Acórdão nº 6275/14.0TBCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

A (…), Lda, intentou contra S (…), Lda.

ação especial de insolvência.

Alegou, no essencial: No exercício da sua atividade comercial forneceu à requerida diversos bens e serviços que esta não pagou, sendo por isso titular de um crédito no valor de € 10.739,85.

A requerida cumpriu pela última vez a obrigação legal de prestar contas relativamente ao exercício de 2010.

Desde dezembro de 2013 que cessou a atividade, não tendo quaisquer trabalhadores ao seu serviço, pelo que não gera quaisquer rendimentos e está impossibilitada de cumprir as obrigações vencidas dos seus credores.

Pediu: Que seja declarada a insolvência da requerida.

A requerida deduziu oposição.

Disse: Os seus gerentes encontram-se em litígio, tendo um deles sido destituído, e um dos sócios da requerente, e seu anterior gerente, é cunhado deste gerente destituído.

Existe conluio entre o sócio da requerente e este gerente na propositura da ação, e a insolvência foi requerida para beneficiar o dito gerente e a sua esposa, que também tem um litígio com a sociedade.

O valor da dívida será inferior ao referido, mas que o atual gerente desconhece o seu montante porque o gerente destituído não facultou à sociedade informação que permita apurar o valor real daquela.

As contas de 2012 foram apresentadas, embora tardiamente, devido à falta de informação do gerente destituído, e esta é também a razão pela qual não foram prestadas as contas de 2013.

Não desenvolve atividade porque o gerente destituído se recusar a registar as atas que estão na sua posse e impediu-a de concorrer para a continuação da exploração do parque de campismo da (...) .

Não está impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas porque possui ativos fixos, tangíveis e intangíveis, que poderão ser alienados para solver as suas dívidas, sendo o seu ativo superior ao passivo.

Conclui pedindo: A improcedência da ação e a condenação da requerente como litigante de má fé.

  1. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual, nuclearmente, foi decidido: «julgo procedente a presente ação e, em consequência: Declaro a insolvência da requerida, S (…) Lda.

    , (…), com sede na Rua (...) Pocariça.» 3.

    Inconformada recorreu a requerida.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. – Improcedência da ação.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    5.1.2.

    Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e com o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

    Das mesmas sobressai a indicação – nº 1 al. b) - dos «concretos meios probatórios constantes no processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão… diversa…» Sendo que -nº2 al. a) - «quando os meios probatórios…tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição imediata do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso…».

    Acresce que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

    E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

    Porque, afinal, quem julga é o juiz.

    Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma concreta e discriminada análise objetiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

    A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

    E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.

    Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de ser demonstrada pelo recorrente através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta.

    5.1.3.

    No caso sub judice pretende a recorrente que se dê como provado: - o gerente destituído planeou com cunhado que a sociedade fosse decretada insolvente, beneficiando pessoalmente a sua esposa e o seu cunhado, sócio da requerente, em detrimento dos demais sócios e credores.

    - a requerente ao requerer o pedido de insolvência está a pretender apenas beneficiar o cunhado, gerente destituído (…) e a sua esposa, (…).

    (sublinhado nosso) O tribunal não deu tal acervo como provado com a seguinte argumentação: «Não se deu como...

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