Acórdão nº 1782/14.8TBLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução16 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

A…, Lda.

(Requerente e Apelante no contexto deste recurso) requereu, preambularmente a uma acção declarativa de condenação, o presente procedimento cautelar de arresto [artigos 391º e segs. do Código de Processo Civil (CPC)] contra a sociedade F…, Unipessoal, Lda.

(a aqui Requerida, que não foi ouvida nem tem intervenção no contexto processual que conduziu a este recurso[3]).

1.1.

Resumidamente, invocou a Requerente ter sido subempreiteira da Requerida numa obra a esta adjudicada no Estado de Israel por uma empresa israelita (consistiu essa obra na construção de um edifício na cidade israelita de Sderot)[4]. O valor dos trabalhos executados pela Requerente ascendeu a €1.095.554,61, dos quais a Requerida pagou €471.964,90, permanecendo em dívida €623.589,71 (€634.861,31 com juros), valor cujo pagamento a Requerida persistentemente vem omitindo desde Novembro de 2012. Ora, invocando a Requerente um justo receio de perda de qualquer possibilidade, alcançável através do património da Requerida, de realizar o seu crédito, vem solicitar o arresto – entre outros e focando-nos aqui nos elementos com interesse para este recuso – de dois créditos dos quais a Requerida é titular sobre duas sociedades israelitas, respeitantes ao pagamento por estas de parte do preço ajustado no âmbito de contratos de empreitada (construção de obras) celebrados entre a Requerida e essas empresas, identificadas como “D…R… (2000) 1989 LTD, como nº de registo …, com sede em …, em Israel” e “C… LTD, com número de registo …, com sede em …, em Israel”[5].

É esta incidência – pretender-se o arresto, determinado por um Tribunal português, de dois créditos da Requerida sobre duas sociedades estrangeiras (israelitas) cujo pagamento àquela ocorrerá em Israel – que apresenta relevância para o presente recurso.

1.2.

Com efeito, sem audiência da Requerida, foi o arresto decretado relativamente aos saldos bancários domiciliados em Portugal, também incluídos no pedido, e recusado quanto aos créditos da Requerida sobre as empresas israelitas, através da Sentença de fls. 258/280 – esta, quanto a esta última asserção decisória (está ela contida, fundamentalmente, a fls. 259/265), constitui a decisão objecto do presente recurso – que considerou, quanto a esses dois créditos sobre empresas estrangeiras, incompetentes internacionalmente os tribunais portugueses: “[…] Deste modo, impõe-se conhecer a excepção dilatória de incompetência internacional absoluta dos tribunais portugueses, absolvendo a requerida da instância quanto ao arresto dos créditos que a requerente pretende levar a cabo em Israel.

No mais, o Tribunal é competente.

[…]” (fls. 265).

1.3.

Inconformada com este elemento da decisão, apelou a Requerente, adrede formulando as conclusões seguintes: “[…] II – Fundamentação 2.

Caracterizado o desenvolvimento do procedimento cautelar que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação da Requerente, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[6]]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Prescindimos aqui de indicar os factos que a decisão recorrida, no trecho de fls. 265/271, considerou provados. É patente que os considerou em vista do decretamento do arresto incidente sobre os bens da Requerida sedeados em Portugal, e tais factos valem – valeriam, estendêssemos aqui o arresto ao crédito da Requerida a ser satisfeito em Israel –, valem tais factos, dizíamos, para outros objectos da pretensão de arresto de bens do devedor. Damos aqui por verificados, pois, os pressupostos de facto que conduziram a primeira instância ao decretamento do arresto. Referimo-nos à base fáctica do justo receio e da probabilidade séria da existência do crédito pretendido acautelar.

Constitui tema exclusivo do recurso, assim, determinar a competência internacional dos tribunais portugueses para o decretamento de um procedimento cautelar de arresto cujo objecto – os bens do devedor na terminologia do artigo 391º, nº 1 do CPC – corresponda a créditos desse devedor “existentes”[7] no Estado de Israel (rectius, dos quais são devedoras sociedades israelitas, créditos cujo pagamento à Requerida ocorrerá nesse outro país).

2.1.

Refere o artigo 391º, nº 1 do CPC que “[o] arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora […]”. Neste caso, tratando-se de “penhora” de créditos da Requerida, consistiria ela – consubstanciar-se-ia o arresto, portanto – “[…] na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução” (artigo 773º, nº 1 do CPC). Tratar-se-ia, pois, simplificando as coisas, de notificar as duas sociedades israelitas – notificá-las em Israel, como pretende a Requerente – de que não poderiam, existindo esses créditos, satisfazer à Requerida (aí credora delas) os mesmos, devendo realizar as prestações correspondentes (e continuaríamos a determinar injunções comportamentais a sociedades israelitas que deveriam ser acatadas em Israel), devendo estas realizar essas prestações, quando for o caso, a um agente de execução português. Tenha-se presente a este respeito, como correctamente se sublinha na decisão recorrida, o regime que decorre do artigo 777º do CPC[8]: vencida a dívida, não contestando o devedor a existência desta, fica obrigado a depositar o respectivo valor em instituição de crédito à ordem do agente de execução e a apresentar o correspondente documento de depósito. E, last but not least, o não cumprimento pelo devedor da injunção comportamental de cumprir não ao seu credor mas ao credor daquele de quem é devedor (portanto de cumprir ao credor do seu credor), pode gerar, em última análise (cfr. o nº 4 do artigo 777º do CPC), na própria execução, uma outra execução contra o terceiro devedor do executado (aqui contra as sociedades israelitas destinatárias da injunção envolvida no decretamento do arresto)[9]. E tudo isto, enfim, sem esquecer que, em última análise, a ordem jurídica portuguesa, confere às “suas” providências cautelares – a todas elas incluindo ao arresto – garantia penal referenciada ao crime de desobediência qualificada (artigo 348º do Código Penal), dirigida a “todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada” (artigo 375º do CPC)[10].

Esta associação do arresto à penhora é significativa e fornece-nos elementos decisivos na aproximação ao problema de competência internacional que o caso concreto nos coloca. Apresenta-se este, por via dessa sobreposição à penhora, pese embora ter na sua base um problema de tutela cautelar, em termos fundamentalmente idênticos àqueles que caracterizariam uma questão de competência internacional dos Tribunais portugueses[11] para uma acção executiva que pretendesse alcançar, no quadro da realização coactiva da prestação, bens existentes no estrangeiro, em concreto “bens” que, na configuração estabelecida no Direito português, originassem, em vista dessa realização coactiva, uma penhora de direitos.

Com efeito, funciona o arresto, no plano processual – no plano substantivo funciona como meio de conservação da garantia patrimonial do credor[12] – como antecipação da penhora, em vista de uma ulterior adjectivação executiva[13], projectando desde logo os efeitos desta (é o que decorre do artigo 622º, nº 1 do CC)[14], podendo afirmar-se – e é este o ponto aqui relevante – que esta especial feição (do arresto) nos transporta para um domínio coincidente com aquele em que uma execução que visasse penhorar um direito do devedor/executado colocaria um problema de competência internacional: “[…] Pode afirmar-se que uma execução coloca um problema de competência internacional quando os sujeitos e objecto processual chamam a aplicação de normas jurídicas que não apenas portuguesas.

Assim, tal sucede quando as partes são, uma ou ambas, de nacionalidade não portuguesa.

O mesmo acontece quando os factos que integram a causa de pedir, v. g. o contrato, tiveram lugar total ou parcialmente fora do nosso território.

Por fim, e independentemente da presença ou não de um elemento internacional no plano dos sujeitos e da causa de pedir, o próprio pedido pode ter uma conexão a outra ordem jurídica. Isso sucede se a realização coactiva houver de ser feita no estrangeiro – v. g., a penhora ou a apreensão de um bem – ou se a própria prestação tiver de ser cumprida no estrangeiro – o pagamento, a entrega ou o facto a prestar.

[…]”[15] (sublinhado acrescentado).

Foi este o problema que o Tribunal de primeira instância resolveu declarando-se internacionalmente incompetente para o arresto aqui almejado pela Requerente, na parte em que tal providência visava actuações coactivas cautelares pretendidas fazer repercutir – fazer actuar coactivamente – numa outra ordem jurídica.

Todavia, como elemento de especificidade de uma questão de competência internacional referida à tutela cautelar – aqui quanto à tutela cautelar mediante arresto –, deveremos ter presente o disposto no artigo 364º, nº 1 do CPC, relacionando-o, isto na procura de factores de atribuição de competência internacional, com a alínea a)...

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