Acórdão nº 555/14.2TTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LOUREIRO
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório A autoridade recorrida condenou a recorrente, no pagamento de uma coima de € 8.730,00 pela prática de uma contra-ordenação muito grave negligente p. e p. no art. 29º/1/4 do CT/09.

Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, sendo que no correspondente articulado requereu a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento.

Tal requerimento veio a ser indeferido pelo despacho de 13/11/2014, com o teor seguidamente transcrito: “No seu requerimento de impugnação judicial requereu a arguida a documentação das declarações das testemunhas através de gravação, pedido renovado pela arguida /recorrente.

Compulsados os autos verifica-se que no despacho de recebimento do recurso de fls. 194, não se pronunciou o Tribunal sobre tal matéria.

Determina o artº 60º da Lei 107/09 de 14.09, que "sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis (...) os preceitos reguladores do processo de contra ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações".

Estabelece o artº 75 do referido RGCO, no seu nº 1 que " se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito (...)".

Do exposto resulta, que, não sendo admissível recurso, para a 2ª instância da matéria de facto, não haverá lugar ao registo da prova, razão pela qual se indefere o requerido pela arguida.

”.

Não se conformando com o assim decidido, recorreu a arguida, tendo apresentado as conclusões seguidamente transcritas: […] O Ministério Público junto do tribunal recorrido também respondeu a este recurso, pugnando pela sua improcedência (fls. 531 a 559).

Neste tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer pugnando pela inadmissibilidade do recurso intercalar e pela improcedência do recurso final.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

*II) Esclarecimento prévio Previamente à apreciação dos dois recursos interpostos pela arguida, importa introduzir um esclarecimento prévio: no recurso interposto da sentença final, a recorrente retoma a questão da ilegalidade do despacho de 13/11/2014 (fls. 231) que indeferiu a documentação dos actos da audiência de julgamento e a gravação da prova oral que nela se produziu, retomando assim o recurso intercalar que em 24/11/2014 (fls. 301 a 310) interpôs daquele despacho e reproduzindo a argumentação ali sustentada.

Assim, independentemente da questão da admissibilidade do recurso intercalar, apreciaremos tal questão, como se a mesma apenas tivesse sido suscitada no recurso da sentença final e tendo por referência a inserção sistemático-formal que a essa questão foi dispensada neste último recurso.

*III) Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir: 1ª) se ao indeferir o requerimento da recorrente no sentido da gravação da prova oral produzida durante a audiência de julgamento, o tribunal recorrido violou os arts. 101º/1 e 364º do CPP, 155º/1/2 do CPC, em conjugação com os arts. 4º do CPP e 9º do CC, bem assim como os arts. 20º e 32º/1/5/10 da CRP; 2ª) se o auto de notícia elaborado pela autoridade administrativa padece dos vícios determinantes de nulidade que lhe são assacados pela recorrente; 3ª) se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 58º/1/c do DL 433/82, de 27/10, na sua redacção actual (RGCO), resultante da omissão de identificação no auto de notícia, na proposta de decisão e na decisão da autoridade administrativa do instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação de trabalho entre a recorrente e a sua trabalhadora A... ; 4ª) se o auto de declarações de A... de 1/4/2013 e o depoimento que dele consta padecem dos vícios determinantes de invalidade que lhe são assacados pela recorrente; 5ª) se o prazo de quinze dias estabelecido no art. 17º/1 da Lei 107/09, de 14/9 (RGCOLSS), e se a limitação a duas testemunhas estabelecida no art. 47º/3 do RGCOLSS violam o direito de defesa da recorrente; 6ª) se tinham de constar do processo “notas de visita” referentes às visitas inspectivas realizadas previamente à elaboração do auto de notícia; 7ª) se o tribunal recorrido deveria ter tomado a iniciativa de proceder à inquirição de outras testemunhas, tendo em conta que foi indirecto o depoimento da inspectora que lavrou o auto de notícia; 8ª) se foi cometida qualquer invalidade pelo facto de terem decorrido oito meses entres as duas visitas inspectivas referidas no auto de notícia e de a recorrente não ter recebido quaisquer notificações, instruções ou sugestões da parte da ACT; 9ª) se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 16º do RGCOLSS; 10ª) se deve ser censurada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido; 11ª) se só pode ser reconhecida a um trabalhador uma determinada categoria profissional se esta estiver prevista em IRCT aplicável à relação de trabalho entre trabalhador e empregador; 12ª) se a presença nos autos das cartas de 17/8/2012 (fls. 34) e de 25/10/2012 (fls. 35) envolve a violação do sigilo profissional de advogado, devendo as mesmas ter sido desentranhadas; 13ª) se os factos dados como provados na sentença recorrida permitem concluir no sentido de que a recorrente cometeu a contra-ordenação pela qual foi condenada pela ACT em decisão que foi mantida pelo tribunal recorrido.

*IV) Fundamentação A) De facto.

Transcrevem-se de seguida os factos dados como provados no tribunal recorrido: […]*B) De direito Primeira questão: se ao indeferir o requerimento da recorrente no sentido da gravação da prova oral produzida durante a audiência de julgamento, o tribunal recorrido violou os arts. 101º/1 e 364º do CPP, 155º/1/2 do CPC, em conjugação com os arts. 4º do CPP e 9º do CC, bem assim como os arts. 20º e 32º/1/5/10 da CRP.

Nos termos do art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9 (RGCOLSS), “Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.

”.

Decorre directamente da norma acabada de transcrever que em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto.

Sendo assim, como é, então não faz qualquer sentido que se proceda à gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento em primeira instância.

Na verdade, a referenciada gravação visa a conservação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento com o propósito de possibilitar aos sujeitos processuais revisitar tal prova, impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância e, no quadro dessa impugnação, permitir ao tribunal de segunda instância sindicar aquela mesma decisão, designadamente através da reapreciação da prova produzida oralmente no decurso da audiência de julgamento.

Ora, estando vedada, por regra, a intervenção censória do tribunal de segunda instância em sede da decisão sobre a matéria de facto e nessa medida a possibilidade desse mesmo tribunal se socorrer da eventual gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento, não se vê de que utilidade se possa revestir a dita gravação que, nessa medida, representa um acto perfeitamente inútil.

É certo que mesmo em sede de contra-ordenações o Tribunal da Relação deve levar a efeito uma apreciação oficiosa dos vícios enunciados no art. 410º/2/3 do CPP, aplicável ex-vi dos arts. 41º/1 e 74º/4 do DL 433/82, de 27/10, na sua redacção actual (RGCO) – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95) Simplesmente, essa intervenção oficiosa do Tribunal da Relação não torna necessária e muito menos obrigatória a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência, estando mesmo vedado para esses efeitos o recurso a tal gravação nos casos em que porventura a mesma tenha sido efectuada.

Com efeito, como melhor se demonstrará infra, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

Como assim, também por esta via fica demonstrada a verdadeira inutilidade do acto de gravação da prova oral produzida na audiência de julgamento em sede de recuso de contra-ordenações laborais e contra a segurança social.

De resto, por força da norma remissiva do art. 60º do RGCOLSS, aplica-se em sede de contra-ordenações laborais a norma do art. 66º do RGCO, na sua redacção actual, nos termos da qual “Salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito.

”, sendo certo que de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência que sobre esta temática se tem pronunciado, tal norma proíbe não só a redução a escrito da prova mas igualmente a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento - António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, p. 241; António Beça Pereira, Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, 7.ª Edição, p. 142/143; acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/1/2012, proferido no âmbito do processo 1511/10.5TBTNV.C1, e de 30/5/2012, proferido no âmbito do processo 247/11.4TBSEI.C1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/2/2013, proferido no âmbito do processo 786/12.0TBSJM.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 28/5/2015, proferido no âmbito do processo 2140/13.7TAPDL.L2-9.

Importa referir, ainda, que não se vislumbra qualquer violação de qualquer garantia...

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