Acórdão nº 1908/10.0TBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução16 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Companhia de Seguros A…, SA, impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Círculo de Castelo Branco que, depois de concluir pela improcedência da excepção peremptória da prescrição, julgou parcialmente procedente a acção que contra si e contra a Companhia de Seguros B… foi proposta pelos Hospitais de …, E.P.E., que condenou a segunda e a primeira a pagar ao último a quantia total de € 20.618,38, acrescida de juros de mora, á taxa legal prevista para os juros civis, vencidos desde a citação no que diz respeito à quantia de € 20.076,24 e desde a notificação da ampliação do pedido, no que concerne à quantia de €542,00 e vincendos até integral pagamento, e a quantia total de € 11.102,21, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, vencidos desde a citação no que diz respeito à quantia de € 10.810,29 e desde a notificação da ampliação do pedido no que concerne à quantia de € 291,92 e vincendos até integral pagamento, respectivamente.

A recorrente pede, no recurso, que lhe seja concedido inteiro provimento, em conformidade com as conclusões da sua alegação, que são as seguintes: … Na resposta, o apelado concluiu pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito do recurso é, antes de mais, delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e, dentro do objecto do processo, com observância dos casos julgados formados na acção, pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (artº 635 nº 3 do CPC). Finalmente, o âmbito do recurso poder limitado pelo próprio recorrente (artº 635 nº 2 do CPC). Esta restrição pode ser realizada, expressa ou tacitamente, tanto no requerimento de interposição do recurso como nas conclusões (artº 635 nº 4 do CPC).

    A acção tem por objecto o direito de indemnização, fundado numa responsabilidade delitual ou aquiliana, que a lei – com o intuito de facilitar o tratamento do lesado e excepcionando a regra de que só este tem o direito de exigir a indemnização[1] – reconhece aos estabelecimentos hospitalares que contribuíram para o tratamento ou assistência da vítima (artº 495 nº 2 do Código Civil e 1 nº 1 do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho).

    O direito de crédito alegado pela apelada emerge, realmente, da prestação de cuidados de saúde a M…, lesado corporalmente em acidente de viação em que intervierem, designadamente, as viaturas …-OC - conduzido por O… e cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros foi contratualmente transferida para a apelante – e o veículo automóvel …-QU – conduzido por J… e cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros foi transferida para co-demandada, B…, Companhia de Seguros SA.

    A sentença apelada, depois de julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição daquele direito, invocada por ambas as demandadas - com fundamento em que o respectivo prazo inicia o seu curso com a cessação da prestação dos cuidados de saúde – considerou adequado fixar a repartição de culpa em 65% para o condutor do veículo …-Qu e 35% para a condutora do veículo …-OC.

    A recorrente discorda da decisão de improcedência da excepção peremptória da prescrição e – apesar de não dissentir da repartição da culpa operada pela decisão impugnada – acha que, em todo o caso, não se encontra constituída no dever de indemnizar por estar “em falta” a necessária causalidade, por não se saber que “intervenção” teve o assistido no acidente, no momento em que os veículos OC e QU colidiram.

    Maneira que as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se: a) O direito de crédito alegado pelo apelado foi ou não atingido pela prescrição, no tocante aos serviços prestados, no contexto do internamento hospitalar, a M…, no período compreendido entre 10 de Outubro e 6 de Dezembro de 2004; b) Se o facto ilícito negligente que lesou a integridade física de M…, tratado pelo apelado, é objectivamente imputável à violação do dever de cuidado, designadamente do condutor do veículo automóvel …-OC.

    A resolução deste problema vincula à determinação do terminus a quo do prazo de prescrição aplicável ao crédito alegado pelo apelado e ao exame do critério de imputação objectiva do resultado danoso à conduta violadora do dever objectivo de cuidado.

    3.2.

    Determinação do seu terminus a quo do prazo de prescrição aplicável.

    A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer[2].

    Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente recusar a prestação a que estava adstrito (artº 304 nº 1 do Código Civil).

    Ao contrário do que por vezes se supõe, a prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes se limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi[3].

    Como é sabido, no tocante á repartição do ónus da prova, o nosso direito orienta-se pela denominada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas, de harmonia com a qual, a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si (artº 342 do Código Civil). Deste critério podem retirar-se, no tocante à prescrição, a regra seguinte: é sobre o demandado que recai o encargo de provar a prescrição da obrigação, ou melhor, os seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo exequente; o início e o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil).

    Se o devedor conseguir provar estes dois elementos estruturais da prescrição – prescrição que sendo para este efeito um facto extintivo do direito de crédito de crédito alegado pelo credor, é ao mesmo tempo fonte do direito potestativo invocado pelo devedor de extinguir a relação obrigacional – passa a ser sobre o credor que recai o ónus de provar o facto extintivo – v.g., renúncia do devedor à prescrição – ou impeditivo – v.g. a suspensão ou a interrupção da prescrição - do direito potestativo invocado pelo devedor[4].

    O início do prazo de prescrição é, evidentemente, um factor estruturante do próprio instituto.

    De harmonia com a norma jurídica indiscutivelmente adequada para enquadrar o caso concreto, os créditos resultantes da prestação de cuidados de saúde prestados por instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde prescrevem no prazo de 3 anos, contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem (artº 3 do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho). Aquele prazo era, no direito imediatamente anterior, de 5 anos e contava-se da data em que cessou o tratamento (artº 9 do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro). Em face desta última norma era seguro que o prazo prescricional dos créditos considerados iniciava o seu curso a partir do último acto de assistência prestado ao lesado[5].

    A comparação entre uma e outra norma mostra uma semelhança – a adopção, de harmonia com a regra geral, de um sistema objectivo – e duas diferenças: uma relativa ao prazo – que foi encurtado[6] - e outra referente ao enunciado textual referente ao seu terminus a quo: ao passo que antes se dizia que o prazo se contava da cessação do tratamento, declara-se agora que esse prazo se conta da cessação da prestação dos serviços.

    O que se pergunta é, em face desta diferença de redacção, se há, realmente, razões para crer na modificação do regime quanto ao referido terminus a quo, que, em vez de situar na cessação do tratamento do lesado, passou a contar-se, isolada e separadamente, de cado acto singular de prestação de cuidados de saúde.

    A jurisprudência orienta-se, maioritariamente, no sentido de quem com aquela modificação de redacção o legislador não operou, no tocante ao factor estruturante do início do prazo prescricional, uma alteração de regime[7].

    Realmente- como se salienta no Acordão desta Relação de 3 de Março de 2009[8] - não há qualquer indício, tanto no texto da lei, como no preambulo do diploma, que inculque que o legislador tenha, no tocante à contagem do prazo dos créditos considerados, qualquer mudança de regime relativamente ao direito imediatamente anterior e, por isso, a solução que se tem por exacta é a de que se mantém a solução do direito anterior e, portanto, que o prazo prescricional se conta da data em...

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