Acórdão nº 204/14.9PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de instrução n.º 204/14.9PCCBR que correm termos no Tribunal da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – J1, de que os presentes constituem apenso, em que é assistente A... e arguido B... , ambos já melhor identificados nos autos, foi proferido despacho, constante de fls. 55, que indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido para ser ouvido no âmbito da instrução, assim como foi proferido despacho de pronúncia do arguido, constante de fls. 63 a 74, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, a) e 2 do Código Penal, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público e após ter sido realizada a instrução requerida pela assistente.

  1. Inconformado com tais decisões, delas interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação nos termos seguintes (transcrição): «1ª- Ao ter indeferido por despacho de 9.02.2015 o requerimento do arguido de 4.02.2015 para ser interrogado pelo juiz de instrução, violou o tribunal a quo, salvo o devido respeito a norma que integra o nr. 2 do art. 292º do CPP e o direito do recorrente a ser interrogado sobre os factos que lhe são imputados, limitando-se assim inadmissivelmente o exercício da sua defesa naquilo que de mais elementar ela comporta .

    1. - A denunciante / assistente não especificou como quando e onde teria sido ameaçada de morte pelo arguido, como não indicou em que local teria ocorrido a cena da faca, nem os termos empregues nas pretensas ameaças por telefone, o que descredibiliza a sua denúncia, que não deveria ter merecido acolhimento por parte do tribunal a quo, como não mereceu por parte do Ministério Público.

    2. - A história das “pressões” para entrega de dinheiro pela assistente ao arguido ora recorrente só surgiu no auto de declarações de 7.03.2014, ou seja no dia seguinte àquele em que a denunciante ameaçou de morte o arguido, segundo o despacho de acusação do Ministério Público da Figueira da Foz de 12.01.2015, proferido no processo nr. 161/14.1PBFIG e que foi junto aos autos do presente processo em 9.02.2015, o mesmo tendo sucedido com a questão das tatuagens.

      Para bom entendedor meia palavra basta

      .

    3. - Não deveriam ter sido valorados como foram os depoimentos das testemunhas C... , pai da denunciante, H... e I... pelas razões indicadas no douto despacho de arquivamento de 12.06.2014 (que o recorrente subscreve), por terem revelado «não ter presenciado qualquer situação de violência física ou psicológica entre o casal, sabendo apenas o que a denunciante lhes contou» e também pelas demais razões apontadas no capítulo III da presente motivação de recurso.

    4. - Como não deveriam ter sido valorados como foram os depoimentos das 3 testemunhas inquiridas em fase de instrução pelas razões indicadas no mesmo Capítulo III da presente motivação de recurso, designadamente porque nada de novo e credível trouxeram que pudesse justificar a alteração da decisão de arquivamento.

    5. - De tais elementos de prova, conjugada com a prova documental resultante dos docs. de fls 95, 96, 98, 99 e 102 não resultam indícios da prática de um crime de violência doméstica por parte do arguido e muito menos sob a forma agravada, pelo que , salvo o devido respeito violou a douta decisão recorrida as normas que integra o nr. 2 do art. 283º e os nr.s 1 e 2 do art. 308º do CPP e ainda a norma que integra o nr. 2 do art. 152º do CP, porquanto não estão preenchidos os requisitos para que se possa considerar verificada a agravante do crime de violência doméstica prevista naquela norma legal, dado que resulta do auto de denúncia de 3.02.2014 (fls 12) que não se verificou « entrada no domicílio do(a) denunciado(a) e vítima » mais resultando do mesmo auto que a (pseudo) ocorrência não foi presenciada por criança (até aos 18 anos), nada resultando dos autos em geral ou do despacho de pronúncia em particular que indicie a prática de qualquer facto por parte do arguido contra menor ou contra a assistente «no domicílio comum».

    6. - De todos os factos enunciados no requerimento de abertura de instrução, em que se fundamentou a douta decisão recorrida (e que são os indicados no último parágrafo da pág. 12 dessa decisão), o recorrente considera correctos apenas os descritos nos artigos 34º e 35º discordando totalmente que se tenha considerado provados todos os demais pelas razões indicadas no capítulo III da presente motivação de recurso e também pelas razões invocadas no douto despacho de arquivamento de 12.06.2014 que se subscrevem.

      Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, determinando-se o arquivamento dos autos com fundamento na falta de indícios da prática do crime que foi imputado ao arguido, ou se assim se não entender, determinando-se a anulação do despacho de 9.02.2015 que indeferiu o requerimento do recorrente de 4.02.2015, ordenando-se que o processo baixe ao Tribunal de Instrução Criminal para que aí se proceda à requerida inquirição do arguido, aproveitando-se os demais actos instrutórios com excepção do debate instrutório, determinando-se também neste caso, ainda que por razões diversas da supra-referida, a anulação da decisão instrutória objecto do presente recurso.» 4. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo que a Mma. Juíza de Instrução, ao indeferir a realização do interrogatório do arguido por ele solicitado, violou o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, b) e 292.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e, por via disso, cometeu a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, d) do mesmo diploma legal, a qual se encontra sanada por não ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório.

      No que respeita aos indícios defendeu que, como se considerou no despacho de arquivamento, os elementos probatórios recolhidos nos autos não permitem imputar ao arguido a factualidade descrita no requerimento de abertura de instrução e consequentemente a prática do crime de violência doméstica, antevendo-se como muito mais provável a sua absolvição do que a condenação.

      A assistente A... respondeu também ao recurso interposto pelo arguido, defendendo o acerto do despacho que indeferiu a audição do arguido bem como do despacho de pronúncia do arguido, a quem, no requerimento de abertura de instrução, imputou a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, a) e 2 do Código Penal.

      Concluiu pela improcedência total do recurso.

  2. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, manifestando concordância genérica com as perspectivas jurídicas e conclusões pugnadas pelo recorrente e na resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público relativamente à pronúncia, que acompanhou, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, embora deixando a resolução do caso à apreciação e critério deste Tribunal.

    No que se refere à parte do recurso relativa ao despacho exarado a fls. 55, concordando igualmente com a resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, que também acompanhou, emitiu parecer no sentido de que foi cometida a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, d) do Código de Processo Penal, embora a mesma deva considerar-se sanada por não ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório nos termos do artigo 121.º do mesmo diploma.

  3. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, a assistente A... reiterou a posição anteriormente assumida na resposta à motivação de recurso.

  4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

    * II - Fundamentação 1.

    É o seguinte o teor dos despachos recorridos: a) despacho de fls. 55: «A presente instrução é requerida pela assistente A... . Assim, não é obrigatória a diligência requerida pelo arguido. Por outro lado, os autos contêm elementos suficientes para a prolação da decisão. Nestes termos, indefere-se o requerido a fls. 171.» * b) despacho de pronúncia (fls. 63 a 74): «Vem a assistente A... requerer a abertura de instrução em virtude de não concordar com o despacho de arquivamento proferido nos autos, pugnando pela pronúncia do arguido por um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 2 do Código Penal.

    Em síntese, alega que a participação dos presentes autos foi feita na sequência das constantes ameaças físicas e psíquicas de violência que o arguido vem exercendo sobre si, desde a altura em que se conheceram; o seu pai relatou o episódio que originou a queixa dos autos e ainda as pressões de que era alvo por parte do arguido para lhe entregar quantias em dinheiro; falou ainda das ameaças com uma faca e do arguido pretender sair do país e levar a filha de ambos; também as restantes testemunhas relataram nos autos a pressão exercida sobre a arguida para ela dar dinheiro ao arguido; aliás, a arguida viu-se obrigada a entregar-lhe quantias em dinheiro para ele mandar para a Tunísia, segundo as suas possibilidades económicas; as testemunhas ouvidas no inquérito merecem credibilidade e comprovam a versão da ofendida, razão pela qual não concorda com o despacho de arquivamento; no inquérito existem indícios das constantes pressões de que a ofendida era vítima, vivendo sufocada pelas exigências monetárias da parte do arguido, que a obrigavam a entregar numerosas quantias em dinheiro, exercendo sobre a mesma violência psicológica e física, deixando-a em grande instabilidade e sobressalto pela segurança da sua integridade...

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