Acórdão nº 414/10.8TBCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução16 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A...

, com domicílio na (...), Maia, propôs a presente acção declarativa com processo sumário contra B... , SA, com sede na (...), Cascais, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia € 20 918,56, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, e no pagamento do valor dos honorários despendidos com mandatário, que viessem a apurar-se em sede de liquidação de sentença.

A quantia pedida visa indemnizar a autora pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por ela em consequência do acidente viação ocorrido em 30 de Abril de 2007, na altura em que conduzia um veículo automóvel na A14, no sentido Coimbra – Figueira da Foz. Segundo a demandante, a ré era responsável pela indemnização por o acidente ter ocorrido em auto-estrada cuja exploração lhe foi concessionada e por o acidente se ter ficado a dever ao atravessamento da faixa de rodagem por um cão.

Posteriormente, mediante incidente de habilitação, passou a intervir nos autos, como sucessora da ré, a sociedade C...

, SA.

A ré contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção.

Na sua defesa, impugnou a alegação da autora relativa às circunstâncias em que ocorreu o acidente e aos danos por ela sofridos; alegou que o acidente ocorreu porque a autora circulava com excesso de velocidade e que cumpriu todos os deveres a que estava obrigada por força do contrato de concessão. Sob a alegação de que a sua responsabilidade civil por danos verificados em consequência da actividade de concessão das auto-estradas estava garantida por contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros D...

, SA, requereu a intervenção nos autos, como parte principal, da mencionada Companhia.

A intervenção foi admitida. Citada, a chamada contestou, pedindo também a improcedência da acção. No seu articulado, impugnou a versão do acidente narrada pela autora e a alegação relativa aos danos; alegou que o acidente foi causado pelo excesso de velocidade, porventura acrescido de alguma falta de destreza da condutora.

O processo prosseguiu os seus termos.

Na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar em 18 de Dezembro de 2012, a chamada arguiu a incompetência do tribunal a quo em razão da matéria para o conhecimento da acção, dizendo que o tribunal competente em razão da matéria eram os tribunais administrativos e fiscais. Em consequência, pediu a absolvição da instância dela e da ré.

Na resposta, a autora sustentou que o tribunal a quo era competente em razão da matéria para o conhecimento da acção.

O tribunal a quo conheceu da questão na sentença (e não imediatamente a seguir à arguição e à resposta, como prescrevia, na altura, o artigo 103º do CPC), julgando improcedente a arguição de incompetência.

Após a realização da audiência e da resposta à matéria de facto foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção: 1. Condenou a ré C.... SA e a Companhia de Seguros D... SA (chamada) a pagarem solidariamente à autora, A...., as seguintes quantias: 1) € 10 751,66 (dez mil setecentos e cinquenta e um euros e sessenta e seis cêntimos), acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559º, n.º 1, do Código Civil; 2) € 3000,00, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros, desde a condenação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559º, n.º1, do Código Civil; 3) € 2 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559º, n.º 1, do Código Civil; 2. Absolveu a ré e a chamada do demais pedido pela autora.

A chamada não se conformou com a condenação e dela interpôs o presente recurso de apelação.

Recurso ao qual aderiu a ré C..... Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. Num acidente de viação, a prova da velocidade é facto constitutivo do direito invocado sempre que o seu excesso seja inadequado e possa ser causa ou concausa do acidente, o que compete ao autor provar.

2. Para o seu apuramento, na falta de uma prova que objectivamente a haja medido, a velocidade terá de ser deduzida, segundo as regras da experiência, com base nos demais elementos provados.

3. Quando uma testemunha, única presencial, declara que a dinâmica do acidente ocorreu de forma diferente e contraditória com os factos alegados na PI, afirmando que um veículo, após o embate num canídeo, vai logo embater no separador central de uma auto-estrada, fazendo depois vários piões, embatendo pelo menos duas vezes no mesmo separador central e se verifica pelas fotos e danos reclamados no veículo que ele não tem danos na parte esquerda onde teria de ter batido segundo o depoimento da testemunha, primeiramente, prova-se que não fala verdade e o seu depoimento não merece credibilidade, devendo, por isso, os quesitos relativos ao acidente ser dados como não provados.

4. Quando uma testemunha, única presencial, declara que a dinâmica do acidente ocorreu de forma diferente e contraditória com os factos alegados na PI, afirmando que um veículo, após o embate num canídeo, vai logo embater no separador central de uma auto-estrada, fazendo depois vários piões, embatendo pelo menos duas vezes no mesmo separador central e se verifica pelas fotos e danos reclamados no veículo que ele não tem danos na parte da frente que indiciem ter havido embate com esse canídeo, cuja fotos nos autos mostram ser de pequeno porte, logo, susceptível de causar danos na parte mais baixa, prova que não fala verdade e o seu depoimento não merece credibilidade, devendo pôr-se em dúvida se o canídeo foi atropelado pela viatura sinistrada.

5. Se o contrato de seguro da chamada apenas garante a responsabilidade civil extracontratual da C.... e a sentença condena esta com base na responsabilidade contratual, a chamada não responde pelos danos.

6. A presunção que recai sobre a C.... decorrente da Lei 24/2007 é de incumprimento de uma obrigação de segurança, que será ilidida se provar que o fez que cumpriu tal obrigação, obviamente enquanto obrigação possível (401º do CC).

7. Exigir-se que a C.... prove, em concreto, como o canídeo se introduziu na auto-estrada é exigir a prova do contrário, que é o correlato da responsabilidade pelo risco, que a lei 24/2007 não consagrou.

8. Sendo a C.... uma entidade privada que é objecto de uma concessão do Estado, estamos perante um conflito emergente de uma relação jurídico-administrativa com reflexo nos utentes da auto-estrada, sendo competente, ao abrigo do artigo 4º, alíneas f) e i) do ETAF o tribunal administrativo.

A autora respondeu ao recurso. Fê-lo, alegando, em síntese, que as alegações de recurso não obedeciam ao disposto no artigo 639º do Código de Processo Civil; que a tese da recorrente, no sentido de descredibilizar o depoimento da testemunha, não merecia acolhimento; que a alegada ausência de responsabilidade da recorrente no âmbito do contrato de seguro deviam ser tratada entre aquela e a sua cliente, designadamente em sede de direito de regresso após ter pago, como se lhe impunha, o valor em que foram condenadas; que as rés não demonstraram que a causa do acidente era alheia ao cumprimento dos deveres a que a ré estava obrigada pelo contrato de concessão; que o tribunal a quo era competente em razão da matéria para o conhecimento da causa.

Feita esta exposição, importa precisar o objecto da apelação interposta pela chamada.

A recorrente impugnou as seguintes decisões: 1. A decisão do tribunal a quo proferida sobre os pontos números 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 da base instrutória; 2. A decisão que julgou improcedente a arguição de incompetência do tribunal a quo em razão da matéria; 1. A decisão que a condenou a pagar à autora a quantia de € 15 751,66 (10 751,66 + 3 000,00 + 2 000).

O ora relator, entendendo que não podia conhecer-se do objecto do recurso interposto contra a decisão que julgou improcedente a arguição de incompetência do tribunal a quo em razão da matéria, uma vez que o recurso havia sido interposto fora do prazo legal para tanto, notificou as partes para se pronunciarem sobre a questão, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 655º do CPC.

Enquanto a autora, recorrida se pronunciou no sentido do não conhecimento do objecto do recurso a recorrente pronunciou-se no sentido de ser conhecido o objecto do recurso. Para tanto alegou que a interpretação do artigo 644º, n.º 2, alínea b), do CPC, feita pelo ora relator era excessivamente formal e contrária ao objectivo de simplicidade e celeridade que a lei quis prosseguir; que não faz sentido que o recorrente tivesse 15 dias para interpor recurso autónomo do despacho que apreciou a competência absoluta do tribunal e 15 dias depois tivesse que interpor recurso da decisão final; que os números 3 e 4 do artigo 644º do CPC consentem que o recorrente possa, em recurso único, recorrer de todas as decisões interlocutórias; que não faria sentido que a lei consentisse o mais (interpor recurso final de todas as decisões) e não permitir o menos (recurso de decisão que até poderia ter sido interlocutória no saneador); que a competência absoluta do tribunal deve ser apreciada oficiosamente, especialmente quando suscitada por uma das partes (artigo 97º, n.º1, do Código de Processo Civil). Pese embora o respeito que nos merecem as alegações do recorrente, a sua pretensão de ver conhecido o recurso interposto contra a decisão que apreciou a competência absoluta do tribunal não tem amparo na lei.

Vejamos.

O n.º 1 e o n.º 2 do artigo 644º do CPC indicam as decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância de que cabe recurso de apelação autónoma.

Nos termos da alínea b), do n.º 2 do artigo 644º do CPC, da decisão do tribunal de 1ª instância que aprecie a competência absoluta do tribunal cabe recurso de apelação autónoma.

Logo, o meio processual apropriado para a chamada impugnar esta decisão era a apelação...

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