Acórdão nº 136/14.0TBNZR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução03 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: A...- Imobiliário, Unipessoal Lda propôs a presente acção contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 1.882.524,81, acrescido de juros de mora.

Para tanto, alegou, em suma: - Em 23.12.2011 J... e mulher, M... instauraram um procedimento cautelar de arresto contra A..., M..., a aqui A (A..., Lda) e B..., SA.

- Nesse procedimento, os aí requerentes alegaram, além do mais, que: os requeridos A... e M... arquitectaram um plano para não liquidar as obrigações que haviam assumido perante aqueles; a sociedade aqui A. havia sido constituída em 4.06.2004 com dinheiro dos requerentes e dos referidos A... e M..., mas apenas em nome do filho destes, T..., único sócio e gerente da ora A., para que aquele A... pudesse prosseguir a actividade de compra, construção e venda de imóveis, a qual sempre foi desenvolvida apenas por este, servindo o nome do seu mencionado filho (unicamente) para esse efeito; o mesmo sucedeu com a constituição da requerida B..., SA, da qual também o referido T... era administrador único, que foi criada apenas para transferir o património dos requeridos A... e M... para a sua titularidade, para se furtarem ao pagamento aos credores. Concluíram, depois de invocarem a figura da desconsideração da personalidade jurídica relativamente à aqui A. e à requerida B..., SA, pedindo o arresto sobre vários imóveis.

- Dessa actuação processual resultou o registo do procedimento cautelar em todos os imóveis pertencentes às demandadas, incluindo a ora A, e com ela os requerentes visavam prejudicar as mesmas e forçar os requeridos singulares a submeter-se à sua vontade, por se tratar de empresas (somente) do filho dos requeridos, tendo pressionado, deliberada e consciente, a paralisação da aqui A.

- Esse comportamento dos requerentes, com base em manipulação de factos, acabou por frutificar e cumprir esse seu fito primordial, contando com a inesperada complacência do Tribunal, face à decisão que, sem audiência dos requeridos, veio a proferir decretando o arresto nos moldes peticionados, que, no que à A. respeita, incidiu sobre todo o seu património.

- Essa decisão ficou afectada de erro judiciário, em consequência do qual a A. sofreu os prejuízos cuja reparação pretende nesta acção – resultantes directamente da perda do negócio, cessação dos contratos de trabalho e verbas despendidas com a manutenção dos imóveis ([1]) –, porque, para além de incorrer em excesso de arresto, considerou, «pelo menos segundo um juízo indiciário de que estamos perante um caso passível de proceder ao levantamento da personalidade jurídica [das requeridas sociedades], na medida em que, designadamente, o contrato-promessa entre 1.ºs requeridos e a 3.ª requerida foi celebrado com o intuito de prejudicar os requerentes, evitando a cobrança do seu crédito, contrato este indiciariamente simulado (arts. 240.º e 289.º, ambos do Código Civil), sendo que as 2.ª e 3.ª requeridas indiciariamente foram utilizadas com esse objectivo».

- Porém, no âmbito do recurso que a A interpôs dessa decisão, a Relação revogou-a e, consequentemente, ordenou o levantamento do arresto na parte incidente sobre os imóveis da A (recorrente), por ter ponderado: «(…) só é possível equacionar e operar a desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica de sociedade comercial no confronto com membro(s) desta – notadamente sócio(s) –(…). E assim sendo, como é, inviável se apresenta efectuar a desconsideração [invertida] da personalidade jurídica da Recorrente “A...” para, mediante essa – como dito – excepcional medida, fazer responder o seu património pelas dívidas passivas de tais Requeridos. (…) daí que não sendo a Recorrente … devedora dos Requerentes, motivo algum existia ou existe … para que os seus bens sejam objecto do vertente arresto que, desse modo, não se pode manter, antes se impondo prover ao respectivo levantamento.

».

O R Estado contestou, defendendo que não se retiram dos fundamentos aduzidos pela A nem dos termos do processo o invocado erro grosseiro e evidente da decisão, de modo a poder reputá-la de ilícita, injusta ou indefensável, ao que acresce, quanto ao alegado excesso no arresto, que tal erro não foi previamente reconhecido pelo tribunal de recurso, o que constituiria uma condição da acção. O R também sustentou que os eventuais prejuízos que a A pretende ver ressarcidos resultaram, quando muito, da conduta dos requerentes da providência, não podendo ter ocorrido em virtude da decisão judicial do tribunal.

A Sra. Juíza, julgando improcedente o pedido da A, por entender não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil por erro judiciário, dele absolveu o R.

Inconformada com tal decisão, a A.

recorreu, colocando a questão de saber se nesta acção são invocados fundamentos idóneos e suficientes para determinar o prosseguimento dos autos a fim de apurar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R. Estado, assente no erro judiciário de direito, manifesto ou grosseiro, cometido na decisão que decretou o arresto no referido procedimento cautelar, nas duas seguintes vertentes: 1ª) errada aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica da apelante; 2ª) excesso de bens arrestados, mesmo atendendo a que não houve pronúncia do Tribunal Superior quanto a esta segunda concreta matéria ou parte da decisão.

Nos termos do art. 663º nº 6 do CPC, não tendo sido impugnada, nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância à mesma concernentes, reproduzindo-se aqui, apenas, os seguintes factos considerados indiciariamente assentes na decisão que decretou o arresto ([2]): «1) Os requerentes foram emigrantes em França até ao início da década de 2000.

2) O requerente marido é irmão do 1.º requerido A...

3) Para além de familiares, os requerentes e 1.ºs requeridos eram muito amigos.

4) O 1º requerido dedica-se à atividade de construção civil, tendo, no passado, sido gerente de outras empresas.

5) Tais empresas deixaram de laborar por existência de dívidas ao Estado e outros credores.

6) Na sequência disso, os 1.ºs requeridos perderam ou ocultaram todo o seu património e não pagaram aos credores.

7) Por esse motivo, deixaram de ser titulares de contas bancárias e de recorrer ao financiamento bancário para o exercício da atividade empresarial.

8) Em consequência do referido em 6) e 7), os 1ºs. requeridos acordaram com os requerentes em desenvolverem em conjunto a atividade de compra, construção e venda de imóveis.

9) A atividade iniciou-se com recurso a capitais dos requerentes e titulada apenas por estes, mas desenvolvida em Portugal pelo 1.º requerido, sendo este que procurava os terrenos onde iam ser construídos os edifícios e dirigia a construção e encontrava os compradores para o produto final.

10) Na sequência do referido em 8) e 9), no desenvolvimento da atividade de construção, no ano de 2003, os requerentes adquiriram um terreno para construção sito na Rua da ..., no ...

11) O objetivo era construir naquele terreno um edifício destinado a habitação e comércio com três andares e garagens e vinte e sete frações, com recurso a financiamento bancário.

12) A construção do edifício foi concluída encontrando-se o prédio descrito na conservatória do registo predial da ...

13) Por escrito intitulado “contrato nº... (com hipoteca)”, datado de 11 de Julho de 2005, os requerentes solicitaram e obtiveram do Banco B..., SA, “crédito no montante de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) (…) a qual vai ser utilizada na construção dos edifícios a implantar nos prédios adiante descritos e hipotecados.

(…) Cláusula 9ª: Um – Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, designadamente amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro que a “IC” venha a pagar em substituição do mutuário, este constitui hipoteca sobre os seguintes imóveis: Prédio descrito sob o nº... da freguesia de ..., da Conservatória do Registo Predial da ..., inscrito na respetivamente matriz predial rústica sob o artigo ... A referida hipoteca encontra-se já inscrita provisoriamente a favor da “IC” pela inscrição C-1”.

14) A sociedade “A... – Imobiliário, Unipessoal, Ldª.”, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial da ---, com o NIPC ..., mediante a Ap. 27/20040604, com o objeto social de arquitetura, engenharia, design, marketing, bem como consultadoria e formação profissional e não profissional em todas as áreas atrás descritas; conceção e acompanhamento de obras, edifícios ou objetos em todas as vertentes das áreas atrás descritas; construção civil e obras públicas; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária, com o capital de 5.000,00€, com o seguinte sócio: T..., com uma quota de 5.000,00€, cabendo a este a gerência, doc. de fls. 50 e ss., quando este concluiu a licenciatura em arquitetura, para continuar a atividade de compra, construção e venda de imóveis desenvolvida pelos requerentes e 1ºrequeridos, utilizando para o efeito capitais pertencentes a estes. [Provado indiciariamente ainda que o] referido T... é filho dos 1ºs requeridos.

15) Os requerentes, os 1ºs requeridos e o único sócio da 2ª requerida acordaram que a referida sociedade titularia negócios dos requerentes e 1ºs requeridos em proporção que concretamente não foi possível apurar.

16) A partir de então, os negócios tanto podiam ser titulados pelos requerentes como pela 2ª requerida.

17) Sempre foi o 1.º requerido marido quem negociou e contratou os empreiteiros de todas as obras da 2.ª requerida.

18) É a ele que todos os trabalhadores e fornecedores conhecem, sendo que o nome do filho apenas serviu para que pudesse prosseguir com os negócios.

19) É igualmente o 1.º requerido marido quem faz todos os pagamentos da 2.ª requerida.

20) A...

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