Acórdão nº 406/14.8TBCVL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SILVA
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. Na sequência da declaração de insolvência de A..., SA vieram a ser reclamados créditos por vários credores.

Junta a lista de credores reconhecidos pela Sr.ª Administradora da insolvência, foi a mesma objeto de várias impugnações.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença de reconhecimento e graduação de créditos.

  1. Inconformadas com o decidido, vêm apelar as credoras ...

II - FUNDAMENTAÇÃO 3. OS FACTOS Em 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: ...

4. O MÉRITO DOS RECURSOS O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).

4.1. RECURSO DA C..., que formulou as seguintes CONCLUSÕES: ...

Termos em que deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra, que gradue o crédito da C... acima do crédito da trabalhadora, tudo nos termos supra expostos.

Face a tais conclusões, importa decidir: · Reapreciação da matéria de facto · O que deve entender-se por afetação dos imóveis à atividade da insolvente · Se a interpretação do art. 333º nº 1 al. b) do CT pugnada na sentença importa violação dos princípios constitucionais da igualdade e do princípio da confiança.

4.1.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ...

Corolário do princípio do dispositivo (hoje, mais referido por princípio da controvérsia), recai sobre as partes o ónus de alegação dos factos principais que constituem os fundamentos das suas pretensões, já que ao juiz apenas é permitido atender aos factos instrumentais, aos que complementem/concretizem aqueles que as partes hajam alegados e aos factos notórios: art. 5º do CPC.

Quais os factos essenciais a alegar, dependerá da especificidade do litígio (pedido-causa de pedir) que se pretende ver apreciado.

Num caso como o presente (verificação e reclamação de créditos em processo de insolvência), na reclamação de créditos é essencial a alegação da proveniência, montante (capital e juros) e data de vencimento do crédito, as condições a que estiver sujeito, bem como a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, sendo que, neste último caso se terá de identificar o bem sobre que recai a garantia: art. 128º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (de futuro, apenas CIRE).

De acordo com a alínea c) do art. 128º do CIRE, se a garantia recair sobre imóveis devem referir-se “os dados de identificação registral”, ou seja, a Conservatória onde o prédio se encontra registado, o seu número, a sua descrição e o nome do titular em que se encontra inscrito.

Ora, sendo a descrição dum prédio [[1]] um dos seus dados de identificação registral, a composição do prédio referido na verba nº 2 do auto de apreensão de bens teria de ser considerado um facto essencial, a alegar pela Credora Reclamante porque constitutivo do seu direito: art. 342º nº 1 do Código Civil (de futuro, apenas CC).

Mas, no âmbito que nos ocupa, não é assim.

E não é essa a solução uma vez que a reclamação de créditos não é dirigida ao juiz, antes ao administrador da insolvência, e não faz sequer parte do apenso de verificação de créditos.

Como bem refere Mariana França Gouveia [[2]], a propósito da necessidade de observar a forma articulada na reclamação de créditos e de quais os factos a alegar para poderem ser apreciados pelo juiz, «o problema (…) reside na circunstância de a reclamação não servir para elaborar a base instrutória e a matéria de facto assente, já que nunca chega ao conhecimento do juiz. Repare-se que, nos termos do art. 132º CIRE, no apenso de verificação do passivo apenas são juntas as impugnações e as resposta. Somente sobre estas peças processuais incide o trabalho judicial de saneamento e condensação. As reclamações são tratadas unicamente pelo administrador da insolvência (…).» [[3]] Assim, «Tendo-se em conta que apenas com a impugnação se inicia uma fase litigiosa da verificação do passivo, deve entender-se que a impugnação corresponde a um primeiro articulado, sendo equiparado à peça introdutória da acção. Entendendo, então, a impugnação como uma petição inicial, a resposta deve ser equiparada à contestação.». [[4]] Porém, na lógica do sistema processual criado para a verificação do passivo, a consideração da impugnação como petição inicial, não significa um total desligamento da reclamação.

A reclamação é dirigida ao administrador e deve conter a alegação dos factos relativos ao crédito reclamado, já atrás enunciados.

Ao administrador competirá elaborar a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos e, quanto a estes, fundamentar a sua decisão, indicando “os motivos justificativos do não reconhecimento”: art. 129º nº 3 CIRE.

Assim, para um credor reclamante, a necessidade de impugnação só surge na medida em que o seu crédito não foi reconhecido, ou o foi só parcialmente ou mereceu diversa qualificação por parte do administrador: art. 130º nº 1 CIRE Então, dependendo da razão invocada pelo administrador para o “não reconhecimento” (numa das vertentes referidas no art. 130º nº 1 do CIRE), os factos essenciais a alegar na impugnação serão apenas aqueles que forem necessários para contrariar o motivo do não reconhecimento invocado pelo administrador.

No caso da credora T..., o Sr. administrador reconheceu-lhe um crédito de € 15.858,24, sem juros, com fundamento em contrato de trabalho, privilegiado e, quanto a garantia, “art. 333º do Código do Trabalho – Privilégio mobiliário geral (Não goza de privilégio imobiliário especial, pois a trabalhadora não desempenhava funções nos imóveis da propriedade da insolvente apreendidos nos autos”).

A razão da discordância da credora reside apenas quanto ao não reconhecimento do privilégio imobiliário especial sobre os prédios apreendidos sob as verbas nº 1 e 2.

O art. 333º nº 1 al. b) do Código de Trabalho (de futuro, apenas CT), confere ao trabalhador privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade.

Portanto, como factos essenciais, tinha a credora impugnante o ónus de alegar e provar os atinentes ao âmbito das suas funções na empresa e ao local onde as exercia.

Visto isto, olhemos então a pretensão da Recorrente.

Quanto a “2. Que a trabalhadora não exercia funções nos prédios aprendidos a favor da massa insolvente e identificados sob as verbas n.º 1 e 2, neste sentido veja a confissão da trabalhadora – artigo 19º da sua impugnação”, não se trata de um facto, mas duma conclusão de direito.

É sabido que «(…) a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.». [[5]] [[6]] Na verdade, face ao que se debate nos autos, saber se a trabalhadora impugnante exercia ou não funções nos imóveis faz parte do thema decidendum, será a conclusão a retirar da correlação de dois factos: as funções por ela exercidas e o local onde prestava o seu trabalho.

Consequentemente, se tal constasse da matéria de facto, teria de se considerar como não escrito e eliminado, por não se tratar de um facto mas de uma conclusão, tal como era expressamente consignado no nº 4 do art. 646º do CPC, na sua anterior redação. Pese embora a atual versão do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT