Acórdão nº 235/11.0TBFVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I N (…) intentou a presente ação declarativa com processo ordinário contra B..., SA.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 34.687,75€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento, acrescida do que se vier a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais.

Para fundamentar tal pretensão, alegou o A., em resumo, que é dono de um veículo que identifica e celebrou com a R. contrato de seguro, por força do qual transferiu para a mesma a responsabilidade civil respeitante ao mesmo veículo, tendo então contratado, também outras coberturas, entre elas uma cobertura de danos próprios, como sejam choque, colisão ou capotamento.

Ora, em data e local que identifica, na área da comarca de Figueiró dos Vinhos, quando se encontrava a participar num passeio organizado com a duração de três dias e que se destinava a visitar parte da zona centro e norte de Portugal, foi interveniente em acidente de viação no qual apenas ele próprio interveio.

De facto, não obstante circular com extrema precaução e diligência pela sua faixa de rodagem a velocidade nunca superior à legalmente permitida para o local, após queda do GPS, por instantes, ele A., ao volante do referido veículo, perdeu o controlo do mesmo, tendo o veículo saído ligeiramente da sua faixa de rodagem e entrado na berma direita, atento o sentido de marcha em que seguia e subido um talude, o que originou o seu capotamento.

De tal sinistro resultaram apenas danos no veículo. O A. comunicou o sinistro à R., para acionar o seguro.

Porém, esta, após efetuar vistoria ao veículo, não assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, invocando que o acidente que os causou estaria excluído do contrato de seguro, nos termos das Condições Gerais da Apólice.

Tal sinistro causou ao A. danos já quantificados no montante peticionado e ainda outros que já existindo não é possível quantificar com exatidão.

A Ré contestou.

Aceitando a existência e termos gerais do contrato de seguro invocado, defende, contudo, que este litiga de má-fé e propugna com base nisso a sua condenação em multa e indemnização a seu favor.

Na verdade, defende a R., muito embora o A. lhe tenha omitido essa circunstância aquando da participação do sinistro, em averiguação que do mesmo fez, veio a concluir que no dia e hora do sinistro, a estrada onde o mesmo ocorreu estava fechada ao trânsito normal e nela decorria uma prova desportiva, que identifica, organizada por entidade que identifica e sob a autoridade da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, prova essa na qual o A. se havia inscrito e foi admitido, nela participando como concorrente quando eclodiu o sinistro, sendo que, tal prova, conjuntamente com outras, se enquadra no âmbito de evento desportivo denominado prova de regularidade em rampa, prova cronometrada e cujo objetivo é conseguir o melhor tempo e a menor penalização possível, tendo em vista a obtenção do maior número de pontos para uma classificação final.

Ora, quando eclodiu o sinistro, o A. circulava, integrado na dita prova a uma velocidade de mais de 180 Km/h e foi por isso que aconteceu o sinistro.

Acontece que, quando celebrou o contrato de seguro que agora invoca o A. não disse que fazia uso desportivo do veículo de sua propriedade, o que deveria ter feito de acordo com os ditames da boa-fé, pelo que o contrato de seguro foi celebrado no pressuposto de que a utilização do dito veículo era efetuada em termos de normalidade. Caso soubesse que o A. usava o veículo em prova desportiva jamais a R. teria aceitado contratar nos termos em que o fez, mormente assumindo os riscos de colisão, choque ou capotamento, mesmo que com condições tarifárias muito agravadas.

Por isso, tal negócio é nulo ou pelo menos anulável, por declarações inexatas.

Mais alega a R. que o contrato celebrado, mormente o artº 5º nº1, g) das condições gerais prevê a exclusão da garantia dele adveniente quando o veículo seguro se encontrar em serviço diferente e de maior risco do que o contratado, outro tanto se contemplando na alª i) das mesmas condições que prevê a exclusão em caso de sinistro causado por participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo, ou, a alª o), que a prevê também nos casos de acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios, sendo certo que, por força do artigo 6º, nº4, e) das condições gerais do seguro obrigatório aplicável ex vi do artº 5º, nº2 do seguro facultativo, excluem-se, também quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados especificamente para esse fim, donde se retira, ser clara a falência da pretensão do A. e a razão da R. ao declinar a sua responsabilidade no caso concreto.

Coloca ainda a R. em causa os valores indicados pelo A. para a reparação dizendo que eles são os que constam do orçamento de peritagem junto aos autos e não quaisquer outros e acrescenta que, caso se conclua pela cobertura do contrato de seguro, sempre haveria que ser deduzida a franquia de 1.000€ contratualizada.

O A. apresentou réplica, na qual, pugna pela total improcedência das questões suscitadas na contestação que considera excecionais.

Aceitando o A. a realização da prova mencionada pela R., refere que a mesma não decorreu da forma como esta a descreve, uma vez que, não se trata de uma prova de cariz desportivo ou competição, não só porque para a mesma apenas eram admitidos veículos matriculados e aptos a circular em via pública, sendo necessária a existência de seguro, livrete, registo de propriedade, certificado de inspeção e carta de condução, como também, porque o evento incluía um itinerário de mais de 600km pelas regiões norte e centro, juntando várias componentes como gastronomia, com seleção de vários restaurantes elucidativos da gastronomia local, hotéis específicos para pernoitarem e incluía visita a um museu e por fim não era sequer necessário para estar inscrito no evento a inscrição na Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, como ocorre nas verdadeiras provas de cariz automobilístico.

Embora contendo troços interrompidos ao trânsito isso ocorria apenas para salvaguardar medidas de segurança e para que, nalguns locais o evento decorresse sem interrupções, sendo certo que o objetivo da prova não era realizar o melhor tempo mas efetuar o percurso em tempos iguais, sendo o tempo gasto um mero fator secundário, tendo sido por isso que denominou o evento de passeio, nunca tendo tido qualquer intenção de faltar à verdade dos factos ou defraudar quem quer que fosse.

Mais invoca o A., sem prescindir do entendimento supra referido que, ainda que o A. participasse numa prova desportiva, jamais as cláusulas de exclusão que a R. invoca para fundamentar a sua posição lhe poderiam ser opostas, na medida em que as mesmas se contêm num documento previamente elaborado pela R., sem qualquer participação do A. e cujo teor o mesmo desconhecia, tudo em clara violação do artº 5º do DL 446/85 de 25.10.

Conclui como na petição e propugna pela total improcedência das exceções invocadas e do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Convocada audiência preliminar, nessa sede a R. veio pronunciar-se quanto à nulidade das causas de exclusão, impugnando a factualidade que lhes subjaz e argumentando que aquando da celebração do contrato de seguro, ao A. foi entregue uma pasta que continha toda a documentação referente ao dito contrato, motivo pelo qual, logo em finais de 2006 o mesmo ficou conhecedor de todas as condições gerais e particulares aplicáveis ao contrato que celebrou.

Já com o processo em fase de julgamento, o A. veio deduzir incidente de liquidação, tendo liquidado a parte do pedido não determinada na petição e por via dessa liquidação propugna pela condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de 46.944,11€, acrescida dos juros legais a contar da citação e até integral pagamento.

Alegou então que, já na pendência da ação veio a proceder à reparação do seu veículo e verificou que os danos que o mesmo apresentava eram mais extensos do que os que a estimativa sem desmontagem evidenciava, tendo gasto na reparação a quantia de 36.194,11€, a que acrescem os já invocados na petição quanto à privação do uso do veículo, no montante de 10.750€, tudo num valor global equivalente ao ora peticionado, assim se devendo condenar a R. em conformidade.

A Ré veio defender a liminar rejeição da liquidação incidental apresentada, ou em qualquer caso, que se profira decisão que a absolva do pedido liquidado.

Por despacho de fls. 434, admitiu-se o incidente e ampliou-se a base instrutória, tendo por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT