Acórdão nº 90/12.3TBVZL.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução30 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I - RELATÓRIO R (…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo sumário, contra L (…) Seguros, S.A., pedindo: a) a condenação desta a reconhecer a nulidade da cláusula 4.1., alínea a) das Condições Especiais da Apólice de seguro Multirriscos Habitação, consigo contratada, mantendo-se o contrato, e, em consequência, considerando-se o furto ocorrido na sua habitação, a 25.12.2012, abrangido pela referida apólice; b) na decorrência daquele pedido, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 22.301,70, acrescida dos juros de mora, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, na decorrência desse furto.

Alegou, para o efeito e em síntese: tendo negociado com a ré o seguro do conteúdo genérico da sua casa, avaliado em € 104.240,00, aquando da negociação a autora não foi esclarecida acerca do conceito de “furto”, aí mencionado na cláusula 4.1, alínea a) das Condições Gerais, cuja definição, nos termos aí expressos, desconhecia, muito menos lato do que o usado para efeitos criminais; tendo tal clausula sido elaborada sem prévia negociação individual, não lhe foi comunicado o seu conteúdo de forma a aclarar quais as especificidades e particularidades do conceito de furto para efeitos de risco; o seu conteúdo ambíguo é contrário ao sentido e interpretação que lhe seria atribuído por um contraente normal, alterando as regras respeitantes à distribuição do risco, tendo em conta a tipificação decorrente do Código Penal; conclui, invocando a nulidade da referida clausula 4.1, al. a), ao abrigo do Regime Jurídico das Clausulas Contratuais Gerais, e alegando que o conceito de “furto” deve ser interpretado de acordo com o previsto no Código Penal, e, nessa medida, o furto sucedido abrangido pela apólice de seguro contratada.

A ré apresentou contestação, alegando, em síntese: o furto ocorrido, nos termos alegados pela autora, não se encontra coberto pelo contrato de seguro contratado; as definições dos tipos de furto garantidos constantes das Condições Gerais da Apólice são claras e facilmente percetíveis a um cidadão de diligência e conhecimentos médios; imediatamente antes do local onde a autora apôs a sua assinatura, consta expressamente a declaração de que antes da celebração do contrato de seguro lhe foram dadas a conhecer e entregues as Condições Gerais e Especiais e Particulares do contrato de seguro e facultada toda a informação pré-contratual; embora tenha sido a Ré quem predispôs a clausula 4ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro, relativas à delimitação do âmbito e definição da cobertura da garantia do furto, nada na lei impõe que a interpretação de tal clausula respeite a formulação literal aliás diversa, do conceito de furto qualificado, tal como o previsto no Código Penal, inexistindo qualquer fundamento que permita sustentar que tal delimitação e definição da cobertura seja nula ao abrigo do Regime das CCG.

Conclui pela improcedência da ação.

Por requerimento de fls. 91, a autora requereu a ampliação do pedido, no valor de 6.535,00 €, e a atribuição à ação do valor global de 28.856,76 €, ampliação que veio a ser admitida no despacho saneador.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que declarou a nulidade do contrato de seguro celebrado entre a autora e a Ré, julgando a ação improcedente.

Interposto recurso de apelação por parte da autora, este tribunal, considerando que a 1ª instância, ao decidir declarar, não a nulidade da cláusula 4.1, al. a) das “Condições Especiais da Apólice de Seguro Multi-Riscos Habitação”, tal como era pedido pela autora, mas a nulidade de todo o contrato de seguro, sem contraditório, constituiu uma decisão surpresa, proferiu acórdão a declarar a nulidade da sentença, ordenando o cumprimento do disposto no art. 3º, nº3 do CPC.

Ouvidas as partes quanto a tal questão, foi de novo proferida sentença a declarar a nulidade do contrato de seguro celebrado entre a autora e a Ré, julgando a ação improcedente.

Não se conformando com a mesma, a autora dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: (…) * Pela Ré foram apresentadas contra-alegações defendendo a manutenção do decidido.

Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no artigo 657°, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Se, tendo sido peticionada a nulidade de uma determinada cláusula constante das Condições Gerais e Especiais, por não lhe ter sido devidamente comunicada, poderia o juiz excluí-las a todas por falta de entrega prévia de tal documento.

  1. Em caso negativo, se a exclusão da cláusula 4.1 importa a nulidade do contrato de seguro celebrado entre as partes, por indeterminabilidade do objeto.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A.

    Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida e que não são postos em causa por qualquer das partes: 1) No âmbito da atividade da ré, em 16 de Julho de 2007, a autora celebrou com esta um acordo anual de seguro denominado “Proteção Lar Plus”. [alínea A) dos factos assentes] 2) Através do qual, transferiu para a ré, entre outros, a responsabilidade pelo risco do recheio que compõe a sua casa de habitação, nos termos clausulados na respetiva apólice com o n.º 047/00145398/000, constante de fls. 12 a 14 e cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido. [alínea B) dos factos assentes] 3) Do qual fazem parte as condições especiais constantes de fls. 28 e 29 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [alínea C) dos factos assentes] 4) A entrada de desconhecidos na casa da autora sem a sua autorização e o material daí retirado, foram participados às autoridades policiais competentes por (…), em 10.01.2012. [alínea D) dos factos assentes] 5) Perante a referida participação, deslocaram-se ao local elementos policiais, quer do Posto de Vouzela, quer da Divisão de Investigação Criminal, ambos da Guarda Nacional Republicada, que elaboraram o auto de notícia, a que coube o n.º de processo 12/12.1GAVZL. [alínea E) dos factos assentes].

    6) Celeste Silva fez participação do sucedido à ré, o que originou o processo interno n.º 12-111-1251. [alínea F) dos factos assentes] 7) Discriminando todos os bens que haviam sido retirados do interior da casa de habitação, elaborando uma relação dos bens. [alínea G) dos factos assentes] 8) Para efeito de realização do acordo aludido em 1), o recheio da casa foi avaliado em € 104.240,00 €. [alínea H) dos factos assentes] 9) Foi subscrita pela autora a participação de seguro constante de fls. 46 a 50 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. [alínea I) dos factos assentes].

    10) Entre 25.12.20122 e 10.01.2012, desconhecidos entraram na habitação abrangida pelo acordo referido em 1), sem autorização da autora. [ponto1. da base instrutória].

    11)… Daí retirando: a) Uma imagem de Nossa Sr.ª da Conceição, no valor de € 1.500,00; b) Uma imagem de S. João Evangelista, no valor de € 1.800,00; c) Uma imagem de St.º António, no valor de € 1.500,00; d) Uma imagem de Cristo Crucificado, no valo de € 450,00; e) Uma caixa para cigarros em prata, no valor de € 300,00; f) Uma colher de arroz em prata, no valor de € 375,00; g) Uma concha de sopa em prata, no valor de € 150,00; h) Um conjunto de dez canetas diversas de prata e de marfim com pena, calçadeiras de prata e duas canetas em forma de pena, uma de prata e outra de prata dourada, no valor global de € 1.500,00; i) Doze cigarreiras diversas de prata, no valor global de € 1.200,00; j) Catorze cigarreiras diversas de prata, no valor global de € 1.120,00; k) Oito caixas de prata, no valor global de € 640,00; l) Cinquenta e uma argolas redondas em prata, no valor global de € 1.280,00; m) Vinte e cinco argolas de guardanapos em prata, no valor global de € 500,00; n) Dois copos de prata, no valor global de € 120,00; o) Várias jarras e cálices diversos em prata, no valor global de € 130,00; p) Catorze fosforeiras diversas em prata, no valor global de € 980,00; q) Treze fosforeiras diversas em prata, no valor global de € 650,00; r) Três almofarizes em prata com pilão, no valor global de € 450,00; s) Um prato em porcelana “Companhia das Índias”, no valor de € 300,00; t) Uma caixa de madeira com a medida 30x20x10, no valor de € 750,00; u) Duas argolas de guardanapo em marfim, no valor global de € 30,00; v) Um castiçal em prata, no valor de € 400,00; w) Onze paliteiros em prata, no valor global de € 2.635,00; x) Um prato da “Vista Alegre”, designado por “Salva Vasco da Gama” com a dimensão de 25 cm. de diâmetro, no valor de € 1.350,00; y) Vários grupos de colheres de chá e café, composto por cinco grupos de meia dúzia e de quatro grupos de dúzia, em prata, e respetivas colheres de açúcar, no valor global de € 1.920,00; z) Um bule de pequena dimensão da “Vista Alegre” do “Clube do Colecionador”, com a designação “Garibaldi”, numerado 525/2500, no valor de € 110,00. [ponto 2. da base instrutória com a retificação constante da ata de fls. 250 e 251] 12) Antes dos factos relatados terem ocorrido e de a autora ter solicitado as Condições Gerais e Especiais da Apólice, apenas lhe tinha sido entregue o documento respeitante à apólice de seguro “Proteção Lar”, junto de fls. 12 a 14 dos presentes autos[2]. [ponto 3. da base instrutória] 13) A ré entregou à autora as condições gerais e especiais da apólice, a pedido desta, na sequência da carta endereçada por aquela, na qual lhe comunicavam que a situação participada não estava coberta pelas garantias contratadas. [ponto 4. da base instrutória].

    *B. O Direito A autora intenta a...

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