Acórdão nº 232/06.8TBMIR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução21 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

“M (…) S.A. – Conservas Alimentares”, propôs contra “Q (…) – Comércio e Indústria Química, S.A.”, ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu: A condenação da Ré no pagamento do montante de € 912.226,09 a título de ressarcimento dos seus prejuízos já apurados à data da propositura da ação, bem como no pagamento da quantia indemnizatória pelos prejuízos ainda não mensuráveis àquela mesma data, relegando-se tal quantia para a competente execução de sentença, a tudo acrescendo os juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto: Ser uma empresa que se dedica à indústria e comercialização de conservas alimentares, designadamente de azeitonas de vários calibres e em diversos formatos, pickles e molhos alimentares, enquanto a Ré, por seu turno, é uma empresa que se dedica maioritariamente à atividade comercial de produtos químicos para diferentes aplicações, maxime para a indústria alimentar.

No exercício das suas atividades e no âmbito das relações comerciais existentes, a A. adquiriu à Ré, em 9 de Março de 2006, três contentores de 1000 litros cada de ácido acético a 80% para uso alimentar, que foram diretamente entregues nas suas instalações no dia seguinte, 10 de Março, ácido acético esse destinado a ser incorporado no processo inicial de acondicionamento em depósitos (fermentadores) de azeitona, para os fins de comercialização posterior nos mercados interno e externo, através da marca “M (....)”.

Os serviços de controlo de qualidade da demandante, utilizando os procedimentos de controlo habituais, efetuaram uma diluição em água a 10% no laboratório, constatando que a solução diluída se apresentava incolor e com cheiro intenso a ácido acético, tal levando a que, nesse conspecto, na semana de 13 a 17 de Março de 2006 começasse a ser o ácido da Ré utilizado no processo produtivo da demandante.

No dia 9 de Abril de 2006 foram detetados pelos serviços técnicos da A. alguns fermentadores contendo azeitona com sabor e odor a desinfetantes, não correspondente, portanto, ao sabor e odor habituais, e que resultavam diretamente do ácido acético vendido pela Ré à A., de cuja composição se apurou constar fenol, composto tóxico suscetível de provocar danos – mortais, em alguns casos – na saúde da pessoa.

No dia 12 de Abril de 2006, a A. contactou os serviços comerciais da Ré, através da sua técnica comercial, engenheira (…), que no dia seguinte se deslocou às instalações da demandante, onde pôde confirmar que efetivamente o ácido acético em causa era o que havia sido fornecido pela demandada, sendo então vertido a escrito tal entendimento consensual entre os técnicos da A. e da Ré.

Em 20 de Abril de 2006 reiterou formalmente a denúncia de defeitos levada a cabo em 12 e 13 do mesmo mês de Abril, mandando também, e de modo cautelar, efetuar uma análise ao ácido acético em laboratório oficial acreditado, o qual concluiu do mesmo modo, isto é, no sentido de que tal ácido continha fenol.

Não obstante a denúncia de defeitos efetuada pela A., a Ré remeteu-se ao silêncio, não assumindo a sua responsabilidade em face dos prejuízos causados à demandante, e apenas dialogando em Julho e Agosto do referido ano de 2006.

Contestou a Ré.

Por exceção alegou que a A. não denunciou os supostos defeitos do produto junto da Ré nos prazos e condições previstos na lei comercial aplicável, pelo que o seu eventual direito a esgrimir a questão em juízo há muito caducou.

Por impugnação disse que o ácido acético por si vendido reunia as características pela mesma anunciadas na sua ficha técnica, não sabendo ela – nem tendo de saber, visto que tal não lhe foi referido pela A., que também não lhe solicitou quaisquer cuidados suplementares – qual o destino efetivo do ácido.

Ora, podendo ter tal ácido como aplicações comuns as anunciadas na sua ficha técnica, ou seja, o tratamento de águas, a indústria têxtil e química, e não pondo a demandante em causa reunir o ácido concretamente fornecido pela Ré as características constantes da respetiva ficha técnica, cumpriu esta integralmente e de forma perfeita a sua prestação.

Não pode dizer-se ter sido o ácido acético por si vendido à demandante o causador do sabor que esta última considera prejudicial na azeitona, tanto mais que a Ré não produz nem comercializa fenol, sendo os reservatórios onde armazena e transporta o ácido acético exclusivamente dedicados a este produto e a sua limpeza sempre verificada antes do seu enchimento.

O lote de ácido acético fornecido pela contestante à A. havia sido por aquela adquirido, como habitualmente, à empresa “(…) S.L.”, e, com exceção da demandante, nenhum dos outros clientes a quem a A. vendeu tal lote de ácido acético reclamou o que quer que fosse.

A engenheira (…), referida na douta petição inicial, é uma técnica comercial, sem poderes nem preparação técnica para decidir, pelo que a declaração por ela assinada não pode vincular nem vincula a demandada, ainda para mais tendo sido obtida em uma reunião absolutamente dominada pelos técnicos da demandante e no desconhecimento, pela referida engenheira (…), dos processos de fabrico da A. e das características desejadas ou indesejadas do ácido para a azeitona.

A A., duplicou ela os danos na sua petição, pretendendo que a Ré lhe pague duas vezes a azeitona que diz ter ficado inutilizada em consequência do ácido.

Mais deduziu a Ré o incidente de intervenção acessória da sua fornecedora de ácido acético – a aludida “Química (…), S.L.” –, de onde proveio o ácido depois pela mesma Ré vendido à demandante, pois que, a eventualmente ser considerada a Ré responsável pelos danos sofridos pela A., então a responsabilidade por aqueles que vierem a provar-se deve-se, nos termos legais aplicáveis, exclusivamente à chamada, já que só nas suas instalações ou durante o transporte em cisterna para as instalações da A. poderia ser o referido ácido acético contaminado.

Pediu: A improcedência da ação.

Replicou a demandante.

Relativamente à exceção da caducidade disse haver denunciado os defeitos do produto que lhe foi vendido no prazo que a lei prevê, fazendo-o prontamente pelo telefone três dias volvidos após a sua deteção, ou seja, em 12 de Abril de 2006, como o prova a deslocação, no dia seguinte, da engenheira (…) às instalações da A., onde pôde confirmar, reconhecendo, que o produto defeituoso era o vendido pela demandada e que o mesmo se não encontrava conforme ao contratado, procedendo mesmo à recolha de amostras lacradas para uma análise mais detalhada. A tudo acrescendo que a denúncia dos defeitos verificados foi reiterada por carta registada com aviso de receção enviada à Ré em 20 do mesmo mês de Abril de 2006.

Quanto ao mais disse ser do conhecimento da Ré o fim ou destino do ácido acético solicitado pela A.

Reiterou o aduzido na pi e impetrou a como litigante de má fé.

Foi admitido o incidente de intervenção acessória.

Contestou a interveniente “Química (…), S.L.”.

Disse ser do seu inteiro desconhecimento tudo o que se passou a jusante do momento da entrega, pela chamada, do produto em questão – ácido acético – nas instalações da demandada, designadamente se o ácido acético alegadamente vendido pela demandada à A. foi todo ou parte do lote que a chamada forneceu à Ré e qual o uso que esta mesma demandada fez do aludido produto ou sequer se o vendeu – a quem e em que condições –.

Que forneceu à ré um lote de ácido acético descarregado nas respetivas instalações no dia 9 de Fevereiro de 2006, e que fora sujeito, na origem – instalações da interveniente, em Espanha – a testes de qualidade, os quais obtiveram resultados conformes, originando o inerente certificado de análise.

O ácido acético não é passível de degradação pelo mero decorrer do tempo, assim o mesmo não haja sido incorretamente armazenado, manipulado ou alterado.

Concluindo pela improcedência do pedido.

  1. A matéria da caducidade, com base nas normas da lei comercial, foi julgada improcedente.

    Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes, sintetizadas, conclusões: 1ª – Estamos perante um contrato de compra e venda subjetiva e objetivamente comercial.

    1. – Trata-se de contrato de compra e venda designada por padrão.

    2. – A autora encomendou acido acético com uma concentração de 80%, sendo assim tal acido um produto normalizado, para o qual basta essa referencia que traduz uma qualidade conhecida no mercado, para se saber o que se trata 4ª –O caso subsume-se, pois, nos disposto nos artºs 469º e 471º do C. Comercial.

    3. –A autora deveria ter reclamado o defeito no prazo de oito dias a partir da entrega, sob pena de caducidade do seu direito.

    4. – Este prazo só começaria a contar depois de conhecido o defeito se a autora alegasse e provasse: - a impossibilidade do exame no momento da entrega e o momento em que teria cessado essa impossibilidade; - o tardio surgimento do defeito e quando passou a ser detetável; - que atuou com a diligencia exigível no trafico comercial.

    5. – A autora não logrou fazer al prova.

    6. – Assim, encontrando-se assente que o acido foi rececionado pela autora no dia 10 de março de 2006, e que esta só reclamou o defeito no dia 20 de abril, caducou o direito de a autora reclamar do defeito.

      Contra alegou a autora pugnando pelo indeferimento da presente pretensão.

      Aduziu, em síntese: 1ª - O Contrato assume a natureza de comercial.

    7. – O tribunal não se pronunciou sobre se se trata, ou não, de venda designada por padrão, pelo que vedado à recorrente estava insurgir-se sobre esta matéria, pois que o recurso se destina a reapreciar questões decididas e não a criar decisões sobre matéria nova.

    8. – O que está em causa é a existência de defeitos no bem fornecido pela ré, o cumprimento defeituoso desta, pela existência de fenol, substancia esta que não pode considerar-se “caraterística padrão”, ou “qualidade conhecida no comércio” do ácido acético a 80%.

    9. – Destarte, o regime aplicável é do artº 913º e segs...

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