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A arguida compareceu nesse tribunal nessa data, e, perante a Sra. juiz titular do processo e na presença do Dr. E..., declarou que se chamava C... e era a filha mais velha do falecido D..., assumindo o compromisso de honra de bem desempenhar as funções de cabeça-de-casal nesse inventário.
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De forma idêntica, o Dr. E..., mandatado pela arguida da forma descrita, apresentou queixa no DIAP de Coimbra contra B... - tendo essa participação dado origem ao NUIPC 1586/04.6TACBR (apenso) - no âmbito da qual se denunciava a prática de falsas declarações praticadas pela referida B...quando outorgou a escritura de habilitação de herdeiros na qual se identificou como única herdeira da totalidade dos bens do falecido D... e quando a apresentou na 2.ª Repartição de Finanças do Concelho de Coimbra para assim ficar em poder de todo o acervo hereditário por óbito daquele.
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No desenrolar do aludido Inventário n.º 3614/04.6TJCBR, foi necessário juntar a esse processo nova procuração com poderes especiais a favor do Dr. E... a fim deste, em representação da sua mandante, ou seja, da arguida, poder licitar ou adjudicar bens, dar ou receber tornas, pelo que no dia 2 de Maio de 2006 a arguida mais uma vez compareceu no escritório daquele onde outorgou a procuração cuja cópia consta de fls. 11 e que aqui também se reproduz para todos os efeitos legais, na qual a arguida apôs novamente a assinatura da C... sem que esta a tivesse autorizado a tal, ali se identificando com o número de contribuinte daquela e com o bilhete de identidade que obteve em 09/04/1996...
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