Acórdão nº 586/09.4IDAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCACILDA SENA
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório No processo referido supra foram os arguidos A... , S.A. e B...

, completamente identificados nos autos, submetido a julgamento, vindo a final a ser proferida a ser condenados nos seguintes termos: A arguida A... , S.A. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos art.s 105º, n.ºs 1 a 5, e 7º, n.º 1,ambos do RGIT, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 100 (cem euros), o que perfaz € 40.000 (quarenta mil euros).

O arguido B... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos art.s 105º, n.ºs 1 a 5, 6º, n.º 1, e 7º, n.º 3, todos do RGIT, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20 (vinte euros), o que perfaz € 5.000 (cinco mil euros).

* Desagradados com o assim decidido, vieram os arguidos interpor recurso, despedindo a respectiva motivação com as seguintes Conclusões: 1. ª) O presente recurso vem do Acórdão de fls. 1697 a 1746 dos autos, proferido em 11/03/2014 e depositado na secretaria em 12/03/2014.

  1. ª) Desde 28 de Dezembro de 2009 que se encontram integralmente pagos todos os valores de imposto referidos nos autos, bem como todos os respectivos acréscimos legais devidos.

  2. ª) No Acórdão recorrido, depois de se referir que “é um facto que, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, não foi efetuada a notificação a que alude a al. b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT, em relação a qualquer dos meses em apreço”, os Mmºs Juízes do Tribunal a quo concluíram não se lhes afigurar que essa notificação “devesse ter sido feita nem que, consequentemente, a sua omissão” acarretasse o não preenchimento da condição de punibilidade prevista naquela norma.

  3. ª) Todavia, para que assim pudesse ter concluído, impunha-se que o Acórdão recorrido se pronunciasse fundamentadamente sobre a questão, suscitada pelos arguidos, da inexistência, no caso dos autos, de uma obrigação legal de declaração, autónoma da obrigação de pagamento, o que não sucedeu.

  4. ª) Na verdade, o Acórdão recorrido, em lugar de conhecer e decidir essa concreta questão suscitada pelos arguidos, limitou-se a remeter para a decisão instrutória, alegando “que nada de substancialmente novo” havia a “acrescentar” ao que havia sido decidido “em sede de instrução”.

  5. ª) Ora, fazendo o Acórdão recorrido referência às “declarações periódicas de IRS”, deveria o Tribunal a quo, tendo em consideração que os arguidos sustentavam a inexistência de uma obrigação de declaração das retenções na fonte autónoma da obrigação de pagamento, ter desde logo referido em que concretas normas é que, no quadro normativo vigente na data em que deveriam ter sido pagas as importâncias de retenções na fonte de IRS nele indicadas, se encontrava prevista essa alegada obrigação de entrega das “declarações periódicas de IRS”, e deveria ter demonstrado que, nesse mesmo quadro normativo, existia uma obrigação legal de entrega de tais “declarações periódicas de IRS” com menção da totalidade dos valores retidos, ainda que a sociedade arguida não efectuasse a entrega do imposto retido na fonte.

  6. ª) O que era controvertido não era se a obrigação de notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT existia quando não fosse cumprida a obrigação de comunicação à AT das importâncias retidas, mas antes se, no caso, existia ou não essa obrigação de comunicação mensal, e, não existindo ela (como foi sustentado pelos arguidos), se aquela notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT teria ou não de ser feita.

  7. ª) O que importaria decidir era, pois, se, no caso dos autos, a arguida devia e, em termos práticos, podia entregar declarações de pagamento/guia de retenções na fonte por montante diferente daquele que através dessa declaração/guia iria pagar, e se, no caso de inexistir uma obrigação declarativa, mensal, de retenções na fonte, ou de, existindo a mesma, não ser, em termos práticos, possível dar-lhe cumprimento, tinha ou não de ser feita a notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT.

  8. ª) Tendo sido demonstrado nos autos que a arguida havia dado efectivo cumprimento à obrigação de entrega das declarações anuais de rendimentos pagos e de retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS, importaria que o Tribunal a quo se pronunciasse também sobre a relevância da entrega dessas declarações para efeitos de aplicação da norma do art. 105º-4/b do RGIT.

  9. ª) Quanto a esta questão, no Acórdão recorrido não foi feita uma única referência, não obstante a inequívoca prova documental e testemunhal produzida no sentido de que tais declarações foram entregues, e que são essas as declarações mais relevantes em termos de exercício dos poderes de controlo e fiscalização por parte da AT.

  10. ª) Importaria, pois, que, ao contrário do que sucedeu, o Tribunal a quo tivesse dado resposta às seguintes questões: 1ª) Se, no caso concreto, existia ou não uma obrigação declarativa, mensal, autónoma da obrigação do pagamento, ou seja, se a arguida tinha de entregar cada declaração de pagamento/guia de retenções na fonte, por montante diferente daquele que através dessa declaração/guia iria pagar; 2ª) Em caso de a resposta a essa primeira questão ser afirmativa, se, em termos práticos, podia ser cumprida a obrigação de entrega de declaração de pagamento/guia de retenções na fonte, e efectuar o pagamento de valor inferior ao que era feito constar nessa declaração/guia; 3ª) Se, no caso de inexistir uma obrigação declarativa, mensal, de retenções na fonte, ou de, existindo a mesma, não ser, em termos práticos, possível dar-lhe cumprimento, tinha ou não de ser feita a notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, e 4ª) Qual a relevância, para efeitos dessa norma do art. 105º-4/b do RGIT, do efectivo cumprimento, por parte da arguida, da obrigação de entrega da declaração anual dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS, embora esse cumprimento tenha sido feito fora dos prazos legalmente estabelecidos, mas muito antes da data em terminou a acção inspectiva, bem como da data em que foi levantado o auto de notícia.

  11. ª) Se quanto àquelas três primeiras questões o Tribunal a quo se limitou a remeter para decisão instrutória, quanto à quarta e última nem sequer se pronunciou sobre ela, a ponto de não ter integrado no elenco da matéria julgada provada o facto de que a arguida havia apresentado as declarações anuais dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas (cfr. art. 119º-1/c do CIRS), respeitantes aos anos de 2006 e 2007, e que, por isso e por considerar que os valores declarados não padeciam de quaisquer erros ou omissões com relevância material, a AT os aceitou como bons, e não teve, por isso, de fazer qualquer liquidação oficiosa.

  12. ª) A lei não permite (de forma diferente do que sucede com a decisão instrutória - cfr. art. 307º-1 do CPP), que a sentença possa remeter a fundamentação das questões nela decididas para a fundamentação constante noutras peças processuais, pelo que o Acórdão recorrido, ao ter decidido a três primeiras questões acima referidas através da remissão para as razões de facto e de direito enunciadas no despacho de pronúncia, incorreu na nulidade prevista na primeira parte do art. 379º-1/c-2 do CPP.

  13. ª) Tal é evidente, desde logo, tendo em consideração que a finalidade e a natureza dessa fase processual de instrução, bem como os constrangimentos temporais que lhe são próprios (cfr. arts. 286º-1, 291º-1-3, 308º-1 e 306º do CPP), são diversos daqueles que regem a fase de julgamento, acrescendo, de todo o modo, que, na fase de instrução, não puderam ser levados em consideração os argumentos invocados pelos arguidos em sede de Contestação, nem a prova produzida em sede de audiência de julgamento.

  14. ª) O Acórdão recorrido incorreu igualmente em nulidade, por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a questão da relevância, para efeitos da norma do art. 105º-4/b do RGIT, do efectivo cumprimento, por parte da arguida, da obrigação de entrega da declaração anual dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS.

  15. ª) O Acórdão recorrido é, pois, nulo, por omissão de pronúncia (cfr. art. 379º-1/c-2 do CPP).

    Sem conceder, 17. ª) Na data a que se reportam as retenções na fonte referidas no Acórdão recorrido, inexistia uma obrigação legal declarativa autónoma da obrigação de pagamento do imposto retido, pelo que a arguida sociedade não estava obrigada a declarar à AT, mensalmente, importâncias de valor superior àquelas de que dispunha e que efectivamente entregava.

  16. ª) Tal obrigação declarativa autónoma da obrigação de entrega das importâncias retidas só foi criada pelo legislador através da redacção que ao art. 119º-1/c do CIRS foi dada pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2013), que entrou em vigor em 01/01/2013.

  17. ª) Assim, não vigorando, nas datas em que ocorreram os factos descritos nos autos, uma obrigação declarativa autónoma da obrigação de pagamento do imposto retido, sempre deveria ter sido dado cumprimento (desde que a arguida tivesse importâncias em dívida) à notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, como forma de preencher a respectiva condição objectiva de punibilidade, o que não sucedeu.

  18. ª) Porém, o Acórdão recorrido assentou no pressuposto de que as importâncias retidas na fonte pela sociedade arguida a título de IRS tinham de por ela ser fiscalmente declaradas até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que as mesmas foram deduzidas, ainda que essas importâncias não fossem entregues juntamente com essa declaração, e que, por não ter sido efectuada essa declaração pela sociedade arguida, não haveria lugar à notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT.

  19. ª) Tal entendimento encontra-se enfermo de erro, por não ter sido levado em consideração, designadamente, que, no que concerne...

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