Acórdão nº 2393/12.8TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório No processo supra identificado, findo o inquérito, o Ministério Público, proferiu despacho de arquivamento, nos termos do art. 277.º, n.º 2, do CPP, relativamente a factos participados por A....

contra a arguida B....

, pela prática de um crime de falsidade de depoimento p. e p. pelo art. 359.°, n.º 1 e 2 do CP e contra o arguido C....

, pela prática de um crime de falso testemunho p. e p. pelo art. 360.º, n.º 1 e 2 do CP.

* O queixoso, tendo-se constituído assistente, notificado daquele despacho de arquivamento veio requerer abertura da instrução, sustentando que deve ser proferido despacho de pronúncia pelos factos participados, por integrarem a prática de um crime imputado aos arguidos, o que fez nos seguintes termos: « A.... , divorciado, portador do B.I. n.º (...) , emitido em (...) 2006, pelo Arquivo de Identificação de Coimbra, com o número de identificação fiscal (...) e residente na Rua (...) Coimbra, Assistente nos autos acima identificados, porque é parte legítima e está em tempo, vem, nos termos do artigo 287.° do Código do Processo Penal, requerer a abertura da instrução, nos termos e com os fundamentos seguintes: Razões de Facto e de Direito discordantes da não acusação: 1.º - O Assistente participou criminalmente dos arguidos no processo indicado e ai melhor identificados, imputando-lhes os crimes de falsidade de depoimento e falsidade de testemunho constantes nos artigos 359° e 360° do Código Penal 2.º - O Ministério Público, após inquérito profere despacho de arquivamento com os seguintes argumentos, aqui resumidos:

  1. O crime de falsidade de depoimento e falsidade de testemunho protegem a realização da justiça, que não foi colocada minimamente em perigo pelos arguidos.

  2. Os seus depoimentos não se revelam falsos.

  3. A alegada omissão de informação relativa à situação económica de B.... padece de total irrelevância para o objecto do processo.

Do crime de falsidade de testemunho e das situações em que não coloca minimamente em perigo a realização da justiça: 3.º - O Doutor Medina de Seiça refere no Comentário Conimbricense (2001:451) que a realização da justiça é um bem jurídico que merece protecção penal sempre que se verificar um dos crimes previstos e puníveis entre os artigos 359.º e 371.º, e este bem jurídico procura "sublinhar mais a verdade funcional (da tarefa) do que a institucional (do aparelho ou órgãos) ".

4.º - O Doutor Paulo Pinto de Albuquerque (2010: 931), no seu comentário ao Código Penal entende que a realização da justiça quando protegida enquanto bem jurídico com relevância penal protege a veracidade do depoimento das partes ou sujeitos do processo 5.º - O Doutor Figueiredo Dias, nas Actas da Comissão de Revisão do Código Penal (1993: 415) entende haver um agravamento das penas relativas a este bem jurídico uma vez que se procura aproximar a nossa legislação de outras conexas onde a violação da realização da justiça é um dos crimes mais graves.

6.º - O Doutor Taipa de Carvalho (2011: 50), no seu livro Direito Penal Parte Geral, entende, um critério jurídico-constitucional do conceito material de bem jurídico-penal assente na dignidade da pessoa humana e na afirmação do sistema social (confrontando o artigo 1 ° da CRP), sendo um núcleo essencial do bem jurídico a realização e a funcionalidade da justiça e do sistema social.

7.º - O Doutor Figueiredo Dias (2004: 121), no seu livro Direito Penal, parte geral, afirma que para além da noção de bem jurídico dotado de dignidade penal é necessário estar subjacente um critério de necessidade de tutela penal subsidiária, que leva a que o estado intervenha o menos possível, sendo a sua intervenção apenas admissível na medida em que assegure o essencial funcionamento da sociedade.

8.º - O bem jurídico realização da justiça é por isso fundamental ao correcto funcionamento do aparelho judicial mas é, essencialmente, um garante da paz social, pelo que não se compreende urna desvalorização das declarações só porque se revelam laterais à decisão da causa.

9.º - O bem jurídico realização da justiça tem relevância adjectiva quando o artigo 91.º, do Código do Processo Penal (CPP) se refere ao juramento pelas testemunhas, tem, igualmente importância processual quando o artigo 132.º, no seu n.º l alíneas b) e d) se refere ao dever de prestar juramento e responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas, encontra-se igualmente previsto, no artigo 145.º quando se refere ao dever de verdade (ainda que não preceda de juramento) que recai sobre o assistente e partes civis.

10.º - O bem jurídico realização da justiça encontra relevância substantiva nos artigos 359.º e 360.º do Código Penal (CP).

11.º - O Doutor Medina de Seiça no Comentário Conimbricense (2001: 462), relativamente á declaração falsa, afirma: "De facto, a protecção da função estadual não é posta em causa apenas quando a declaração falsa é tida em consideração entre os fundamentos da decisão (...) mas mesmo nos casos em que essa influência não se verificou em concreto" Acrescentando, o insigne jurista, "o fundamento do ilícito é logo a própria declaração falsa, independentemente da consideração da sua efectiva influência na decisão" 12.º - O Professor Paulo Pinto de Albuquerque, ao referir-se no seu Comentário do Código Penal (2010: 932), ao referir-se à noção de declaração falsa afirma "o dever de verdade inclui, não apenas os elementos essenciais do facto sobre que incide o depoimento, mas também as circunstâncias que não tenham significado especial para a prova a que o depoimento, relatório, informação ou tradução se destinar" 13.° - No respeitante à interpretação referente ao crime de falsidade de testemunho, p. e. p. no artigo 360.º do Código Penal relativamente aos comentários dos Doutores Medina de Seiça e Paulo Pinto de Albuquerque que o dever de verdade inclui todo o conhecimento da testemunha sobre o facto, sendo que "a omissão consciente da informação relevante para a decisão da causa também constitui a testemunha em responsabilidade" (Paulo Pinto de Albuquerque, 2010: 935). O Autor acrescenta (2010: 938): "A consumação do crime não exige a verificação de qualquer dano para a descoberta da verdade ou a justiça concreta do caso (...) é pois irrelevante apurar se o meio de prova viciado foi ou não determinante para o sentido da sentença ou decisão processual".

14.° - O Doutor Medina de Seiça (2001: 468) referindo-se ao dever de verdade subjacente a este artigo escreve o seguinte: "Na verdade a essencial idade do facto declarado não constitui elemento típico, pelo que a falsidade de uma declaração respeitante a uma circunstância considerada não essencial mas pertencente ao objecto do interrogatório realiza a tipicidade (...)." Da falsidade de testemunho 15.º - Reforça, o digno magistrado do MP, o seu argumento com a afirmação que "temos, pois, que os factos posteriores ao período em causa na acusação e na sentença e que terão alterado a situação económica de B.... são, como foram, irrelevantes para o processo onde foram prestados os depoimentos em causa omissivos dos novos elementos (...) ainda que seja como o ofendido refere, tal matéria seria irrelevante já que B.... e C.... apenas tinham em rigor de se pronunciar a quanto ao lapso temporal em causa." 16.º - Quanto ao facto dos seus depoimentos não se revelarem falsos, remetemos para as declarações transcritas no auto de participação criminal, onde, referente às declarações da Arguida B.... (feitas a 21 de Junho de 2012), esta responde às perguntas que lhe são feitas pelo Meritíssimo Juiz sempre no presente do indicativo: "Ganho 750... "; " (...) ela ainda agora farta-se de chorar que quer ir para a ginástica e eu não tenho dinheiro (...) "; "Claro, e por muitas vezes porque não tenho dinheiro para pagar".

17.º - Como se pode verificar, o uso do presente do indicativo na frase, implica que o agente se esteja a referir a um tempo presente, e não a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT