Acórdão nº 736/11.0TAACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução17 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido A...

, filho de (...), natural da Freguesia e Concelho da (...), nascido a 23 de Outubro de 1974, divorciado, calceteiro, residente na (...), Marinha Grande, e com última residência conhecida em (...), Hamburg, imputando-se-lhe a prática dos factos constantes de fls. 250 a 253, pelos quais teria cometido em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, nº 1 do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual se procedeu a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 25 de Novembro de 2013, decidiu julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 6,00, num total de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros), a que corresponde prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, se for caso disso.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1) Conforme resulta de fls., foi deduzida acusação contra o Arguido: “Pelo exposto, cometeu o arguido, um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 1 do Código Penal.”; 2) O Arguido apresentou a contestação, tendo oferecido o merecimento dos Autos; 3) Foi realizado Julgamento, onde a final decidiu o Meritíssimo Juiz, o que acima se transcreveu; 4) Salvo devido respeito não podemos concordar com tal decisão.

5) Para chegar a esta decisão, entende a Meritíssima Juiz, nomeadamente na parte destinada aos Factos Considerados Provados, dar relevância ao depoimento das testemunhas indicadas pela acusação.

6) Considerou a Meritíssima Juiz “a quo” dar como provados, os seguintes factos: o Entregou para pagamento das mercadorias descritas dois cheques pré- datados; o Para convencer a ofendida a aceitar os mencionados cheques apresentou a certidão da sociedade emitente dos mesmos; o Assinou e usou os referidos cheques, bem sabendo que não tinham provisão, de forma a que lhe entregassem a referida mercadoria, que levou consigo; O arguido apoderou-se das mencionadas mercadorias, que não pagou nem restituiu à ofendida.

7) Analisada a prova produzida em audiência de julgamento, e sobre tal ocorrência dos factos, conclui-se que apenas as versões apresentadas pelos directamente interessados na decisão a proferir, ofendido demandante civil.

8) Tal por si, susceptível de criar dúvida, a qual que deveria o Tribunal “a quo” a lançar mão do principio do in dubio pro reo, absolvendo-se o arguido.

9) Não o fazendo foi violado tal principio, pelo que se impõe a revogação da douta sentença recorrida.

10) Ainda que assim se não entenda, sem prejuízo do principio da livre apreciação da prova, sempre terão de se conjugar os elementos recolhidos dos depoimentos prestados pelos legais representantes da ofendida e testemunhas com os elementos documentais existentes nos autos, designadamente os cheques juntos aos Autos.

11) Por outro lado, para chegar a esta decisão, entende a Meritíssima Juiz, nomeadamente na parte destinada aos Factos Considerados Provados, pelo depoimento das testemunhas indicadas na acusação e ofendida, no entanto só em parte.

12) Basta analisar os depoimentos dos legais representantes da ofendida e das testemunhas indicadas pela acusação, conforme depoimentos que se encontram gravados.

13) Conforme resulta dos depoimentos acima referidos, não foi o Arguido que entregou os referidos cheques à ofendida, mas sim uma senhora que estava presente.

14) As testemunhas, representantes da ofendida, referem constantemente que foi uma senhora que preencheu os cheques, que emitiu os cheques e que entregou os cheques.

15) Também conforme resulta dos testemunhos referidos, o arguido usou uma certidão comercial para comprovar a existência da sociedade atendendo a que era uma sociedade recente; 16) Ficou provado ainda que só foi apresentado a pagamento um cheque e não os dois cheques emitidos.

17) Também não foi provado que na data da sua emissão, nem na data aposta nos mesmos, os cheques não tivessem provisão! 18) Ficou ainda provado, pelas declarações das testemunhas B...e C...que o Arguido tinha intenção de pagar.

19) Daí não se compreender, como pode a Meritíssima Juiz ter decidido que era o arguido sabia que os cheques não tinham provisão.

20) Daí que, e como o depoimento das testemunhas foi gravado, se requeira a renovação da prova, nos termos do artigo 430.º do Código do Processo Penal.

21) Assim, atendendo à prova produzida em Audiência de Julgamento, nunca se poderia condenar o Arguido, pois decidir-se como se decidiu, viola as regras elementares do C.P.P. e C.P. aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente o princípio “in dubio pro reo”.

22) Para contrariar o que consta da sentença recorrida, requerer-se a audição do depoimento das testemunhas que se encontra gravado, sendo necessário para o efeito que a secção transcreva tais depoimentos de forma a que esse Venerando Tribunal possa apreciar convenientemente tudo o que se passou nas audiências de julgamento.

23) Na verdade, o que se passou e provou na audiência de julgamento é aquilo que resulta do depoimento das testemunhas inquiridas, e que é aquele que se encontra gravado.

24) Ora, no caso dos autos, nenhum dos factos dados como provados, nomeadamente os que se deixaram supra destacados, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento.

25) A acusação não conseguiu estabelecer o nexo causal entre a eventual prática do crime descrito na acusação e o agente que o praticou.

26) Atendendo à prova constante dos autos, o Arguido, teria que ser absolvido, pois não existe qualquer prova que tenha praticado o crime de que vem acusados.

27) Terá de ser considerada nula a Sentença recorrida por falta de fundamentação, no que concerne ao nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou.

28) Acresce que não ficou provado o cometimento do crime de burla qualificada, porquanto não se encontra preenchido nenhum dos requisitos previstos no Artigo 218.º do código penal.

29) O prejuízo patrimonial causado não foi de valor consideravelmente elevado, atendendo a que só o primeiro cheque é que não foi pago, não tendo o segundo cheque sido apresentado a pagamento.

30) O Arguido não faz da burla o seu modo de vida; 31) O Arguido não se aproveitou da situação ou da vulnerabilidade da ofendida; 32) E também não se provou que a ofendida tenha ficado em situação economicamente difícil.

33) Não estão assim preenchidos os requisitos para que o Arguido possa ser condenado pelo crime de que foi acusado.

34) Nem foi feita prova em sede de audiência e julgamento.

35) Tem assim a Douta Sentença de ser Revogada.

36) Assim, e segundo o nosso ordenamento jurídico - penal, a condenação ou absolvição de um Arguido é decidida tendo em conta a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento.

37) Ora, no caso dos presentes autos, e por todo o exposto, deve o Arguido ser Absolvido por este Venerando Tribunal, seja por total e clara ausência de factos consubstanciadores do preenchimento da norma incriminadora, seja pela operatividade do princípio do In Dubio Pro Reo.

38) Porém, e caso este Venerando Tribunal assim não o entender, deverá ser o Arguido absolvido também por outros motivos.

39) Para contrariar o que consta da sentença recorrida, requerer-se a audição do depoimento das testemunhas que se encontra gravado, sendo necessário para o efeito que a secção transcreva tais depoimentos para que esse Venerando Tribunal possa apreciar convenientemente tudo o que se passou nas audiências de julgamento.

40) Na verdade, o que se passou e provou na audiência de julgamento é aquilo que resulta do depoimento das testemunhas inquiridas, e que é o aquele que se encontra gravado.

41) Ora, no caso dos autos, nenhum dos factos dados como provados, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento.

42) Assim, provado ficou que se a Ofendida/Demandante contactou o Arguido e que o mesmo se prontificou a pagar, quando tivesse possibilidade.

43) Pois, o Arguido não confessou aos representes da Ofendida que não tinha naquele momento dinheiro.

44) Viola assim, a Sentença recorrida o disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea a), b) e c).

45) A motivação da Meritíssima Juiz foi uma mera “exclusão de partes” - Analogia ou Invenção.

46) No nosso direito criminal não se pode inventar. Ou prova-se ou não se prova. Na dúvida absolve-se o Arguido; 47) É um princípio legal e constitucional – “in dúbio pro reo”; 48) O que nunca deveria ter sucedido, pois tendo em conta o principio consagrado no nosso ordenamento penal, que é o principio “in dúbio pro reo” a condenação nunca deveria ter sucedido; 49) Não existindo provas que titulem a incriminação, e neste caso em concreto, que o Arguido foi interveniente do acidente descrito na Acusação, o resultado só poderá ser a Absolvição; 50) Perante todo o exposto, viola a Sentença recorrida o principio constitucional previsto no artigo 32.º n.º 2 C.R.P. no qual refere que “Todo o arguido se presume inocente até prova em contrário, e trânsito em julgado da sentença de condenação”; 51) Pois, e conforme pode ler-se na “Constituição Portuguesa Anotada” - Jorge Miranda - Rui Medeiros, Coimbra Editora, tomo I, 2005 pag 356 e acima transcrito; 52) Os factos dados como provados na Sentença recorrida são insuficientes para fundamentar uma imputação por negligência e, consequentemente, de suportar a condenação do Arguido; 53) A...

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