Acórdão nº 5202/12.4TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução02 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O..., Lda., propôs, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra Condomínio do Edifício nº ..., acção declarativa de condenação com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação do último a pagar-lhe a quantia de € 10.413,04, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, até 19 de Outubro de 2012, no valor de € 2.105,96, bem assim dos vincendos desde 20 de Outubro do mesmo ano até pagamento, calculados sobre o capital em divida - € 10.413,04.

Fundamentou esta pretensão no facto de, no exercício da sua actividade de conservação de elevadores, ter celebrado, no dia 19 de Junho de 2008, com o réu, dois contratos de conservação denominados ..., cada qual com início no dia 1 de Julho de 2008 e termo em 30 de Outubro de 2014, e embora continuasse a cumprir os contratos sem queixas, o réu, que sempre foi mau pagador – incumprimento que é atestado pelo acordo de pagamento celebrado com aquele - sem que nada o fizesse prever, por carta de 2 de Março de 2014 rescindiu o contrato dos autos, tendo deixado por pagar facturas atrasadas – designadamente anteriores a Junho de 2008 - pelo que, estando os contratos em vigor até 30 de Junho de 2014, facturou o remanescente dos períodos em curso, tendo o réu deixado por pagar 35 facturas, no valor somado de € 10.413,04.

O réu defendeu-se alegando que por a autora nunca ter prestado devidamente os serviços contratados se viu obrigado a rescindir o contrato, nada lhe devendo a título de rescisão, por o ter rescindido com justa causa, que o acordo de pagamento trata de uma dívida anterior à celebração dos contratos juntos aos autos, que do valor de € 2.423,80, referido nesse acordo, pagou € 1.615,92, pelo que se encontra em dívida o montante de € 807,88, que da factura total de € 3.456,00 pagou € 1.168,00, encontrando-se em dívida o montante de € 1.095,88, pelo que das facturas emitidas – que eram pagas através de débito directo na sua conta - reconhece dever a quantia de € 1.095,88, nada mais devendo à autora.

A autora reiterou, na resposta, que estão em dívida as facturas que juntou com a petição e que desses valores o réu nada pagou.

A sentença final da causa – com fundamento em que as facturas emitidas anteriormente à celebração do contrato em causa não são devidas pois a causa de pedir nesta acção cinge-se a dois contratos datados de Junho de 2008, pelo que apenas são devidos os valores posteriores à sua celebração, que lhe parecia evidente que existiu justa causa de resolução do contrato relativamente ao elevador SX6419, o mesmo não sucedendo com o elevador SX6420 – que os contratos celebrados entre as partes são contrato de adesão e que a cláusula – penal - que obriga que, no caso de denúncia antecipada a indemnização por danos corresponderá ao valor da totalidade das prestações em dívida até ao termo do prazo contratado é, por ser proibida, nula – condenou o demandado a pagar à autora a quantia de € 2.742,06, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento das facturas até integral pagamento e absolveu-o do demais peticionado.

É esta sentença que a autora impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a sua revogação e substituição por outra em que se condene – finalmente – o R. na totalidade do pedido – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: ...

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de factos nestes termos: 1. Factos provados: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    A apelante, fundada na prestação de serviços de conservação de dois elevadores pediu a condenação do apelado a pagar-lhe o preço ou a remuneração convencionada como contrapartida da realização daquela prestação.

    A sentença impugnada, porém, desamparou, largamente, uma tal pretensão, com fundamento em três ordens de razões: a causa de pedir invocada pela autora restringe-se aos contratos concluídos em 2008, pela que as facturas anteriores à celebração destes contratos não são devidas; o apelado resolveu licitamente, por justa causa, um dos contratos; os contratos concluídos entre as partes são contratos de adesão e a cláusula penal neles convencionada para o caso de incumprimento pelo apelado dos contratos – o valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado - é, por se mostrar desproporcionada, uma cláusula proibida e, como tal, nula.

    Este simples enunciado mostra a inexactidão da alegação da apelante quando afirma que o réu não convenceu o tribunal da justa causa alegada como fundamento da resolução dos contratos: realmente, o tribunal convenceu-se dessa justa causa – embora apenas relativamente a um dos contratos.

    Como quer que seja, a apelante acha que se deve julgar provado o facto, julgado não provado com o nº 1, com este enunciado: aquando do envio da carta referida em K e por conta dos acordos celebrados encontravam-se por pagar 8 facturas. Razão: os contratos dos autos iniciaram-se em 1 de Julho de 2008, vieram substituir os anteriores, pelo não houve assim qualquer quebra na relação comercial estabelecida ao longo dos anos entre A. e R., pelo que os contrato dos autos e o acordo de fls. 26 constituem, todos, a causa de pedir nestes autos.

    Como se vê, a modificação da decisão da decisão da questão de facto não se fundamenta em qualquer error in iudicando, por erro na aferição das provas ou por erro sobre o objecto dessas provas – mas num error in iudicando – de direito - quanto à delimitação da causa de pedir invocada pela apelante.

    Maneira que, em face do conteúdo da alegação da apelante e da decisão impugnada, as questões controversas que importa resolver são as de saber se: a) O apelante invocou uma ou mais causas de pedir susceptíveis de fundamentar a totalidade do pedido que formulou; b) Os contratos concluídos entre a apelante e o apelado são qualificáveis como contratos de adesão; c) A cláusula penal disposta, a favor da apelante, nesses mesmos contratos é, por se mostrar desproporcionada, uma cláusula proibida e, como tal, nula.

    A resolução destas questões vincula, naturalmente, à exposição da função da causa de pedir, às características das cláusulas contratuais gerais e aos pressupostos de nulidade da cláusula penal convencionada por recurso a cláusulas daquela espécie.

    3.2.

    Função da causa de pedir.

    O pedido formulado pela parte tem de ser fundamentado, quer dizer, tem de assentar numa causa de pedir. A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, ou seja, é composta pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada por aquela parte. Nos processos em que vigora a disponibilidade objectiva, a causa de pedir fixa os limites da cognição do tribunal (artºs 664, 2ª parte, e 668, nº 1, d) do CPC de 1961, e 5 nº 1 do nCPC); Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos brutos, mas factos institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. No entanto, esses factos valem independentemente da qualificação fornecida pela parte, dado que ela não é vinculativa para o tribunal (artº 664, 1ª parte, do CPC de 1961, e 5 nº 3 do nCPC).

    A causa de pedir desempenha, pois, desde logo uma função de fundamentação do pedido: o autor fundamenta o pedido numa certa causa de pedir, que fornece o porquê do pedido. O autor pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia X, porque lhe emprestou essa quantia ou porque ela corresponde ao preço de uma coisa que ele comprou – ou porque ela corresponde ao preço ou à remuneração de um serviço que lhe foi prestado.

    O autor está, assim, vinculado a um ónus de substanciação, i.e., ao ónus de alegar, de forma substanciada, os factos que integram a causa de pedir[1]: a função de fundamentação que é realizada pela causa petendi é, assim, indispensável.

    À determinação da exacta causa de pedir invocada pela parte obtém-se através da interpretação do acto postulativo dessa mesma parte - v.g., da petição inicial – por aplicação dos critérios de interpretação dispostos na lei para os negócios jurídicos, aplicáveis, por extensão de regime, aos actos não negociais (artºs 236 e 295 do Código Civil).

    Assim, tendo presente que o acto da parte tem por destinatário o tribunal e a contraparte, o acto da parte deve ser interpretado de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – o tribunal e/ou a contraparte – possa deduzir do comportamento da parte (artº 236 nº 1 do Código Civil). Em caso de dúvida séria sobre o sentido da declaração, o tribunal está vinculado ao dever de procurar esclarecimento junto da parte (artº 266 nº 2 do CPC de 1961 e 7 nº 2, do nCPC).

    Na espécie do recurso a fonte do direito de crédito alegado pela apelante, os actos de que, no seu entender, um tal direito procede, são, decerto, os contratos que concluiu com o apelado em 19 de Junho de 2008 e foi nesses contratos que se baseou para fundamentar parte do seu pedido. Causa de pedir que sem preocupação de particular rigor é subsumível a dois contratos atípicos de troca para a prestação de serviço, a que são aplicáveis, na ausência de regulação especial, devidamente reconformadas, as disposições sobre o contrato de mandato (artºs 1156 do Código Civil).

    Mas a par desses dois contratos a apelante invocou um outro acto de que, no seu ver, emerge, parte do direito de crédito alegado...

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