Acórdão nº 262/13.3GAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução24 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos supra identificados, findo o inquérito, pelo Ministério Público foi proferido o despacho de fls. 83 e 83v., no qual determinou o seu arquivamento – do crime de abuso de confiança.

2.

Face a este arquivamento, requereu a assistente A..., Lda., titular do nipc nº (...) , melhor id. nos autos, a abertura de instrução ao abrigo do artigo 287º, alínea b), do Código de Processo Penal – fls. 88 a 93 102 a 104.

3.

Por despacho de fls. 160 a 165, datado de 17 de Dezembro de 2014, e pelos fundamentos que do mesmo constam, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução da assistente.

4. Não se conformando com o decidido, recorre a assistente, formulando as seguintes conclusões: Veio o tribunal ad quo rejeitar o requerimento para a abertura de instrução da aqui assistente com base na sua inadmissibilidade legal.

Inadmissibilidade que em súmula assenta e no facto de invocar que no caso de existir um despacho de arquivamento o requerimento para a abertura da instrução, pelo assistente, tem de consistir numa verdadeira acusação, o que no presente caso não aconteceu.

Todavia tal despacho e sustenta-se numa errada apreciação do requerimento para abertura da instrução da assistente, pois todas as formalidades legais foram cumpridas.

Do requerimento para a abertura da instrução da assistente consta o seguinte: A denunciada foi, em 15/02/2013, destituída, com justa causa, de gerente da denunciante (ora assistente); Destituição que foi registada comercialmente e comunicada à denunciada.

Não tendo esta procedido à devolução do veículo matrícula FF (...) , que lhe estava afeto no exercício da gerência entretanto cessada.

Não o tendo efetuado voluntariamente, como se impunha, nem instada para tal.

Cometendo, deste modo, a denunciada, o crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 205° da CP, porquanto o fez, livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei.

São estes os factos praticados pela arguida que claramente demonstram o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo descrito no artigo 205° CP, delimitando deste modo o objeto do processo. Os factos descritos no requerimento para a abertura da instrução são claramente o recorte unitário do pedaço de vida que se subsume ao um tipo incriminador. em concreto o crime de abuso de confiança, previsto e punido no artigo 205° do CP.

O facto descrito não se revela duvidoso, vago ou confuso.

Entende o tribunal ad quo que o facto de não se identificar a arguida na descrição não possibilita a delimitação do objecto do processo.

Porém, não se descure nem olvide que a parte introdutória do requerimento para a abertura da instrução o faz com referência ao despacho de arquivamento onde essa identificação é clara e precisa.

E decorrendo o inquérito apenas contra B...

, apenas a esta se imputam os factos descritos no requerimento para a abertura da instrução.

Considerar ser inadmissível a RAI, apenas e porque não se coloca no mesmo o nome da denunciada, é impedir que um sujeito processual fique impedido de praticar atos processuais com o fim de encontrar a verdade material, por uma questão meramente formal e que se sana com a simples leitura do despacho de arquivamento que suporta o requerimento da assistente.

Até porque a instrução não deixa também de ser uma fase de investigação e nessa medida, a primeira preocupação da assistente foi demonstrar ao juiz de instrução criminal quais as diligências de investigação que deveriam ter sido realizada em sede de inquérito que se tivessem acontecido determinariam a prolação de uma acusação.

Parece-nos, claramente que este entendimento é uma violação crassa do princípio da igualdade de armas presente em qualquer processo de natureza adjetiva.

O Tribunal ad quo determina que: é manifesto que no requerimento de abertura de instrução não vêm enunciados factos imputados à denunciada e que permitam proferir uma decisão de pronúncia relativamente à mesma.

Quanto á inexistência de fatos tal não se verifica conforme se referiu em 4°.

Da segunda parte o que a assistente conclui é que não há prova indiciária suficiente para a prolação da pronúncia.

Ora as diligências de investigação que a aqui assistente requer no seu requerimento para a abertura da instrução permitem obter essa prova indiciária.

Servindo exatamente a instrução para isso, tal como é referido pelo tribunal ad quo quando descreve o disposto no artigo 287° n.° 2 do CPPP.

Coartar tal possibilidade com base apenas numa questão meramente formal é desvirtuar o processo penal português que assenta as suas premissas num processo essencialmente acusatório e democrático, onde a igualdade de armas e o contraditório são o seu ponto de sustentação.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER: A) DADO PROVIMENTO AO RECURSO; B) SEJA DECLARADA ABERTA A INSTRUÇÃO COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA. 5. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese: Está …mais que assente, que o requerimento de abertura de instrução deve constituir, substancialmente, uma acusação alternativa que vai ser sujeita a comprovação judicial, sob pena de ser inexequível e não fixar o objecto da instrução.

Ora, da análise do requerimento de fis. 100 a 105 facilmente se conclui que o mesmo não obedece a estes requisitos pois não procede à enumeração dos factos concretos que se pretende estarem indiciados.

Efectivamente o assistente limita-se a tecer as razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Publico e, tal como refere a Srª Juiz de Instrução «. . . .apenas a partir dos pontos 19 a 23 se faz alusão a factos que podem integrar a prática do crime em análise “(sic).

Assim, a assistente não narra quais os factos que entende estarem indiciados de forma precisa e concreta, limitando-se a relatar conclusões e com várias lacunas como a localização espacial e temporal dos factos, os elementos integradores da culpa, sendo que, tal como se apresenta, jamais poderá conduzir à prolação de qualquer despacho de pronuncia.

Por outro lado não pode o tribunal convidar a assistente a suprir as falhas assinaladas, sob pena de estar a contender com direitos de defesa do arguido.

Assim decidiu bem a Exa Senhora Juiz de Instrução ao não admitir por legalmente inadmissível, face à inexistência de objecto, o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente ao abrigo do artigo 287°, n° 3 do CPP.

6. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer dizendo em síntese: O inquérito tem por finalidade investigar a existência de um crime, bastando a mera notícia do mesmo para que possa ser feita a respectiva denúncia, devendo o Ministério Público proceder ao registo de todas as denúncias, que lhe forem transmitidas (artigos 244 O, 247º e 262º O do Código de Processo Penal). Por outro lado, deve deduzir acusação se, no decurso do inquérito, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente (artigo 283 O do Código de Processo Penal).

A instrução, por seu lado, visa comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito e o requerimento para a abertura de instrução deve conter os factos, que o Requerente espera provar, através das diligências a realizar e dos meios de prova a produzir na instrução (artigos 286 ° e 287 ° C. P. P.).

A decisão instrutória só pode, validamente, pronunciar o arguido por factos descritos na acusação do Ministério Público ou do Assistente, ou no requerimento para a abertura de instrução, ou que não constituam uma alteração substancial deles, sendo nula em caso contrário (n 01 do artigo 309º do Cód. Proc. Penal).

Nos termos da ai.

f), do n ° 1, do artigo 1 ° do C. P. P., ocorre alteração substancial dos factos, se estes tiverem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Nesta conformidade, pois, a fase de instrução não é um segundo inquérito e, para que haja abertura de instrução, é indispensável que um crime esteja descrito numa acusação ou no requerimento de abertura de instrução, não bastando a mera notícia ou imputação de crimes em abstracto, sendo essencial a data da prática dos factos, a identificação do (s) arguido (s), o elemento subjectivo da infracção e uma correcta articulação dos factos imputados.

Se nenhum crime for descrito numa acusação ou requerimento para abertura de instrução, faltar a identificação dos arguidos, a data da prática dos factos ou o elemento subjectivo, nenhuma comprovação é possível fazer da decisão de acusar ou de arquivar quanto a ele, sendo, portanto, a instrução legalmente inadmissível e o requerimento de abertura de instrução deve ser rejeitado (n 03 do artigo 287º do C.P.P.).

Se a lei impõe a rejeição do requerimento, obviamente que impede a sua aceitação e posterior correcção.

Em face do exposto, e acompanhando a resposta da Exmª Magistrada cio Ministério Público, constante de fls.

189 a 192, somos de parecer que o recurso da assistente, A... , Lda.

‘, não merece provimento, devendo ser confirmado o despacho recorrido.

7. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II Questão a apreciar: Da verificação ou não dos requisitos legais do requerimento de abertura de instrução, com as respectivas consequências daí emergentes.

III Apreciando.

Dos requisitos legais do requerimento de abertura de instrução.

1.

Começando pelo teor do requerimento de abertura de instrução[1], verifica-se que a...

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